1ª edição: 1992
Reimpressão: 1999
Publicado com a
devida autorização
e com todos os
direitos reservados por
SOCIEDADE RELIGIOSA
EDIÇÕES VIDA NOVA,
Caixa Postal 21486,
São Paulo-SP
04602-970
Proibida a
reprodução por quaisquer
meios (mecânicos,
eletrônicos, xerográficos,
fotográficos,
gravação, estocagem em banco de
dados, etc.), a não
ser em citações breves
com indicação de
fonte.
Printed in Brazil /
Impresso no Brasil
Coordenação de
produção • Robinson Malkomes
Revisões •
Eber Cocareli
Capa •
Melody Pieratt
CONTEÚDO
Prefácio dos editores
Agradecimentos
Introdução
1. A Base de Missões no Relato da
Criação
2. A Responsabilidade Missionária
de Israel
3. A Perspectiva de Missões no
Ministério de Jesus
4. Missões no Ministério do
Espírito por meio da Igreja
5. Paulo e Missões
6. A Volta de Jesus e a Urgência
Missionária
Apêndice A
Apêndice B
PREFÁCIO DOS EDITORES
O teólogo holandês J. H. Bavinck
afirmava que a base da grande comissão evangélica teria que ser
Gênesis 1.1. O autor deste livro, renomado professor da cadeira de
Missões do Centro Evangélico de Missões, em Viçosa-MG, vai além
para demonstrar que não somente o primeiro versículo, mas toda a
Bíblia, trata da questão missionária.
Com o crescimento, nos últimos
anos, do interesse das igrejas brasileiras por missões, tornou-se
fundamental a busca de uma base bíblica abrangente para a
tarefa missionária. A grande comissão — isolada — hoje não é
mais suficiente para sustentar o intenso debate que tem sido travado
sobre os diversos aspectos que envolvem a ação missionária
transcultural.
Queremos desafiar o leitor a buscar
conosco, nas páginas de toda a Escritura, o conhecimento amplo e
seguro das bases divinas da missão. Nossa oração é para que o
Deus, que no princípio criou os céus e a terra (Gn 1.1), pela graça
do Senhor Jesus Cristo (Ap 22.21) encontre no leitor a atitude
de pronto engajamento na sublime tarefa de abreviar o fim da
história.
Eber Cocareli
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer especialmente ao
Rev. Elben Magalhães Lenz César a demonstração de amizade e
confiança em mim e a publicação, por meio da revista Ultimato
(entre 1983 e 1986), dos capítulos contidos neste livro.
Também reconheço minha dívida de
gratidão ao Centro Evangélico de Missões, à sua diretoria, a seu
corpo docente e a seus alunos pelo privilégio de participar com eles
de um sonho tão antigo quanto a promessa de Deus a Abraão no
sentido de abençoar todas as nações do mundo, mediante a salvação
oferecida em Jesus Cristo e anunciada por nós!
INTRODUÇÃO
Sentado em nossa sala, um jovem
engenheiro agrônomo refletia a respeito de sua vida de estudante
universitário cristão e zeloso pela evangelização: "Naquela
época, eu viajava de ônibus entre a cidade e o compus e poucos
foram os colegas que não ouviram do evangelho por meio de meu
testemunho. Mas, hoje — sei lá — tenho amadurecido na fé e já
não reajo com as pessoas como um recém-convertido..."
Fiquei pensando em quantos cristãos
cometem o mesmo engano: relacionar a evangelização ardente e fiel
apenas com os primeiros passos, com o entusiasmo do estágio inicial
da vida cristã, deixando que ela se transforme, em seguida, num
respeitoso silêncio, fruto de um "amadurecimento" na fé.
Tal atitude reflete falta de conhecimento da perspectiva bíblica
sobre a missão da igreja e sua tarefa evangelística.
Por alguma razão, que acredito ser
diabólica, a questão missionária frequentemente não preocupa
muito a igreja, se não na teologia, pelo menos na prática. Para
alguns, a vocação missionária cabe mais aos ministros de menor
preparo e experiência. Assim, a rica palavra missões torna-se nada
mais que um degrau na ascensão da carreira profissional ou mesmo um
meio pelo qual a igreja se livra dos ministros não tão bem
sucedidos. Claro, isto acontece muito menos no pensamento e muito
mais na prática. É um contraste com a igreja primitiva, que formou
sua primeira equipe missionária com o influente e bem instruído
Paulo e com o grande expositor da Palavra de Deus, Barnabé!
A matéria é tratada como se fosse
apenas uma pequena parte do preparo bíblico e teológico.
Certamente, a grande comissão (Mt 28.18-20) é citada, com certa
frequência, com zelo e ardor. Todavia, poucas vezes ela é vista e
exposta como o clímax e o ápice de uma longa série de teologia
missionária que se irradia das páginas da Bíblia, desde Gênesis
1.1 até Apocalipse 22.21, ou seja, do primeiro ao último versículo
da Palavra de Deus.
A Bíblia, então, é essencialmente
um livro missionário, visto que sua inspiração deriva de um Deus
missionário. O termo missionário vem do latim, que, por sua vez,
traduz a palavra grega apóstolos, a qual significa o enviado. Jesus
usou este termo para destacar o relacionamento entre Deus Pai, Deus
Filho e seus discípulos, quando disse: "Assim como o Pai me
enviou, eu também vos envio" (Jo 20.21). O próprio caráter de
nosso Senhor é missionário. Portanto, não é de surpreender que
sua Palavra também manifeste esta característica. É à luz desta
revelação de Deus que a igreja enfrenta o maior desafio do
cristianismo — a tarefa missionária inacabada, cujo âmago é a
evangelização.
1
A BASE DE MISSÕES NO
RELATO DA CRIAÇÃO
Um dos maiores teólogos de missões,
o holandês J. H. Bavinck, observou que Gênesis l. l é, obviamente,
a base necessária da grande comissão dada nos evangelhos. De fato,
ele tinha razão. O versículo tão conhecido diz: "No princípio
criou Deus os céus e a terra".
A CRIAÇÃO DO MUNDO
Destaca-se aí a amplitude da
preocupação de Deus e, por conseguinte, o palco de missões. Nada
menos que o mundo inteiro pertence à esfera do interesse de Deus.
Antes de ser uma preocupação mais restrita, a preocupação é
basicamente universal. Antes de ser o Deus de Israel, ele é o Deus
do universo. Antes de ser o Deus da igreja, é o Senhor de tudo.
(Mesmo o título usado no Antigo Testamento, Adonai, tem o sentido de
"Senhor de tudo" ou "Senhor absoluto", em vez de
Adonî, forma esta que significa "meu Senhor",
representando, por exemplo, um deus particular de um indivíduo ou de
uma nação.)
"Pois Deus amou o mundo de tal
maneira..." (Jo 3.16). O escopo de Deus é o mundo criado. Nele,
a mira de Deus está fixada. Ele tem um plano mestre para todas as
coisas (l Co 15.28). Claro que o meio de alcançar este alvo é mais
estreito: a igreja. Se o alvo da mira de Deus é o universo,
certamente, a partir do NT, a espingarda carregada é a igreja, assim
como foi Israel no AT. Embora a igreja continue sendo o centro do
plano de Deus, não é, de maneira alguma, sua totalidade, seu limite
e sua circunscrição.
A esfera da preocupação de Deus é
universal. Por isso, disse Jesus: "... toda autoridade me foi
dada no céu e na terra" (Mt 28.18). O mesmo Deus que tudo
criou, sobre tudo possui toda autoridade (Cl 1.16-17) e de tudo
receberá toda a glória e honra, "para que ao nome de Jesus se
dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda
língua confesse que Jesus é Senhor para a glória de Deus Pai (Fp
2.10-11. Aqui, Paulo traduz o termo hebraico Adonai, "Senhor de
tudo", pelo equivalente grego kyrios e aplica-o à pessoa de
Jesus, indicando que este Deus de toda criação, Jeová, é de fato
o próprio Jesus de Nazaré!)
Portanto, quando Jesus disse a seus
discípulos que fossem a todas as nações, a toda criatura e a toda
parte do mundo, ele se baseava no fato de que o mundo todo pertence,
por direito, a Deus, por ser sua criação.
A CRIAÇÃO DO SER HUMANO
O fato de que a preocupação de
Deus é universal confirma-se no relato da criação do ser humano e
no propósito de Deus designado para ele.
"Criou Deus, pois, o homem à
sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E
Deus os abençoou, e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos,
enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as
aves dos céus, e sobre todo animal que rasteja pela terra" (Gn
1.27-28).
Confirmamos que o objeto do domínio
dado à humanidade é o mundo inteiro. Tanto os céus quanto a terra
mais uma vez são mencionados na passagem. Entretanto, a esta altura,
já há outra dimensão relacionada às missões, isto é, o papel do
homem. Sua tarefa será dominar e sujeitar o mundo que Deus criou.
Assim, ele recebe uma certa realeza delegada por Deus. Esta
capacidade aparentemente (segundo a passagem) define a imagem de Deus
no ser humano, a capacidade (e ordem!) de dominar, sujeitar e
ordenar. Assim como Deus domina, governa e reina como Rei, o homem,
sendo seu embaixador e enviado, também deve reinar como um rei sobre
a criação de Deus. Foi com o fim de promover o reino de Deus que ao
homem se imputou a imagem de Deus. É por isso mesmo que, depois da
queda, houve tanta desordem e abuso de domínio do ser humano
afastado de Deus. Somente uma restauração, uma recriação e um
renascimento dos homens e das mulheres, por meio da redenção
conseguida na cruz do Calvário, podem recapacitar o homem a
participar do reino de Deus e a anunciar a todas as nações a
chegada deste glorioso reino.
Portanto, o relato bíblico da
criação já estabelece o palco de missões com escopo e foco
universais. Destaca também o papel do homem como um embaixador que
promove o domínio do Rei-Criador por todo o mundo.
2
A RESPONSABILIDADE
MISSIONÁRIA DE ISRAEL
No primeiro capítulo, destacamos
dois aspectos de missões no relato bíblico da criação. Em
primeiro lugar, observamos, através do relato da criação do mundo,
que nada menos do que o universo inteiro objetiva a preocupação de
Deus com o alvo da redenção, e, como consequência, o mundo é
definido como o palco de missões. Em segundo lugar, observamos,
através do relato da criação do homem, seu papel como
embaixador-missionário, isto é, como representante (rei, com r
minúsculo) de Deus (Rei, com R maiúsculo) e seu enviado (este é o
significado da palavra missionário) para anunciar o reino de Deus e
até participar da ordenação e do domínio deste reinado em todo o
mundo. Reparamos ainda que, depois da queda, esta imagem de Deus no
homem corrompeu-se, restando a salvação de Cristo Jesus a fim de
restaurar o homem ao estado pretendido por Deus desde o início.
Entretanto, pode-se pensar que, se
Deus tem, desde o início, uma preocupação universal, por que o
Antigo Testamento dá tanta ênfase somente a uma nação — Israel?
Vejamos os capítulos 3-12 de
Gênesis. A partir de Adão, o relacionamento entre Deus e o homem
piorou. Neste trecho das Escrituras lemos a respeito de queda e
rebelião. Por fim, Deus diz: "Chega! Vou acabar com toda a raça
humana e começar tudo de novo com uma só família". Deus
efetivamente fez isto, destruindo a humanidade toda com exceção da
família de Noé.
Ora, são fascinantes as palavras de
Deus a Noé e seus filhos, depois do dilúvio: "Sede fecundos,
multiplicai-vos e enchei a terra" (Gn 9.1). O mandamento de
Deus para Adão continua o mesmo para Noé e sua família. Eles
deveriam ser os novos embaixadores-missionários de Deus por todo o
mundo. Enfatizamos, de acordo com Gênesis, que esta aliança se fez
entre Deus, Noé e seus filhos. Somente um dos filhos de Noé, Sem,
seria o antecedente dos povos semitas, como Israel, por exemplo.
Todos os filhos, porém, representavam toda a humanidade de novo.
Infelizmente a história continuou
inalterada. Mais uma vez houve rebelião e tudo piorou e se agravou
até a construção da torre de Babel:
"Ora em toda a terra havia
apenas uma linguagem e uma só maneira de falar. Sucedeu que,
partindo eles do oriente, deram com uma planície na terra de Sinear;
e habitaram ali. E disseram uns aos outros: Vinde, façamos tijolos,
e queimemo-los bem. Os tijolos serviram-lhes de pedra, e o betume, de
argamassa. Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade, e uma
torre cujo topo chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso
nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra" (Gn
11.1-4).
A torre de Babel foi construída
para ser um símbolo de unidade, um lugar onde as pessoas pudessem se
reunir. Buscava-se segurança com essa união, tendo em vista os
perigos desconhecidos da terra despovoada. Eles disseram: "Não
queremos nos espalhar por toda a terra. Não vamos obedecer ao
primeiro mandamento de Deus e espalhar seu domínio por todo o
mundo".
Mas Deus os forçou a isto,
confundindo-lhes as línguas, exigindo, assim, a separação entre
povos e nações. Mais tarde, quando Deus teve um povo remido pelo
sangue de Jesus, ele reverteu o processo de confundir as línguas
para dar expansão à obra missionária da igreja (At 1.8). Ao mesmo
tempo, continuou a permitir a dispersão forçada de seu povo, a fim
de promover seu reino por todo o mundo (At 8.1, 4).
Até este ponto do relato de
Gênesis, vemos como Deus quis usar a humanidade, a fim de promover a
ordem e seu domínio. Observamos que o foco manteve-se universal.
Gênesis 1-11 conta a história do mundo e de toda a humanidade.
A partir do capítulo 12, contudo, e
até o final do Antigo Testamento, a ênfase recai na história não
universal, mas particular do povo de Israel. Esta nação seria o
instrumento de Deus para atingir seu alvo, que continuaria a ser o
mundo todo.
Veremos agora que no período dos
patriarcas, como no dos reis e dos profetas, embora muito se relate
sobre um povo só, Israel, o propósito de Deus alcança todas as
nações.
NO PERÍODO DOS PATRIARCAS
Quando Deus chamou Abraão,
concentrou-se em um só homem, por meio de quem constituiria uma
família e, depois, uma nação, cuja influência atingiria todos os
povos do mundo: "Em ti serão benditas todas as famílias da
terra" (Gn 12.3). Esta passagem chave influenciou todo o resto
da Bíblia!
Abraão tornou-se um grande
missionário. Deus o chamou, e ele respondeu com fé. Deixou sua vida
anterior e iniciou sua peregrinação. Foi chamado pai da fé.
Entretanto, sua fé serviu como meio para alcançar um fim, sendo
este uma missão. A fé sozinha não tem conteúdo. Na vida de
Abraão, a fé lhe foi exigida, porque em sua missão encontrou,
muitas vezes, dificuldades que seriam vencidas apenas pela fé em
Deus, que dá origem à missão.
Este chamado de Abraão repetiu-se
para seus descendentes: "... a tua descendência possuirá a
cidade dos seus inimigos, nela serão benditas todas as nações da
terra" (Gn 22.17-18). Esta "descendência" refere-se a
três entidades. Em primeiro lugar, ao povo de Israel. A missão de
Abraão passou também a seus descendentes, pois o chamado à missão
repetiu-se tanto para Isaque (Gn 26.2-4) quanto para Jacó (Gn
28.13-14) e José (Gn 49.22).
Em segundo lugar, a descendência
refere-se a Jesus. Todas as bênçãos de Deus nos vêm por meio de
Jesus Cristo (Ef 1.3), tanto que Abraão era apenas um tipo de
Cristo, apontando para frente, junto com os profetas e reis, para o
Messias, através de quem Deus cumpriu cabalmente as promessas feitas
a seus tipos.
Em terceiro lugar, assim como o
chamado passou para os descendentes de Abraão, também passou para
os "descendentes" de Jesus, aqueles que renascem em Cristo,
os verdadeiros e atuais descendentes de Abraão (Gl 3.29). Os
cristãos são chamados para serem missionários-embaixadores.
Resumindo: desde o início, o
chamado de Israel como nação foi feito a fim de alcançar todas as
famílias, ou seja, todas as nações da terra. O propósito de Deus
no levantamento de Israel era mostrar ao mundo, mediante sua
história, o caminho da salvação, e assim levar todos os povos a
gozar esta bênção. O foco no mundo uma vez mais se destacou. Esta
ênfase nunca se perdeu no Antigo Testamento, embora, às vezes,
tenha sido obscurecida. A história de Israel é uma história de
missões.
NA HISTÓRIA DE ISRAEL
Na história de Israel, a atuação
de Deus para com seu povo visava a um propósito maior — alcançar
as nações. Por exemplo, após atravessar o Mar Vermelho e o Rio
Jordão, Josué afirmou:
"Porque o Senhor vosso Deus fez
secar as águas do Jordão diante de vós, até que passásseis, como
o Senhor vosso Deus fez ao Mar Vermelho, ao qual secou perante nós,
até que passamos. Para que todos os povos da terra conheçam que a
mão do Senhor é forte: a fim de que temais ao Senhor vosso Deus
todos os dias" (Js 4.23-24).
Os milagres de Deus não objetivavam
algo para Israel, mas eram uma forma de conduzir as nações à
salvação. (Observe-se que "temer", para o hebreu,
significava a aliança que tinha quanto à sua fé, assim como, hoje
em dia, o termo popularmente usado é "religião".)
Davi compreendeu este propósito
maior de Deus, quando se confrontou com Golias:
"Davi, porém, disse ao
filisteu: Tu vens contra mim com espada, e com lança, e com escudo;
eu, porém, vou contra ti em nome do Senhor dos Exércitos, o Deus
dos exércitos de Israel, a quem tens afrontado. Hoje mesmo o Senhor
te entregará na minha mão; ferir-te-ei, tirar-te-ei a cabeça, e os
cadáveres do arraial dos filisteus darei hoje mesmo às aves dos
céus e às bestas-feras da terra; e toda a terra saberá que há
Deus em Israel" (l Sm 17.45-46).
Esta consciência missionária de
Davi chegou a marcar significativamente seus salmos:
"Aclamai a Deus, toda a
terra... prostra-se toda a terra perante ti... os seus olhos vigiam
as noções... bendizei, ó povos, o nosso Deus" (66.1, 4, 7,
8).
"E todos os reis se prostrem
perante ele; todas as nações o sirvam... nele sejam abençoados
todos os homens, e as nações lhe chamem bem-aventurado"
(72.11, 17).
"Todas as nações que fizeste
virão, prostrar-se-ão diante de ti, senhor, e glorificarão o teu
nome" (86.9).
"Anunciai entre as nações a
sua glória, entre todos os povos as suas maravilhas" (96.3).
"O Senhor fez notória a sua
salvação; manifestou a sua justiça perante os olhos das nações...
celebrai com júbilo ao Senhor, todos os confins da terra"
(98.2, 4).
"Louvai ao Senhor vós todos os
gentios, louvai-o todos os povos" (117.1).
Esta visão missionária também foi
evidenciada pelo filho de Davi, Salomão, quando dedicou o templo a
Deus, orando:
"... ouve tu nos céus, lugar
da tua habitação, e faze tudo o que o estrangeiro te pedir, a fim
de que todos os povos da terra conheçam o teu nome, para te temerem
como o teu povo Israel, e para saberem que esta casa, que eu
edifiquei, é chamada pelo teu nome" (l Rs 8.43; ver também Is
56.6-8).
NOS PROFETAS
Os profetas chamavam o povo de
Israel para voltar a essa visão universal de Deus, pois Israel
tendia a ter uma perspectiva nacional e exclusivista. Jeová seria o
Deus da salvação de todos: "Olhai para mim, e sede salvos,
vós, todos os termos da terra" (Is 45.22); "diante de mim
se dobrará todo joelho" (Is 45.23). O profeta Sofonias
reconhecia esta perspectiva: "Então darei lábios puros aos
povos, para que todos invoquem o nome do Senhor, e o sirvam de comum
acordo". Assim também Malaquias: "Mas desde o nascente do
sol até o poente é grande entre as nações o meu nome..." (Ml
1.11). Aos estrangeiros é dado o título "povo de Deus"
(Os 2.23). O anúncio do Messias que vem tem caráter universal,
concretizando a promessa de Deus a Abraão de abençoar todas as
nações e cumprindo a responsabilidade dada ao homem de dominar a
terra.
"Ele anunciará paz às nações;
o seu domínio se estenderá de mar a mar, e desde o Eufrates até as
extremidades da terra" (Zc 9.10).
Assim, conforme o Antigo Testamento,
desde a criação do mundo, alcançando a história de Israel e as
profecias dos antigos profetas, Deus tem preparado seu povo para a
grande missão de levar seu domínio a todo canto e a todos os povos
da terra. Estejamos preparados dispostos!
3
A PERSPECTIVA DE MISSÕES NO
MINISTÉRIO DE JESUS
Nos últimos capítulos, confirmamos
que o mandato missionário baseia-se no Antigo Testamento, como um
fio que entrelaça toda a história de Israel. O escopo de missões
sempre foi e sempre será universal, já que procura anunciar e
promover o reino de Deus por todo o mundo. Na própria história de
Israel, a mão forte e poderosa de Deus se estendeu ao povo, não
somente para seu benefício, mas também como testemunho às nações,
a fim de levá-las a conhecerem o Senhor dos Exércitos.
No Novo Testamento, essa preocupação
universal de Deus intensifica-se a partir do ministério de Jesus. O
Evangelho Segundo Lucas, mais que todos os outros, enfatiza o
significado universal da vinda de Jesus. Dos quatro evangelhos,
apenas Mateus e Lucas traçam a ascendência de Jesus através de sua
genealogia. Mateus começa a partir de Abraão a fim de destacar aos
leitores judeus e aos gentios, inquisidores da fé judaica, que
Jesus, sendo filho de Abraão, é o Rei prometido de Israel. Lucas,
entretanto, começa a genealogia de Jesus a partir de Adão,
destacando-o como filho do pai de toda a humanidade. Assim, Jesus
identifica-se com o plano mestre e universal de Deus na história da
criação, ou seja, ter domínio sobre todas as coisas e não somente
sobre Israel. Em Lucas vemos Cristo como o missionário de Deus,
enquanto em Mateus ele é visto mais como o Messias prometido de
Israel.
Lucas enfatiza o significado do
ministério de Jesus, tanto em termos geográficos quanto em termos
sociais e culturais. Consideremos estes três aspectos de seu
ministério.
ROMPENDO AS BARREIRAS GEOGRÁFICAS
Em Lucas 4, Jesus estava em
Cafarnaum, onde centralizou seu ministério no início. Foi lá que
ele começou a pregar, ensinar e curar com autoridade. Foi até a
casa de Simão e curou sua sogra. Nas altas horas da noite, o povo
lhe trazia os doentes, e ele os curava, devendo ter ficado um tanto
sobrecarregado com este ministério, pois lemos: "Sendo dia,
saiu e foi para um lugar deserto; as multidões o procuravam e foram
até junto dele, e instavam para que não os deixasse" (Lc
4.42).
Aparentemente, o povo percebia que
Jesus estava prestes a deixá-lo, e isto quando ele mal começara seu
ministério lá! Imagine a reação das pessoas — angustiadas como
se tivessem estado na fila do INPS durante a noite toda e, de
repente, o médico de plantão tivesse saído de férias.
"Espere aí! Não diga que já
vai! O Senhor apenas começou seu ministério aqui. Esta cidade está
cheia de corrupção e pobreza, pecado e doença. O Senhor ainda não
pode nos deixar!"
Qual foi a resposta de Jesus?
"É necessário que eu anuncie
o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para
isso é que fui enviado."
O evangelho deve se espalhar. Não
pode ficar parado em lugar algum! Já que o evangelho é do reino,
isto tem dimensões as mais amplas e universais possíveis. Fica,
portanto, implícita sua divulgação por toda parte, atravessando
todas as barreiras geográficas. Tem que estar sempre em movimento,
até que todos recebam as boas novas. O ministério de Jesus
demonstra uma preocupação missionária que cruza as fronteiras
geográficas, convocando a todos em todos os lugares a assumirem a
vida do reino.
ROMPENDO AS BARREIRAS SOCIAIS
A missão de Jesus, contudo, não se
resumiu a cruzar barreiras geográficas. Jesus também rompeu
barreiras sociais, pois ministrou a grupos sociais outrora
negligenciados.
Por exemplo, observamos que três
vezes Jesus foi à casa de um fariseu para jantar (Lc 7.36; 11.37;
14.1). Ele, portanto, não deixou de ministrar até mesmo à classe
religiosa que mais se opunha a ele. Em outra ocasião, uma mulher
pecadora ungiu os pés de Jesus com perfume (Lc 7.36-50). Jesus não
se preocupava com o estigma social que poderia receber por causa de
sua simpatia e disponibilidade para ministrar a todos igualmente,
tanto àqueles que deveriam ser seus maiores inimigos quanto aos que
poderiam causar o maior escândalo para seu ministério. Aliás, pelo
menos segundo Lucas, havia, aparentemente, até uma ênfase — se
não preferência — neste tipo de gente, embora Jesus também tenha
atendido à alta classe de líderes religiosos. Ele ministrou ao
desterrado, ao aflito e ao pecador.
Até os publicamos foram objetos de
seu amor e atenção. Eles eram as pessoas mais odiadas pelo povo,
consideradas exploradoras, em virtude dos altos impostos que
cobravam, e traidoras, por ajudarem a enriquecer o Estado romano.
Jesus, apesar deste forte preconceito social, foi jantar na casa de
Levi (Lc 5.27-32). Mais ainda, ele se convidou à casa de Zaqueu,
outro coletor de impostos (Lc 19.1-10). Dessa forma, Jesus demonstrou
concretamente que sua missão implicava em cruzar todas as barreiras
sociais, dando atenção especial para os grupos mais rejeitados da
sociedade.
Por isso mesmo, Lucas revela
enfaticamente o alcance que Jesus teve entre os pobres e oprimidos,
desde o princípio de seu ministério: ele veio para evangelizar os
pobres, libertar os cativos e oprimidos e restaurar a vista aos cegos
(Lc 4.18). Nas bem-aventuranças pregadas na planície, o contraste
proposital entre a pobreza e a riqueza exemplifica esta preocupação
especial de Jesus com os pobres, famintos, desesperados e oprimidos.
Exemplifica-se também nas ilustrações dos dois devedores (Lc
7.41-43; observe a quem Jesus mais ama), do amigo da meia-noite (Lc
11.5-8), do rico e seus celeiros (Lc 12.13-21, veja o último
versículo), da moeda perdida (Lc 15.8-10), do administrador esperto
(Lc 16.1-13; repare novamente o último versículo) e do juiz iníquo
e a viúva (Lc 18.1-8).
Achamos necessário dar duas
explicações a esta altura de nossa abordagem do ministério de
Jesus. Em primeiro lugar, quando afirmamos sua preocupação com os
pobres e oprimidos, não temos por base nem estamos propagando
qualquer teologia contemporânea de libertação. Pretendemos apenas
obter uma rigorosa, não obstante abreviada, base com interpretação
bíblica coerente (julgue você mesmo!). Em segundo lugar, bem
sabemos que muito se tem falado sobre uma opção preferencial pêlos
pobres. Afirmo que a própria evidência bíblica leva a esta
conclusão. Se não, Jesus poderia dizer: "O Espírito do Senhor
está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os ricos..."
ou, ainda mais, "bem-aven-turados os ricos...", e Paulo
poderia descrever a composição da igreja coríntia como sendo
de "não muitos analfabetos, nem muitos oprimidos, nem muitos de
nascimento humilde" (l Co 1.26).
Portanto, para o intérprete
espiritual, digo que há sim certa preferência bíblica pelo pobre e
oprimido. Não é por acaso que nenhum dos textos citados descreve o
pobre como alguém que não seja social e economicamente pobre.
Por outro lado, para o intérprete liberacionista em termos apenas
sócio-políticos, digo que essa preocupação com o pobre não
existe por causa da pobreza em si, mas sempre em relação à
justiça e à glória de Deus. O pobre é preferencialmente
bem-aventurado porque ele não tem de quem depender para defendê-lo,
a não ser o próprio Deus, se deste, de fato, ele depende. Assim, o
pobre bem-aventurado é uma pessoa política e economicamente pobre.
Mas, é um pobre não só injustiçado pelos homens como também
justo diante de Deus. Esta ideia do pobre injustiçado e também
justo deriva da palavra áni, no Antigo Testamento, que se traduz
tanto como "pobre" quanto como "humilde" e também
"piedoso" (Am 2.6 e Is 2.6-12). Portanto, a postura do
pobre dificilmente é conhecida pelo rico, e a sua posição diante
de Deus tem preferência pela maior propensão à dependência
dele, a qual, assim, vai além de dimensões espirituais, emocionais
e de relacionamentos, incluindo também as crises cotidianas,
financeiras, profissionais e até políticas, crises estas que o rico
enfrenta bem menos. Entretanto, quando o rico consegue assumir essa
mesma postura (não é este o sentido da exortação ao jovem rico,
em Lc 18.18-23?), pode também gozar a bênção de Deus (como no
caso da bem-aventurança para o "humilde" ou "pobre de
espírito", em Mt 5.3). Detivemo-nos nessa questão pela
necessidade de esclarecimento bíblico e por ser tão pertinente no
Brasil, cuja população, em grande parte, é pobre (e cada vez mais,
proporcionalmente!).
Decerto ele ministrou também aos
ricos, pois, provavelmente, Zaqueu e José de Arimatéia tinham
bons recursos financeiros. (Todavia, a forma de dirigirem suas
riquezas tinha de mudar diante do compromisso com Jesus!) Assim,
reparemos que, se Jesus fez uma opção preferencial pelos pobres,
certamente esta opção não era exclusiva. O essencial era um
compromisso com o Senhor, não deixando isto de ter
manifestações concretas na vida de devoção e também nas relações
humanas.
Outro grupo desprezado pela
sociedade, que recebeu a atenção e a preocupação de Jesus,
foi o das mulheres. Lucas faz menção desta dimensão do ministério
de Cristo quarenta e três vezes, enquanto Marcos e Mateus juntos a
fazem apenas quarenta e nove vezes. Além disso, Lucas dá ênfase
especial ao fato de os primeiros missionários (quem testifica da
ressurreição de Jesus) serem todas mulheres (23.55-24.12). Num
mundo onde o papel da mulher não possuía prestígio nenhum, este
fato é significativo e revelador. Além disso, só Lucas destaca as
mulheres que acompanhavam e sustentavam nosso Senhor em sua missão
(8.1-3).
A soma destas observações assinala
convincentemente que o ministério de Jesus rompeu barreiras
sociais. Sua missão atingiu todos os grupos sociais, especialmente
os mais desprezados e oprimidos. Neste sentido, tendemos a
esquecer o modelo de Jesus e nos acomodar à mobilidade ascendente
que nossa fé propicia. Não que a ascendência seja negativa,
mas apenas a acomodação e injustiças cometidas contra os outros
(não é este o sentido da Parábola do Rico e Lázaro? Lc 16.19-31).
ROMPENDO AS BARREIRAS
CULTURAIS E RELIGIOSAS
CULTURAIS E RELIGIOSAS
Jesus alcançou até os samaritanos,
aqueles meio-judeus desprezados e marginalizados pelos judeus. Mas
não só os alcançou como também fez deles heróis quando contou a
história do bom samaritano (Lc 10.29-37). Imagine o aborrecimento
dos fariseus quando ouviram essa história! Interessante é que, dos
dez leprosos que Jesus curou, o único que voltou para agradecer era
samaritano (Lc 17.11-19).
Outro escândalo cultural e
religioso que Jesus causou foi seu tratamento para com o
centurião romano. Os judeus colocavam os gentios fora da esfera do
amor e atividade de Deus (a não ser que se tornassem judeus).
Contudo, quando esse soldado romano, que mantinha a lei e a ordem na
região, pediu que Jesus curasse seu servo, confiando apenas na
palavra afirmativa de fazê-lo, Jesus afirmou: "... nem mesmo em
Israel achei fé como esta" (Lc 7.9).
RESUMO
Jesus, sendo filho de Adão (que
significa "homem"), cumpre a imagem de Deus no homem Adão,
realizando o domínio de Deus e rompendo todas as barreiras que
limitam esse domínio, geográficas, sociais e culturais. Desta
forma, o plano divino e salvador continua, sendo Jesus nosso
precursor, modelo, autoridade e poder. É um plano para o universo
que temos de cumprir. O peso de nossa responsabilidade no cumprimento
da missão de Deus aparece bem nítido, quando Jesus diz: "Vós
sois testemunhas destas coisas" (Lc 24.48).
A mesma passagem define este
evangelho como tendo no centro a morte e a ressurreição de Jesus. A
fé baseia-se num evento concreto de nossa história. Não é o
misticismo das religiões orientais nem a magia das religiões
animistas nem a força mental das crenças do alto espiritismo. Nossa
fé surge da atuação concreta de Deus em nossa história e resulta
na transformação integral do homem em todos os seus
relacionamentos.
O evangelho também exige o
arrependimento como pré-requisito para a entrada no reino e anuncia
o perdão como promessa e dom de seu ingresso.
Onde ele deve ser pregado? — "a
todas as nações" (Lc 24.47). Assim como, no início de seu
ministério, Jesus não foi detido ou atrasado por barreiras
geográficas, mas teve de ir às outras cidades, semelhantemente, no
final desse ministério, ele exorta seus discípulos a irem a todas
as nações. Esta exortação nos pertence hoje. A responsabilidade é
nossa. Esperemos apenas até que do alto sejamos revestidos do poder
(Lc 24.49).
Em síntese, Lucas fornece ampla
base para a obra missionária, por meio do modelo do ministério de
Jesus. Aliás, nestes estudos, temos destacado que as Escrituras
todas fornecem o extenso alicerce que apoia e prepara, pela
elucidação desta obra, a grande comissão. A obra missionária da
igreja não é uma pirâmide feita de cabeça para baixo, com seu
vértice num texto isolado do Novo Testamento, onde elaboramos uma
grande estrutura conhecida como "missões". Ao contrário,
a obra missionária é uma pirâmide de cabeça para cima, com sua
base estendendo-se de Gênesis l até Apocalipse 22. Toda a Escritura
forma, então, o alicerce para que o evangelho alcance o mundo todo.
A grande comissão seria assim a maior explicação desta obra e
poderia ser considerada o ápice da revelação divina quanto a ela,
visando o lançamento da igreja nesta missão. Salientamos que a obra
missionária não parte só de um texto bíblico, senão da Bíblia
toda.
Além disso, observemos que a
dimensão da grande comissão é tão extensa quanto a humanidade,
isto é, abarca todas as áreas geográficas, classes sociais e
culturas.
Finalmente, a responsabilidade está
sobre nossos ombros. "Vós sois testemunhas destas coisas"
é uma afirmação que inclui todos os cristãos. É nossa
responsabilidade levar o evangelho a todas as nações. Se não o
fizermos, deixaremos até de ser igreja, pois este envio para o mundo
faz parte de sua essência.
4
MISSÕES NO MINISTÉRIO DO ESPÍRITO
POR MEIO DA IGREJA
No capítulo anterior discutimos o
ministério de Jesus como modelo para missões. Fizemos isto através
do Evangelho de Lucas. Neste estudo queremos continuar nosso exame de
Lucas, mas utilizando seu segundo livro — Atos dos Apóstolos.
Enquanto o primeiro focaliza o ministério de Jesus em nossa
história, o segundo centraliza-se no ministério do Jesus
ressurreto, atuando por meio do Espírito Santo na igreja. No final
do primeiro volume, Jesus exortou seus discípulos a que esperassem
pelo poder do alto, o poder do Espírito Santo. No início do
segundo, eles o recebem, e a expansão missionária da igreja começa.
Não podemos subestimar a
necessidade do poder do Espírito Santo na realização da grande
comissão. Harry Boer, em seu livro Pentecost and Missions
("Pentecoste e Missões"), argumenta bíblica e
irrefutavelmente que a vinda do Espírito Santo — a experiência do
Pentecoste — dá vida e sentido à grande comissão, tanto que
esta, sem o Pentecoste, não teria poder algum nem poderia ser
cumprida. Sim, a vinda do Espírito possibilita a realização do
mandamento. É uma experiência animadora ver homens e mulheres
responderem a esse mandamento com oração e, revestidos do
poder do alto, pregarem o evangelho porque tiveram um encontro
inesquecível com o Senhor. Mesmo não entendendo perfeitamente
a grande comissão, pregam com convicção e resultados, pois, quando
o Espírito se apodera deles, há um impulso irresistível de
testemunhar.
Acredito que exista força satânica
por trás do medo do poder do Espírito Santo em muitas igrejas
tradicionais hoje. É claro que, algumas vezes, o medo baseia-se nos
abusos que vemos ao nosso redor. Entretanto, mais frequentemente, é
medo daquilo que o Espírito fará e exigirá de nós. A este
respeito, Richard Lovelace observa em seu livro Dynamics of Spiritual
Life ("A Dinâmica da Vida Espiritual"):
"Há uma estranha incapacidade
entre os cristãos modernos de levar a sério essa informação
(sobre a realidade de Satanás) e até uma insegurança nos
evangélicos (conservadores) em dar muita atenção a isto. Sugiro
que esta relutância exista não porque o assunto seja trivial,
mórbido ou perigoso, mas porque estas forças têm acesso às nossas
mentes e são aptas para nos cegar em relação à sua presença e
esconder o evangelho do mundo. O inferno é uma conspiração, e o
primeiro pré-requisito de uma conspiração é que ela permaneça
clandestina".
Por que Satanás criaria em nós
esse medo da atuação do Espírito de Deus e a dúvida da presença
e do poder do próprio inimigo? Porque assim ele pode cortar o nervo
principal do cumprimento de missões (quando se recua do poder do
Espírito) e, ao mesmo tempo, esconder seu próprio papel
conspirador.
O ESPÍRITO SANTO COMO AUTOR E
REALIZADOR DE MISSÕES
A igreja, então, necessita do poder
de Deus para cumprir sua missão, pois "nossa luta não é
contra o sangue e a carne, e, sim, contra os principados e
potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as
forças espirituais do mal, nas regiões celestes" (Ef 6.12).
Portanto, o pré-requisito para o cumprimento da tarefa missionária
é o poder do Espírito Santo (At 1.8). Precisamos de um poder
sobrenatural para lutar contra um inimigo sobrenatural. Com a vinda
do Espírito, a igreja compreendeu as palavras de Jesus: "Em
verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim, fará também
as obras que eu faço, e outras maiores fará, porque eu vou para
junto do Pai" (Jo 14.12). No discurso que contém esse
versículo, o Espírito Santo é central (Jo 14.16), e os discípulos
devem esperá-lo, tendo já recebido a grande comissão. O Espírito,
portanto, é o autor de missões, pois a obra parte de sua
capacitação.
Ele não é apenas o autor, mas
também o realizador de missões. Com sua vinda sobre os primeiros
discípulos houve o sinal sobrenatural de "línguas", que
indicava claramente que o evangelho deveria ser pregado a todas as
raças e nações. Podemos dizer que o Espírito garante o sucesso
missionário no mundo.
O ESPÍRITO COMO PROMOTOR DE MISSÕES
O Espírito Santo está por trás de
todos os acontecimentos em Atos. Ele é quem atuava quando:
- a igreja se iniciou com 3.000 e depois 5.000 convertidos (2.41, 4.4);
- Pedro e os outros discípulos testemunharam ousadamente frente à perseguição (3.11-26);
- os primeiros seguidores venceram o egoísmo e deram liberalmente à obra do Senhor (4.32-37);
- morreu o primeiro mártir, mostrando vitória gloriosa sobre a perseguição e vingança (6.8-7.60);
- o evangelho da salvação alcançou o primeiro lar gentio (11.12);
- a mensagem de perdão espalhou-se pela Etiópia e África (8.27-29);
- as igrejas na Judéia, Galiléia e Samaria vieram a se estabelecer firmemente (9.31);
- a maravilhosa igreja missionária de Antioquia começou a prosperar em preparação para seu envio de missionários (l 1.22-26);
- o amor mútuo das primeiras comunidades cristãs manifestou-se através da coleta incentivada pela profecia de Ágabo (l1.28-29);
- a igreja de Antioquia lançou seu programa missionário (13.2);
- Paulo venceu seu primeiro inimigo, Elimas, em Chipre (13.9);
- os apóstolos alegraram-se na perseguição em Antioquia da Pisídia (13.50-52);
- os apóstolos reconheceram a obra entre os gentios e pronunciaram liberdade da lei para os cristãos gentios (15.28);
- Paulo foi impedido de continuar na Ásia, sendo dirigido à Europa; um marco missionário significante (16.6-10);
- os líderes foram escolhidos para tomar conta da igreja local em Éfeso (20.28).
Assim, o Espírito Santo acompanhava
todos os passos decisivos na expansão missionária da igreja.
O ESPÍRITO COMO PODER PARA MISSÕES
Há uma diferença entre alguém ser
cheio do Espírito Santo e o Espírito ser derramado sobre as
pessoas. O primeiro caso refere-se mais à qualidade, ao caráter
espiritual de alguém e ao poder para servir. O segundo refere-se
mais à introdução decisiva de uma nova era ou do início de um
novo movimento ou expansão.
O Espírito Santo foi derramado
apenas quatro vezes em Atos. Cada uma das conquistas na expansão
missionária foi acompanhada por sinais milagrosos. A primeira vez
foi a vinda do Espírito no Pentecoste (2.1-13); a segunda, quando o
evangelho alcançou a Samaria, a primeira cidade não judia
(8.14-17); a terceira, quando Pedro pregou à primeira família
gentia, a de Cornélio, em Cesaréia (10.44-45) e, finalmente, a
quarta, quando Paulo conseguiu demonstrar a diferença entre o
evangelho de Jesus e a pregação de João Batista (l9. l-6). Todas
as vezes o próprio Espírito Santo marcou, milagrosamente, a
introdução de uma nova fase na tarefa missionária a nós confiada.
O resultado destes despertamentos,
onde o Espírito é derramado sobre as pessoas, é fruto permanente.
Os 3.000 convertidos da pregação de Pedro perseveravam (2.42, veja
11.24)! A história confirma a permanência do fruto destas atuações
excepcionais do Espírito. Por exemplo, durante os primeiros 96 anos
de evangelização na Polinésia ocidental (a partir de 1811), houve
mais de um milhão de conversões. Hoje, esta região possui uma
percentagem de cristãos praticantes maior do que qualquer outra área
comparável no mundo! Nos primeiros 80 anos de trabalho
missionário na Birmânia, uma pessoa a cada três horas, em média,
era batizada, e 10% delas tornaram-se obreiras ativas do Senhor.
Quando o primeiro missionário cristão chegou às ilhas Fiji,
assistiu ao enterro de 80 vítimas de uma festa canibal. Ele viveu,
porém, para ver multidões de convertidos tomando a ceia do Senhor.
Depois de 50 anos, em 1885, havia 1.300 igrejas. Os casos nem sempre
são assim. Não seria justo, por exemplo, comparar o resultado nos
países muçulmanos. Apenas enfatizamos que, quando o Espírito é
derramado sobre as pessoas, há fruto permanente.
O ESPÍRITO SANTO COMO ESTRATEGISTA
DE MISSÕES
Em Atos l.8 encontramos uma
estratégia geral que, de fato, corresponde ao desdobramento da
expansão missionária da igreja. Isto é, começa em Jerusalém, o
lar dos primeiros discípulos; penetra a Judéia, lugar árido e
difícil para a evangelização, embora geografïcamente próximo a
Jerusalém; encontra o primeiro desafio cultural em Samaria, em
preparação final para os confins da terra. Desta maneira,
aprendemos que a expansão missionária e geográfica é cada vez
mais abrangente, tendo uma penetração cada vez maior.
Em Atos, encontramos também uma
estratégia urbana. As cidades chaves devem ser alcançadas. A
ideia de missões urbanas, então, não é uma novidade. Felipe foi
dirigido à Samaria, Pedro a Cesaréia e Paulo às cidades chaves do
Oriente Próximo e Europa. Diante da marcante urbanização mundial
(população urbana em 1900 = 14%; 40% em 1980 e 50% no ano 2000) e
brasileira (31% em 1940; 68% em 1980, e a ONU prevê que até o ano
2025 entre 80% e 90% da população latino-americana será urbana!),
a tarefa missionária não pode ser ingênua. Na década de 80,
aproximadamente um bilhão de pessoas migraram para os centros
metropolitanos do Terceiro Mundo. Cidades como Bogotá, São
Paulo e a Cidade do México têm um aumento diário de 4.000 a 6.000
habitantes. No Brasil, a migração para os centros urbanos,
especialmente os do litoral, é bem destacada desde o período
colonial. Viana Moog, em seu livro Bandeirantes e Pioneiros,
documenta como sempre houve uma tendência de retorno às grandes
cidades do litoral por maior que fosse a penetração rural e para o
oeste. Tudo isto tem grande importância para missões.
Outra estratégia envolve pessoas e
classes chaves. Quando Paulo foi a Chipre, tratou com o procônsul do
país. Em Atenas (outro centro metropolitano), tratou com os
filósofos, e alguns se converteram, entre os quais um certo Dionísio
(At 17.18, 34). Em Éfeso, trabalhou entre os estudiosos, na escola
de Tirano, durante dois anos. Resultado? Todos os habitantes da Ásia
ouviram a palavra do Senhor, tanto judeus como gregos (At
19.10). Que relatório! Outro exemplo é o de Felipe, que, ao falar
com o eunuco da Etiópia, dirigia-se a um líder do país, sendo este
o primeiro passo do evangelho naquela nação.
Em Atos, notamos uma preocupação
constante de fundar igrejas em áreas ainda não atingidas. Paulo até
fez disso uma regra pessoal (Rm 15.20). Entretanto, atualmente, a
metade da população mundial está na Ásia, onde, embora apenas 5%
professem a fé cristã, somente 5% da força missionária mundial
ministra. Vendo a situação por outro angulo, teremos 99% da força
missionária mundial ministrando entre os 42% da população mundial,
onde já existem igrejas cristãs que podem alcançar os não
cristãos. O outro 1% da força missionária trabalha entre os 58% da
população mundial, onde os não cristãos só podem ser alcançados
por meio do ministério transcultural. Quanto precisamos hoje da
conscientização paulina de ministrar onde Cristo ainda não foi
pregado!
O Espírito Santo dirige as igrejas
recém-fundadas para que sejam igrejas autóctones (At 20.28). O
primeiro passo, e o mais crucial, para se alcançar uma boa medida de
autoctonia é o treinamento de liderança capacitada tanto para a
ofensiva quanto para a defesa da igreja frente aos desafios e ameaças
do mundo (At 20.29-31). Muito se fala hoje de três objetivos
práticos e concretos para se alcançar o alvo de autoctonia:
auto-governo, auto-sustento e auto-propagação; isto é, nenhuma
igreja local (muito menos a denominação) pode ficar satisfeita,
enquanto depender de outra igreja para financiar seus obreiros e
fazer sua evangelização. Por outro lado, isto não quer dizer que
as igrejas não devam ajudar umas às outras, testemunhando juntas na
comunidade. Ajudar e cooperar são coisas não só positivas como
também evangelisticamente essenciais (Jo 17.20-21). Contudo, a
dependência que ultrapassa esses três objetivos faz definhar a
Igreja e prejudica a eficiência e integridade de seu testemunho na
sociedade. Os três objetivos são importantes, mas podemos dizer que
os dois primeiros, em geral, concorrem para o máximo empenho do
terceiro, o alcance evangelístico e missionário de cada comunidade
cristã. Temos destacado em todos esses estudos que esta é a
essência da igreja. A igreja que não é missionária não é igreja
em nenhum sentido bíblico; aliás, logo se torna, ela mesma, um
campo missionário. Ao contrário, um bom exemplo seria a igreja de
Tessalônica, à qual Paulo escreve:
"Porque de vós repercutiu a
palavra do Senhor, não só na Macedônia e Acaia, mas por toda parte
se divulgou a vossa fé para com Deus, a tal ponto de não termos
necessidade de acrescentar coisa alguma..." (l Ts 1.8).
Portanto, as igrejas fundadas em
cada lugar devem ter como alvo a independência, procurando o
desenvolvimento de sua própria liderança, de seu sustento e de
seu programa de evangelização e obra missionária.
Uma qualificação, entretanto, é
necessária quanto a autoctonia. Os três objetivos mencionados acima
não garantem a conquista da autoctonia, embora sejam bons passos
nessa direção. Conheço igrejas que se sustentam, se dirigem e
evangelizam, mas que, mesmo assim, permanecem dependentes de suas
igrejas-mães num sentido mais profundo. Seus conceitos e aplicações
do evangelho dentro de seu ambiente são diretamente determinados
pelas conceituações de sua igreja-mãe, mesmo quando esta, em
grande medida, desconhece o contexto cultural e social da igreja
fundada e é alheia a este. Não estou sugerindo que cada nova igreja
tenha que começar da estaca zero para a elaboração de todas as
suas doutrinas e ideias. Longe disso! Acredito que o Espírito Santo
não morreu depois do Novo Testamento e que através da história
lidera a igreja de Cristo na expressão de sua fé. Contudo, a
aplicação do evangelho em situações culturais, sociais e
históricas pode variar. Os problemas brasileiros não são sempre
iguais aos norte-americanos ou europeus, tampouco os nigerianos ou
indianos. As igrejas-mães podem — e devem — ajudar-nos a
entender aquilo que Deus falou em sua revelação. Contudo, cabe
muito mais às igrejas fundadas sua interpretação e aplicação em
seus próprios contextos. Quando as igrejas fundadas conseguem
assumir seu sacerdócio dos santos e ouvir a voz de Deus, mediante
as Escrituras, para sua própria situação, estão ainda mais no
caminho da autoctonia (e, por exemplo, podem ajudar as igrejas-mães
a contextualizarem melhor o evangelho em suas próprias culturas
também!).
Já mencionamos o papel da união
dos cristãos no sucesso da obra missionária. Resta apenas
ressaltá-la como uma estratégia essencial do Espírito Santo para o
desempenho missionário eficaz. Creio que esta união seja um assunto
um pouco negligenciado, se não desprezado em nosso meio, já que
podemos reconhecer seu significado bíblico para missões sem
praticá-la.
Reparemos que a união dos fiéis
(At 4.24, 32; 2.44, 46) leva a intrepidez diante dos homens (At
4.29-31; 2.37-41) e temor diante de Deus (At 4.31; 2.43). Por
conseguinte, Deus operava milagres por meio do Espírito Santo (At
4.22, 30; 2.43), a igreja evangelizava com resultado (4.29, 31, 33;
2.40, 41, 47) e atendia às necessidades físicas das pessoas
(At 4.32, 34, 35; 2.45). Que receita para a igreja missionária:
união, intrepidez, temor, milagres, evangelização e ação social!
E eu pergunto: quais destes itens não constituem um ponto fraco em
nossas igrejas? Imagine a combinação de todos! Por onde começamos?
Sugiro a união.
A união da igreja não é apenas
algo bonito e romântico que ocorre automática e facilmente. É
preciso esforçar-se para alcançá-la e preservá-la (Ef 4.3). Exige
sacrifício e até certo sofrimento, mas como resultado a união
fornece alimento para o combate pela fé evangélica (Fp 1.27-30).
Implica não só numa união teórica ("nós somos irmãos,
embora não concordemos..."), mas numa unanimidade de
pensamento, amor e humildade (Fp 2.1-4). Só a alcançamos à medida
que seguimos o exemplo de Jesus Cristo (Fp 2.5-11). Sem dúvida, a
união do povo de Deus é uma das estratégias mais críticas na obra
missionária que o Senhor nos deu e que o Espírito Santo viabilizou.
Poderíamos abordar outros aspectos
estratégicos da atuação do Espírito Santo na expansão
missionária da igreja. Talvez aqueles já mencionados incentivem o
caro leitor a pesquisar outros, procurando a direção do Espírito
nessa pesquisa. De nossa parte, queremos apenas acentuar que o
desafio missionário exigia e exige nada menos que o poder do
Espírito Santo. Nada do triunfalismo de planos e esquemas que
dependam da perícia e técnica humanas que ultrapassam a direção
do Espírito, mas somente a humildade e o temor com discernimento e
ação, tomados como fruto da vida dependente do Espírito. Tenhamos
cuidado com nossas ideias "brilhantes" e "seguras",
pois, quando o esforço missionário permanece sob o controle do
Espírito de Deus, ele é o autor, realizador, promotor, a fonte de
poder e o estrategista de missões.
Urge um novo chamado a um
despertamento para dependência total do Espírito Santo, sem medo da
maneira como seremos entendidos e vistos. Urge a busca diligente
da plenitude do Espírito de Deus em nossa vida pessoal, igrejas,
agências e juntas missionárias. Então haverá um verdadeiro
despertamento missionário!
5
PAULO E MISSÕES
As igrejas da África, Ásia e
América Latina estão passando por um despertamento em relação a
seu desempenho na evangelização mundial. Depois de um século de
tremendo impulso evangelístico promovido entre estes povos, ora
pelos habitantes naturais do lugar, ora pela assistência de
missionários estrangeiros, nos últimos anos estas igrejas estão
reconhecendo que o propósito de Deus não é que elas apenas recebam
missionários, mas que também os enviem. Por certo, as igrejas na
América do Norte e na Europa aprenderão e se beneficiarão com
novos modelos e ênfases missionárias que suas igrejas irmãs estão
empregando em obediência à direção do Espírito Santo na
missão de Deus.
Segundo Larry Patê (From Every
People, 1989), até o ano 2.000, as agências missionárias do
Terceiro Mundo deverão enviar 162.000 missionários. Comparados aos
136.000 que deverão ser enviados pelas agências missionárias
protestantes do Primeiro Mundo (Europa, América do Norte, Austrália
e Nova Zelândia), a influência deles já se tornou uma força muito
significativa na evangelização mundial.
Já existem centros de treinamento
missionário na Coréia, Índia, Costa Rica, Singapura, Peru e
Brasil. Há inúmeras conferências missionárias regionais (só para
mencionar alguns grupos: VINDE [Visão Nacional de Evangelização],
Visão Mundial, SEPAL [Serviço de Evangelização para a América
Latina], Instituto Haggai, Missão Antioquia, CEM [Centro Evangélico
de Missões] e cada vez mais igrejas locais, incluindo a Primeira
Igreja Batista em Santo André e a Igreja Batista do Morumbi, em São
Paulo). Por isso, digo que estamos passando por um despertamento
nesta área, o que é muito animador. Sigamos a direção de Deus!
Por outro lado, há muita confusão
sobre missões, tanto no nível popular, quanto no acadêmico.
Algumas questões, às vezes fundamentais, continuam de lado na hora
do debate:
- Ir ou ficar; qual é nosso critério?
- O que é um missionário?
- O que são missões?
- Não há bastante a fazer no Brasil?
- Até que ponto devemos ou não usar modelos "importados"?
Não penso que possamos resolver de
uma vez estas questões que a igreja ao redor do mundo debate há
séculos, mas discutí-las certamente faz parte da tarefa da igreja
brasileira em sua busca de fidelidade e autenticidade à missão de
Deus. Aqui, posso apenas traçar e sugerir algumas ideias. Em última
análise, somente nos arraigando às Escrituras encontraremos
respostas ou indicações que nos orientarão nesta obra tão
importante.
Sugerimos Romanos 15.14-21 como uma
passagem que nos dá tais perspectivas na vida e no ministério de
Paulo. É bom lembrar que Paulo a escreveu quase no fim de sua
carreira missionária e que a carta toda é uma análise das
polêmicas missionárias que ele enfrentou. Nesta passagem, em poucas
palavras, Paulo resume sua experiência missionária até aquela
altura.
O AGENTE MISSIONÁRIO: O MELHOR, MAS
AO MESMO TEMPO, UM SERVO
Nesta passagem, o agente missionário
é o apóstolo Paulo (ou, em última análise, o próprio Deus — v.
15). Embora, logicamente, Paulo mesmo não diga aqui que ele
representa o melhor da liderança da igreja, sabemos disso pelo
testemunho de Lucas. Paulo já tivera seu ministério aprovado como
um dos mestres e profetas em uma igreja local altamente comprometida
com missões — a igreja de Antioquia (At 13.1-3). Que contraste com
alguns missionários de menor preparo e talento que, como
consequência, em quase todos os sentidos, recebem apoio
inferior ao apoio dado ao pastorado! O trabalho missionário exige o
melhor da liderança de nossas igrejas.
Ao mesmo tempo, representando o
melhor da liderança, o agente missionário entende seu papel não
como superior, mas como servo. Paulo, em sua missão entre os
gentios, considera-se ministro (leitourgos) ou servo (v. 16) que, à
semelhança dos sacerdotes, apresenta uma oferta no altar de
Deus. Neste caso, a oferta é a obediência dos gentios a Deus (v.
18). A missão de Paulo é um culto prestado ao Senhor para sua
aceitação e santificação. Não há lugar, na presença do
Altíssimo, para atitudes de superioridade ou domínio missionário.
O melhor líder possui uma atitude
de servo e entende seu serviço missionário como culto e sacrifício
prestados a Deus.
O OBJETIVO MISSIONÁRIO: A
OBEDIÊNCIA
Paulo descreve o objetivo de seu
trabalho missionário com a expressão "conduzir os gentios
à obediência" (v. 18). Isto é muito mais do que uma decisão
inicial de "aceitar a Cristo". Inclui o discipulado da
igreja até o ponto de obediência por fé (16.26).
Alguns fazem separação entre
"conversão" e "discipulado", sendo o primeiro
elemento tarefa de "missões" e o segundo, da "edificação
da igreja". Paulo não fazia tal distinção. Seu objetivo não
era levar as pessoas a uma decisão inicial, mas conduzí-las à
obediência. Não é este também o objetivo da grande comissão, em
Mateus 28.18-20?
OS INSTRUMENTOS DO TRABALHO
MISSIONÁRIO:
DECLARAÇÃO E DEMONSTRAÇÃO
DECLARAÇÃO E DEMONSTRAÇÃO
Como Paulo realizou seu trabalho
missionário? No final do v. 18, ele diz literalmente: "... por
palavra e por obras". É evidente que Paulo não estabelecia
prioridade entre a proclamação do evangelho e sua demonstração
por obras. As duas coisas faziam parte integral e inseparável de sua
maneira de testemunhar.
O OBJETO MISSIONÁRIO: AS NAÇÕES
Tanto "gentios" quanto
"nações" traduzem uma única palavra grega, ethnos. A
ideia de ethnos está muito mais próxima da ideia de povos ou grupos
étnicos do que países. O objeto com o qual as missões lidam são
as diversas etnias. Paulo teve ideia semelhante, e isto se percebe
pelo fato de ele ter atuado dentro dos limites de um só governo, o
Império Romano, enquanto fazia distinção entre os povos deste
império.
Há quarenta anos, alguns líderes
eclesiásticos achavam que quase já havíamos evangelizado o mundo,
pois apenas quatro países ainda não tinham uma igreja cristã —
Nepal, Tibete, Afeganistão e Bangladcsh. Mas aquela observação
falhava por entender mal ethnos como país em vez de etnia.
Por isso se fala muito em missões
transculturais, em vez de missões estrangeiras, pois as missões não
lidam com nações como países, mas como etnias.
A ESTRATÉGIA MISSIONÁRIA: OS
NÃO-ALCANÇADOS
Veja bem o lema de Paulo: não onde
Cristo já fora anunciado (v. 20). Paulo dava prioridade para os
povos que não haviam recebido o anúncio do evangelho. Sua
estratégia de trabalho não era tanto geográfica quanto humana ou
cultural, no sentido de etnias. Mesmo existindo igrejas fortes numa
determinada região geográfica, Paulo "cumpria" o
evangelho (tradução literal de "divulgar o evangelho" no
v. 19), atingindo lugares onde existiam povos ainda não-alcançados.
Hoje, nosso lema não deveria ser
"uma igreja em cada região", mas "uma igreja entre
cada povo".
O DESEMPENHO MISSIONÁRIO:
TUDO DE NÓS, TUDO DE DEUS
Paulo enfatizava a necessidade de
todo esforço e resolução para o desempenho de seu serviço. Era
seu dever ou encargo (v. 16), seu serviço ou ministério (v. 16),
sua ambição e edificação (v. 20), realizados por suas palavras e
obras (v. 18). Contudo, este serviço não se resumia a mero esforço
humano. O apóstolo afirmou que o poder do Espírito saturava cada
etapa (v. 19) e que era Cristo o realizador da obra (v. 18).
Com tal perspectiva, não temos base
para a afirmação falsamente "teológica" de que só Deus
faz a obra nem para a afirmação falsamente "prática" de
que apenas nossas estratégias e esforços realizarão a obra. De
novo, o que Deus ajuntou, não o separe o homem! Veja a colocação
de Paulo em outro lugar: "... para isso é que também eu me
afadigo, esforçando-m e o mais possível, segundo a sua eficácia
que opera eficientemente em mim" (Cl 1.29).
O APOIO MISSIONÁRIO: A IGREJA LOCAL
Ao escrever esta carta, Paulo está
cultivando um relacionamento com a igreja de Roma (fundada por
outrem) com o objetivo de torná-la sua segunda base missionária
para a evangelização da região entre a capital do império e a
Espanha (15.23-24).
A igreja de Antioquia já fora sua
primeira base para a evangelização da região entre Jerusalém e o
Ilírico (v. 19), e agora Paulo quer ligação semelhante com a
igreja de Roma. É importante ressaltar este ponto, pois, hoje, há
muitas organizações missionárias que não procuram uma ligação
com as igrejas locais. Não quero dizer que a única organização
missionária legítima seja a junta denominacional. Aliás, esta
também, frequentemente, não possui uma boa ligação com as igrejas
locais!
Tanto as circunstâncias históricas
quanto os dados bíblicos não permitem, a meu ver, uma analogia
entre a organização missionária flexível e móvel de Paulo com as
juntas denominacionais ou com as agências missionárias
independentes. Não podemos deduzir isto. Contudo, é possível
concluir que Paulo via a importância de ligar seu ministério
missionário à igreja local, mesmo quando esta não era fundada por
ele. A obra missionária foi estabelecida por Deus, que vocaciona
indivíduos no contexto do testemunho da igreja toda. Um trabalho
desse tamanho necessita de apoio e direção da igreja.
A RAZÃO MISSIONÁRIA:
QUE TODOS OUÇAM ANTES DO FIM
Paulo inicia e conclui esta passagem
com citações do Antigo Testamento que prevêem a entrada futura de
muitos povos no reino de Deus (w. 9-12, 21). Ele tem consciência de
que estas referências estão sendo cumpridas em seu próprio
ministério, mas, ao mesmo tempo, reconhece nossa necessidade de
esperança na realização final (v. 13). Como Jesus mesmo afirmou, o
evangelho deve ser anunciado até o fim (Mc 13.10; Mt 24.14). Esta é
a razão missionária da igreja, a pregação do evangelho a todos,
antes da chegada do juiz (2 Pe 3.9). A convicção de que Cristo
voltaria e a necessidade subseqüente de anunciá-lo a quem ainda não
ouvira eram motivações para Paulo, como devem ser hoje para nós,
no desempenho da missão de Deus. Sejamos fiéis à sua missão.
6
A VOLTA DE JESUS E
A URGÊNCIA MISSIONÁRIA
Grande parte dos ensinos de Jesus
trata do reino de Deus. O assunto marcou o ministério de Jesus do
início (Mc l. 15) ao fim (At l .3). As parábolas, sua maneira
popular de ensinar, focalizam tanto o assunto que, frequentemente,
são chamadas de "parábolas do reino". De fato, nos
evangelhos há mais de 70 referências de Jesus ao reino.
Já vimos, logo no início deste
estudo sobre missões, que a ideia tem muito a ver com a imagem de
Deus no homem, isto é, sua capacidade de reinar, dominar e ordenar a
criação de Deus. Isto tem a ver com missões: espalhar o domínio e
a ordem de Deus por todo o mundo.
O ensino de Jesus sobre o reino
também tem a ver com missões, pois foi justamente este assunto que
ele abordou com os discípulos no período entre a ressurreição e a
ascensão, preparando-os para o Pentecoste e a explosiva expansão
missionária da Igreja. Durante quarenta dias nosso Senhor, já
ressurreto, ministrou um "curso intensivo de missões" a
seus discípulos. O tópico? O reino de Deus!
Por isso, o assunto é de muitíssima
importância para missões. O reino de Deus possui dois aspectos
temporais. Por um lado, já está presente, pois o próprio
ministério de Jesus, em sua primeira vinda, o inaugurou (Lc 11.20;
Mt 12.28). Por outro lado, seu cumprimento ainda não se deu, porque
aguarda a volta de Jesus (Mt 13.40-41). Os dois lados são
importantes. Neste capítulo, contudo, queremos destacar a volta de
Jesus e o cumprimento de seu reino em relação a missões.
O ESCOPO DO REINO É UNIVERSAL
Jesus confirma a perspectiva
missionária universal do Antigo Testamento. Ensina que, no último
dia, muita gente virá do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e
tomará lugar à mesa no reino de Deus (Lc 13.29). As bênçãos do
reino de Deus são para todos os povos do mundo. É muito preciosa
esta descrição do reino como uma festa. Mas, antes de sua
realização, um convite deve ser enviado às nações, a fim de que
os convidados venham à festa. Este é o trabalho de "missões".
Aqueles que estavam longe se aproximam, os estranhos tornam-se
filhos, e quem antes não tinha esperança, agora festeja no reino de
Deus (Ef 2.11-13)!
OS QUE FESTEJAM HERDAM O REINO
Jesus ensina que os gentios estarão
não apenas entre os que festejam, mas também herdarão o reino de
Deus com os judeus crentes (Mt 21.43 e At 26.16-18). Assim como Jesus
enviou a Paulo como missionário para colher os gentios para o reino
de Deus, hoje também nos envia a fim de colher as nações para seu
domínio.
O SINAL DE SUA VOLTA: MISSÃO
CUMPRIDA
Quando os discípulos perguntaram
qual seria o sinal (no singular) de sua volta e da consumação deste
período intermediário (Mt 24.3), Jesus fez uma lista dos sinais (no
plural) do período histórico que precederia sua volta (Mt 24.4-12)
e depois respondeu à pergunta deles (de novo no singular) quanto a
este sinal:
"E será pregado este evangelho
do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então
virá o fim" (Mt 24.14).
Isto deixa claro que o evangelho
será pregado em todas as partes do mundo, até bem pouco antes de
sua volta. Quem fará isso? Seus enviados, seus missionários (tanto
"missionário", que vem do latim, quanto "apóstolo",
que vem do grego, significam "o enviado").
Nós somos os precursores de sua
vinda. Quando você e eu tivermos respondido em obediência, levando
o evangelho até os confins da terra, então este mesmo Jesus
voltará.
"Missões", portanto,
entram em penúltimo lugar na história divina de salvação.
Esperamos a gloriosa volta de Cristo e a consumação dos séculos -
por último. Contudo, não de braços cruzados, pois o último
elemento virá só depois do penúltimo — a pregação do reino por
todo o mundo. Por isso, quando, em outro lugar, os discípulos
perguntaram quando seria a restauração do reino, a resposta foi a
mesma - missões (At 1.6-8). Não nos preocupemos com sinais (épocas,
tempos ctc.) e, sim, com um sinal: a pregação do reino a todas as
nações.
Assim como Deus planejou
perfeitamente a primeira vinda de Jesus, ele também acompanha todos
os passos que visam sua volta, que é a esperança da igreja. Tudo se
dirige para este glorioso clímax da história. Os profetas
predisseram-no; o próprio Senhor o confirmou; os apóstolos
proclamaram-no, e todos os sinais apontam naquela direção. Resta,
então, o cumprimento do sinal, tarefa que é nossa. Evangelização
e "missões" são baseados na Bíblia e cheios de
significado e sentido para a volta do Senhor.
Por que tanta importância para
missões em relação à sua volta? Porque o alcance universal do
amor de Deus será definitivamente demonstrado e a glória e o louvor
a Deus serão reconhecidos por todos os povos da terra.
"Depois destas coisas vi, e eis
grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações,
tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do
Cordeiro, vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos; e
clamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deus que se assenta no
trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação" (Ap 7.9-10).
"... e entoavam novo cântico,
dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque
foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de
toda tribo, língua, povo e nação, e para o nosso Deus os
constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra" (Ap
5.9-10).
"O reino do mundo se tornou de
nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos
séculos" (Ap 11.15b).
Observamos este alcance e
preocupação universais nos primeiros capítulos deste estudo sobre
missões. Assim como a Bíblia começa com um escopo universal, com
Deus criando os céus e a terra, preparando o palco mais amplo
possível de "missões", ela também termina com o mesmo
tom, dando-nos nada menos do que a visão gloriosa do reino,
lembrando-nos de que a salvação pela graça se destina a ser
oferecida a todos, universalmente: "A graça do Senhor Jesus
seja com todos" (Ap 22.21).
APÊNDICE A
O POVO IBERO-AMERICANO
NO PLANO DE DEUS
Talvez o leitor não saiba do grande
destaque que a Península Ibérica (constituída por Espanha e
Portugal) tem na Bíblia. Ela possui um papel de importância última
no plano de Deus para a evangelização do mundo. Embora quase
desconhecidas, estas observações são relevantes, especialmente
frente ao Congresso Missionário Ibero-Americano realizado em
novembro de 1987, em São Paulo (COMIBAM 87).
A PENÍNSULA IBÉRICA NO MUNDO DO
ANTIGO TESTAMENTO
Há várias referências, no mundo
antigo, a um lugar chamado Társis ou Tártissus. Era uma cidade
fenícia e mercantil conhecida desde o século XI a.C. Situava-se ao
sul da Espanha, na foz do rio Guadalquivir, do lado atlântico do
Estreito de Gibraltar. Em todo o Antigo Testamento, Társis é
considerada "os confins da terra" ou extremis terris.
Por isso, Jonas, querendo fugir da
presença de Deus, embarcou num navio que ia para Társis — o lugar
mais distante de que se tinha notícia na época (Jn 1.3).
Este é, também, o sentido do Salmo
72. Aqui, o rei messiânico dominará "... desde o rio..."
(o Eufrates, no extremo leste) "... até aos confins da terra"
(72.8). A explicação vem dois versículos depois, na referência a
Társis e às ilhas no extremo oeste (72.10). A ideia é semelhante à
de Mateus 24.14, Apocalipse 5.8-10 e 7.9-10, onde se lê que, antes
do fim, o evangelho do reino deverá ser pregado entre todos os povos
da terra para que estes prestem culto ao Messias.
Assim se esclarece Isaías 66, que
também relata a adoração prestada ao Senhor por parte de todos os
povos, anterior ao estabelecimento de novos céus e nova terra e
antes do fim (66.15-24). Segundo esta passagem, o Senhor enviará
alguns "salvos" para falar dele até as mais remotas terras
do mar, que jamais ouviram falar do Senhor nem viram sua glória
(66.19). Ora, estas terras incluem Társis, Lude e Tubal, na Ásia
Menor, Javã, na Grécia, e Pui, provavelmente na Líbia ou em
Cirene. Povos destas nações irão a Jerusalém como oferta para o
culto mundial que inaugurará o fim. Mas não são somente alvos
missionários, pois alguns deles se tornarão sacerdotes e levitas,
isto é, estes também trarão ofertas, a oferta da evangelização
(66.20s.). Portanto, a Península Ibérica será alvo e instrumento
missionário.
A PENÍNSULA IBÉRICA NA ESTRATÉGIA
EVANGELÍSTICA DE PAULO
Certamente, esse pano de fundo
contribuiu para a visão missionária do apóstolo Paulo. Por isso
ele queria tanto chegar à Península Ibérica (Rm 15.24). Três
documentos do primeiro e segundo séculos alegam que Paulo, de
fato, chegou à Espanha, mas o Novo Testamento não nos diz nada
sobre isso. Em 1963, a cidade de Tarragona, antiga Társis, ergueu
uma estátua do apóstolo comemorando sua ida até lá.
Como apóstolo dos gentios, e à luz
de Isaías 66, Paulo queria chegar aos confins da terra — a
Península Ibérica. Ele desejava levar para Jerusalém povos não só
da região que já havia evangelizado (desde Jerusalém até o
Ilírico, conforme Rm 15.19 — as nações, de Isaías 66) como
também da Península Ibérica (Társis), antes do fim. E estes
ibéricos, por sua vez, dariam testemunho lá, como instrumentos
missionários.
Isto não quer dizer que Paulo
entendia que a volta de Cristo dependia unicamente dele. Ele não se
via como o único apóstolo entre os gentios (nem o último), mas
como um apóstolo único, no sentido de ser precursor e exemplo para
todos os demais. Assim, sua dupla estratégia evangelística (até os
confins geográficos da terra e entre os povos não-evangelizados)
seria precursora e exemplar para a obra de evangelização até
hoje.
O POVO IBÉRICO NA EVANGELIZAÇÃO
MUNDIAL
Os povos de origem luso-hispânica —
quer sejam europeus, americanos, africanos ou asiáticos — ocupam
um papel crucial nas últimas fases do alcance final dos povos ainda
não-evangelizados. Não são apenas alvos missionários vindos das
extremidades da terra para a adoração do Senhor, mas, como Paulo,
irão até os confins da terra pregar aos povos não-evangelizados
(Rm 15.20).
Mas aqui se faz necessária uma
advertência. Muitos missionários norte-americanos tiveram, durante
o último século (e alguns têm, infelizmente, até hoje!), um
sentimento de destino divino, não só por trás de seu chamado
missionário, mas também de sua cultura. O resultado trágico tem
sido a transmissão do evangelho com uma atitude de superioridade e
paternalismo. Qual o líder cristão ibero-americano que não
encontrou isto?
No meio de tanta conversa boa sobre
o grande potencial missionário dos povos ibéricos — suas
características de mobilidade, personalismo, profunda
espiritualidade, laços históricos etc., há uma perigosíssima
tendência de negligenciar as falhas e pontos fracos dos missionários
norte-americanos. Precisamos aprender com nosso próprio contexto
missionário.
A vez dos povos ibéricos não
surgiu agora. Desde o início, Deus tinha um papel crucial reservado
para eles. Sigamos os admiráveis exemplos da história, enquanto
permanecemos bem conscientes daqueles que não o são.
APÊNDICE B
UMA TAREFA ENORME:
LEVAR O EVANGELHO
A TODAS AS ETNIAS
Neste capítulo, examinaremos a
situação atual do avanço missionário no mundo e como podemos
enfrentá-la. Uma vez que nos sentimos chamados ou vocacionados,
então o que fazer e como nos preparar? Não podemos responder a
estas perguntas de modo pessoal. Isto exige a direção do Espírito,
que vem sob medida para o seguidor de Jesus. Entretanto, parte do
processo de perceber tal direção é a informação e
conscientização da necessidade e da situação evangelística do
mundo. É a isto que nos propomos.
Comecemos com nossa conceituação e
linguagem sobre missões.
MISSÕES ESTRANGEIRAS OU
TRANSCULTURA1S?
Durante muitas décadas, a igreja
distinguiu metodicamente entre missões nacionais e missões
estrangeiras. Era uma distinção geográfico-política, isto é, por
país. Aliás, por trás de cada um destes conceitos havia uma
estratégia missionária predominantemente geográfica. Assim sendo,
as juntas missionárias estrangeiras procuravam distribuir seu
trabalho entre alguns países, às vezes igualmente, apesar do
tamanho da população e diversidade cultural de cada um. De forma
semelhante, o alvo das juntas missionárias nacionais era distribuir
geograficamente seu trabalho em cada região ou município do país,
apesar da frequente diferenciação populacional ou saturação por
outras denominações. Com grande entusiasmo e convicção citávamos
Atos 1.8 como base de nossa estratégia geográfica: "... e
sereis minhas testemunhas... até aos confins da terra".
Frequentemente a impressão dada era a de que quanto mais longe
fosse, mais nobre seria o trabalho missionário.
Então, se entendêssemos isto
literalmente, para o brasileiro, os confins da terra corresponderiam
à Micronésia, no Oceano Pacífico. É a região mais distante do
Brasil. Entretanto, é também a região (proporcionalmente)
mais cristã do mundo! A população professa é de 90%, enquanto os
praticantes são mais de 65% da população total! Agora, pense no
significado de Atos 1.8 para os micronésios. Entendido apenas
geograficamente, ele indica que a região mais carente do evangelho
para eles é o Brasil! Afinal de contas, qual região é mais carente
diante de Deus? Tudo isto indica que, hoje, já não podemos mais
entender "os confins da terra" como o alvo geográfico de
missões. Os "confins da terra", geograficamente, só
faziam sentido para a igreja primitiva, quando o evangelho ainda
estava, em termos geográficos, restrito a uma pequena parte do
Oriente Médio. Aliás, mesmo para a igreja primitiva, a ideia não
era de simplesmente ir cada vez mais longe, mas de ir longe porque lá
os povos ainda não haviam recebido o evangelho. Hoje, precisamos
alcançar os não-alcançados onde quer que estejam, seja
geograficamente longe ou perto.
ALCANÇANDO OS NÃO-ALCANÇADOS
Nosso alvo missionário é alcançar
aqueles que não receberam o evangelho de Cristo. Isto está
implícito em Atos 1.8, apesar da interpretação apenas geográfica
que frequentemente lhe é dada. O que Atos 1.8 deixa implícito,
Romanos 15.19-21 deixa explícito:
"... completei a pregação do
Evangelho de Cristo. E me empenhei por anunciar o Evangelho onde
ainda não havia sido anunciado o nome de Cristo, pois não queria
edificar sobre fundamento alheio. Fiz bem assim, como está escrito:
Hão de vê-lo aqueles a quem não foi anunciado e os que não
ouviram entenderão" (Bíblia Vozes).
Quando Paulo diz "completei a
pregação...", ele está dizendo, literalmente, no texto
original, "eu cumpri" ou "preenchi", como os
versículos seguintes confirmam. Ele fez isto dentro de uma região
geograficamente já alcançada por outros evangelistas — "desde
Jerusalém circulando até ao Ilírico" (tradução minha).
Paulo "preenchia" com o evangelho aquela região geográfica
já alcançada, pregando aos povos que ainda não haviam recebido o
evangelho.
Tudo isso indica que nossa
estratégia missionária deve dar prioridade aos povos não-alcançados
pelo evangelho. É uma estratégia que não é simplesmente
geográfica, mas fundamentalmente cultural. Com "cultural"
queremos dizer que os povos culturalmente definidos são nosso alvo,
não regiões geográficas em si. A grande comissão manda fazer
discípulos de todas as nações, etnias, segundo o texto original
(Mt 28.19). A tradução "nações" é um tanto infeliz,
porque dá a ideia de países politicamente definidos, em vez de
grupos étnicos ou povos culturalmente definidos. O mandamento é
no sentido de discipular as etnias.
Este conceito está mais próximo da
idéia bíblica e ilumina imensamente a tarefa missionária atual. No
Brasil, há inúmeros grupos culturalmente distintos (veja o
excelente filme da Visão Mundial sobre estes povos). Somente em São
Paulo há um milhão de japoneses, 430.000 portugueses, 400.000
italianos, 200.000 chineses, 180.000 espanhóis e não poucos
coreanos, ciganos, alemães, sírios e outros. No país há centenas
de tribos indígenas.
Mas, vamos pensar em termos
mundiais. Os missiólogos dizem que há aproximadamente 24.000 povos
culturalmente definidos no mundo. Metade destes ainda não possui uma
igreja cristã que possa continuar o trabalho de evangelização.
Ora, se atualmente a evangelização destes povos não pode ser
realizada por eles mesmos, isto exige alguém de outra cultura para
evangelizá-los. Precisa-se, então, de missionários transculturais,
pois cristãos têm que cruzar barreiras culturais para alcançá-los.
Por isso, alguns falam de missões
monoculturais e transculturais, em vez de missões nacionais e
estrangeiras. Cremos que a primeira distinção é mais precisa
e relevante para a situação evangelística do mundo.
MISSÕES DO TERCEIRO MUNDO
Alguns pensam que, até o ano 2000,
mais da metade dos missionários cristãos será do Terceiro Mundo.
Isto poderá representar um tremendo avanço na obra missionária.
Por quê? Em primeiro lugar, a maioria dos 12.000 povos
não-alcançados, que constituem 60% da população mundial, faz
parte de cinco blocos principais da humanidade: muçulmanos (860
milhões em 4.000 etnias), hindus (550 milhões em 2.000 etnias),
budistas (275 milhões em 1.000 etnias), chineses han (150 milhões
em 1.000 etnias) e religiões tribais (140 milhões em 3.000 etnias).
Em segundo lugar, a maioria destes povos vive em países que, por
razões históricas e sócio-políticas, não são simpáticos aos
europeus ou norte-americanos. Em terceiro lugar, muitos destes países
(por exemplo, os países muçulmanos e comunistas) não permitem a
entrada de "religiosos profissionais", caso, geralmente, do
missionário tradicional. Em quarto lugar, já que, em sua maioria,
estes países estão procurando rápido desenvolvimento tecnológico
e econômico, favorecem a entrada de profissionais; às vezes, até o
próprio governo os emprega.
Somando estes fatores, ficamos
diante da necessidade aguda de missionários transculturais do
Terceiro Mundo. E para alcançar os não-alcançados em países
fechados aos missionários tradicionais, urge enviar, principalmente,
profissionais com treinamento missionário. Na Arábia Saudita, por
exemplo, há mais de 20.000 sul-coreanos empregados na construção
civil por aquele governo muçulmano. E, pelo testemunho de cristãos
sul-coreanos, lá também existem igrejas cristãs, apesar de muito
sofrimento e perseguição.
Mas a situação evangelística
mundial não é a única razão da necessidade de missionários do
Terceiro Mundo, nem mesmo a principal. O propósito dos seis
primeiros capítulos deste livro era ressaltar que a Bíblia deixa
claro que é da própria essência da igreja o ser missionária. O
surgimento dos missionários do Terceiro Mundo nada mais é que o
testemunho e a evidência dessa verdade.
Quero terminar, fazendo um convite
pessoal para que o prezado leitor procure servir ao Senhor sem
nenhuma restrição de onde, como e quando serví-lo. Convido-o a
considerar em oração a possibilidade de receber treinamento
missionário transcultural adequado. O desafio foge de nossa
compreensão. O preparo deve ser o melhor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário