John
R. W. Stott
Conteúdo:
PREFÁCIO
Ninguém
deseja um cristianismo frio, triste, intelectualizado.
Mas
será que isso significa que temos que evitar a todo custo o
“intelectualismo”? Não é a experiência o que realmente
importa, e não a doutrina? Muitos estudantes fecham suas mentes ao
fecharem seus livros, convencidos de que ao intelecto compete apenas
um papel secundário, se tanto, na vida cristã. Até que ponto têm
eles razão? Qual é o lugar da mente na vida do cristão iluminado
pelo Espírito Santo?
Tais
perguntas são de vital importância prática, e afetam todos os
aspectos de nossa fé. Por exemplo, até que ponto devemos apelar à
razão das pessoas em nossa apresentação do evangelho? A “fé”
implica em algo completamente irracional? O senso comum tem algum
papel a desempenhar na conduta do cristão?
Tendo
esses e outros problemas em vista, o Rev. John Stott aborda neste
livreto o lugar da mente na vida cristã. explica por que o uso da
mente é tão importante para o cristão, e como se aplica em
aspectos práticos de sua vida. E faz um vigoroso apelo aos cristãos
para mostrarem “uma devoção inflamada pela verdade”.
***
CRISTIANISMO DE MENTE VAZIA
O que
Paulo escreveu acerca dos judeus não crentes de seu tempo poderia
ser dito, creio, com respeito a alguns crentes de hoje: “Porque
lhes dou testemunho de que eles têm zelo por Deus, porém não com
entendimento”. Muitos têm zelo sem conhecimento, entusiasmo sem
esclarecimento. Em outras palavras, são inteligentes, mas
faltam-lhes orientação.
Dou
graças a Deus pelo zelo. Que jamais o conhecimento sem zelo tome o
lugar do zelo sem conhecimento! O propósito de Deus inclui os dois:
o zelo dirigido pelo conhecimento, e o conhecimento inflamado pelo
zelo. É como ouvi certa vez o Dr. John Mackay dizer, quando era
presidente do Seminário de Princeton: “A entrega sem reflexão é
fanatismo em ação, mas a reflexão sem entrega é a paralisia de
toda ação”.
O
espírito de anti-intelectualismo é corrente hoje em dia. No mundo
moderno multiplicam-se os programatistas, para os quais a primeira
pergunta acerca de qualquer idéia não é: “É verdade?” mas
sim: “Será que funciona?”. Os Jovens têm a tendência de ser
ativistas, dedicados na defesa de uma causa, todavia nem sempre
verificam com cuidado se sua causa é um fim digno de sua dedicação,
ou se o modo como procedem é o melhor meio para alcançá-lo. Um
universitário de Melbourne, Austrália, ao assistir a uma
conferência na Suécia, soube que um movimento de protesto
estudantil começara em sua própria universidade. Ele retorcia as
mãos, desconsolado. “Eu devia estar lá”, desabafou, “para
participar.
O
protesto é contra o que?” Ele tinha zelo sem conhecimento.
Mordecai
Richler , um comentarista canadense, foi muito claro a esse respeito:
“O que me faz Ter medo com respeito a esta geração é o quanto
ela se apóia na ignorância. Ser o desconhecimento geral continuar a
crescer, algum dia alguém se levantará de um povoado por aí
dizendo Ter inventado... a roda”.
Este
mesmo espectro de anti-intelectualismo surge freqüentemente para
perturbar a Igreja cristã. Considera a teologia com desprazer e
desconfiança. Vou dar alguns exemplos.
Os
católicos quase sempre têm dado uma grande ênfase no ritual e na
sua correta conduta. Isso tem sido, pelo menos, uma das
características tradicionais do catolicismo, embora muitos católicos
contemporâneos (influenciados pelo movimento litúrgico) prefiram o
ritual simples, para não dizer o austero. Observe-se que o
cerimonial aparente não deve ser desprezado quando se trata de uma
expressão clara e decorosa da verdade bíblica. O perigo do ritual é
que facilmente se degenera em ritualismo, ou seja, numa mera
celebração em que a cerimônia se torna um fim em si mesma, um
substituto sem significado ao culto racional.
Por
outro lado, há cristãos radicais que concentram suas energias na
ação política e social. A preocupação do movimento ecumênico
não é mais ecumenismo em si, ou planos de união de igrejas, ou
questões de fé e disciplina; muito pelo contrário, preocupa-se com
problema de dar alimento aos famintos, casa aos que não tem moradia;
com o combate ao racismo, com os direitos dos oprimidos; com a
promoção de programas de ajuda aos países em desenvolvimento, e
com o apoio aos movimentos revolucionários do terceiro mundo. Embora
as questões da violência e do envolvimento cristão na política
sejam controvertidos, de uma maneira geral deve-se aceitar que luta
pelo bem estar, pela dignidade e pela liberdade de todo homem, é da
essência da vida cristã. Entretanto, historicamente falando, essa
nova preocupação deve muito de seu ímpeto à difundida frustração
de que jamais se alcançará um acordo em matéria de doutrina. O
ativismo ecumênico desenvolve-se com reação à tarefa de
formulação teológica, a qual não pode ser evitada, se é que as
igrejas neste mundo devam ser reformadas e renovadas, para não
dizer, unidas.
Grupos
de cristãos pentecostais, muitos dos quais fazem da experiência o
principal critério da verdade. Pondo de lado a questão da validade
do que buscam e declaram, uma das características mais séria, de
pelo menos alguns neo-pentecostais, é o seu declarado
anti-intelectualismo.
Um
dos líderes desse movimento disse recentemente, a propósito dos
católicos pentecostais, que no fundo o que importa” não é a
doutrina, mas a experiência”. Isso equivale a por nossa
experiência subjetiva acima da verdade de Deus revelada. Outros
dizem crer que Deus propositadamente dá às pessoas uma expressão
inteligente a fim de evitar a passagem por suas mentes orgulhosas,
que ficam assim humilhadas. Pois bem. Deus certamente humilha o
orgulho dos homens, mas não despreza a mente que ele próprio criou.
Estas
três ênfases - a de muitos católicos no ritual, a de radicais na
ação social, e a de alguns pentecostais na experiência - são, até
certo ponto, sintomas de uma só doença, o anti-intelectualismo.
São
válvulas de escape para fugir à responsabilidade, dada por Deus, do
uso cristão de nossas mentes.
Num
enfoque negativo, eu daria como substituto este trabalho “a miséria
e a ameaça do cristianismo de mente vazia”. Mais positivamente,
pretendo apresentar resumidamente o lugar da mente na vida cristã.
Passo a dar uma visão geral do que pretendo abordar. No segundo
capítulo, a título de introdução, apresentarei alguns argumentos
- tanto seculares como cristãos - a favor da importância do uso de
nossas mentes. No terceiro, constituindo a tese principal,
descreverei seis aspectos da vida e responsabilidade cristãs, nos
quais a mente tem uma função indispensável. Concluindo ,
procurarei prevenir contra o extremo oposto, também perigoso, de
abandonar um anti-intelectualismo superficial para cair num árido
super-intelectualismo. Não estou em defesa de uma vida cristã seca,
sem humor, teórica, mas sim de uma viva devoção inflamada pelo
fogo da verdade. Anseio por esse equilíbrio bíblico, evitando-se os
extremos do fanatismo. Apressar-me-ei em dizer que o remédio para
uma visão exagerada do intelecto não é nem depreciá-lo , nem
negligenciá-lo, mas mantê-lo no lugar indicado por Deus, cumprindo
o papel que ele lhe deu.
***
Por que os cristãos devem usar suas mentes?
A
primeira razão se apresentará a todo crente que deseja ver o
evangelho proclamado e Jesus Cristo reconhecido no mundo todo.
Trata-se do poder do pensamento humano na concretização de ações.
A História está repleta de exemplos da influência que grandes
idéias exercem. Todo movimento de poder teve a sua filosofia que se
apossou da mente, inflamou a imaginação e capacitou a devoção de
seus seguidores. Basta pensar nos manifestos fascista e comunista do
século passado, na obra “Mein Kampf” de Hitler, de um lado, e no
“Das Kapital” de Marx e “Pensamentos” de Mao, do outro. A. N.
Whitehead resume isso da seguinte forma: Uma grande parte do mundo é
atualmente dominada por ideologias que, se não completamente falsas,
são estranhas ao evangelho de Cristo. Apregoamos “conquistar” o
mundo para Cristo. Mas que espécie de “conquista” temos em
mente? Certamente que não uma vitória baseada na força das armas.
Nossa
cruzada cristã diferencia-se completamente das vergonhosas cruzadas
da Idade Média. Observemos a descrição que Paulo faz dessa
batalha: “Na verdade, as armas com que combatemos não são
carnais, mas têm, a serviço de Deus, o poder de destruir
fortalezas. Destruímos os raciocínios presunçosos e todo poder
altivo que se levanta contra o conhecimento de Deus. Tornamos cativo
todo pensamento para levá-lo a obedecer a Cristo”. Esta é uma
batalha de idéias, a verdade de Deus vencendo as mentiras dos
homens. Será que acreditamos no poder da verdade?
Não
muito tempo depois que a Rússia brutalmente reprimiu a revolta
húngara de 1956, o Sr. Kruschev referiu-se ao precedente dado pelo
Czar Nicolau I, que comandara combate à revolta húngara de 1848.
Num
debate sobre a Hungria, travado na Assembléia Geral das Nações
Unidas, Sir Leslie Munro citou as observações feitas por Kruschev e
concluiu seu discurso relembrando uma declaração feita por Lord
Palmerston na Casa dos Comuns em 24 de julho de 1849, com respeito
ao mesmo assunto. Palmerston tinha dito o seguinte: “As opiniões
são mais fortes que os exercícios. Se fundadas na verdade e na
justiça, as opiniões ao fim prevalecerão sobre as baionetas da
infantaria, os tiros da artilharia e as cartas da cavalaria”...
Deixando de lado exemplos seculares do poder do pensamento, passo
agora a abordar algumas razões, mais propriamente cristãs, pelas
quais devemos fazer uso de nossas mentes. Meu argumento agora é que
nas doutrinas básicas da fé cristã, doutrinas da criação,
revelação, redenção e juízo, em todas elas está implícito que
o homem tem um duplo e inalienável dever: o de pensar e o de agir
de conformidade com o seu pensamento e conhecimento.
CRIADO PARA PENSAR
Começo
com a criação. Deus fez o homem à sua própria imagem, e um dos
aspectos mais nobres da semelhança de Deus no homem é a capacidade
de pensar. É verdade que todas as criaturas infra-humanas têm
cérebro, alguns rudimentos, outros mais desenvolvidos. O Sr. W.S.
Anthony, do Instituto de Psicologia Experimental de Oxford,
apresentou um trabalho perante a Associação Britânica, em
setembro de 1957, no qual descreveu algumas experiências com ratos.
Ele pôs obstáculos às entradas que continham alimento e água,
frustrando-lhes as tentativas de encontrar o caminho naquele
labirinto. Descobriu que, diante do labirinto mais complicado, seus
ratos demonstraram o que ele denominou de “dúvidas intelectual
primitiva”! Isso bem pode ser verdade. Todavia, mesmo que algumas
criaturas tenham dúvidas, somente o homem tem o que a Bíblia chama
de “entendimento”.
A
Escritura assegura e evidencia isso a partir do momento da criação
do homem. Em Gênesis 2 e 3 vemos Deus comunicando-se com o homem de
um modo segundo o qual Ele não se comunica com os animais. Ele
espera que o homem colabore consigo, consciente e inteligentemente,
no cultivo e na conservação do jardim em que o colocara , e que
saiba diferenciar- tanto racional como moralmente - entre o que lhe
é permitido e o que lhe proibiu de fazer. Ainda mais, Deus chama o
homem para dar nomes aos animais, simbolizando assim o senhorio que
lhe dera sobre essas criaturas. E Deus cria a mulher de maneira tal
que o homem imediatamente a reconhece como companheira idônea de
sua vida, e então irrompe espontaneamente primeiro poema de amor da
História!
Esta
racionalidade básica do homem, por criação, é admitida em toda a
Escritura. Na realidade, sobre esse fato se apóia o argumento normal
que, sendo o homem diferente dos animais, ele deve comportar-se
também diferentemente. “Não sejais como o cavalo ou a mula, sem
entendimento”. Em conseqüência, o homem é escarnecido e
repreendido quando o seu comportamento é mais bestial que humano
(“eu estava embrutecido e ignorante; era como um irracional à tua
presença”), e quando a conduta de animais é mais humana que a de
alguns homens. Pois que às vezes os animais de fato superam os
homens. As formigas são mais trabalhadoras e mais previdentes que o
folgadão. Os bois e jumentos muitas vezes dão a seus donos um
reconhecimento mais obediente do que o povo Deus ao Senhor. E os
pássaros migratórios são melhores no arrependimento, já que
quando partem em migração sempre retornam, enquanto que muitos
homens que se desviam não conseguem voltar.
O
tema é claro e desafiador. Há muitas semelhanças entre o homem e
os animais. Mas os animais foram criados para se conduzirem por
instinto, enquanto que os homens (apesar dos “behavioristas”),
por escolha racional. Dessa forma os homens, ao deixarem de agir
racionalmente, procedendo por instinto à semelhança dos animais,
estão se contradizendo, contradizendo sua criação e sua
diferenciação como seres humanos, e devem Ter vergonha de si
próprios.
De
fato é verdade que a mente do homem está afetada pelas devastadoras
conseqüências da Queda. A “depravação total” do homem
significa que cada parte constituinte da sua humanidade foi, até
certo ponto, corrompida, inclusive sua mente, a qual a Escritura
descreve como “obscurecida”. Com efeito, quanto mais os homens
reprimem a verdade de Deus que reconhecem, mais “fúteis”, ou
mesmo “insensatos” se tornam no seu pensar. Podem declarar-se
sábios, mas são tolos. A mente deles é a “mente da carne”, a
mentalidade de uma criatura decaída, e é basicamente hostil a deus
e à sua lei.
Tudo
isso é verdade. Mas o fato de que a mente do homem é decaída não
nos pode servir de desculpa para batermos em retirada, passando do
pensamento à emoção, já que o lado emocional da natureza humana
está igualmente decaído. De fato, o pecado traz mais efeitos
perigosos à nossa faculdade de sentir do que à nossa faculdade de
pensar, porque nossas opiniões são mais facilmente controladas e
reguladas pela verdade revelada do que nossas experiências.
Assim,
pois, apesar do estado decaído da mente humana, ainda o homem lhe é
ordenado pensar e usar sua mente, na condição de criatura humana
que é. Deus convida o Israel rebelde. “Vinde, pois , e arrazoemos,
diz o Senhor”. E Jesus acusou as multidões descrentes, inclusive
os fariseus e saduceus, por poderem interpretar as condições
meteorológicas e preverem o tempo, mas não poderem interpretar “os
sinais dos tempos” nem preverem o julgamento de Deus. “Por que
perguntou-lhes. Em outras palavras: por que não usais os vossos
cérebros? Por que não aplicais ao campo moral e espiritual o
sentido comum que empregais no físico?”
A
sociedade secular, por esse mundo a fora, concorda com o ensino da
Escritura acerca da racionalidade básica do homem, constituída em
sua criação e não de todo destruída na Queda. Os propagandistas
podem dirigir os seus apelos promocionais aos nossos apetites mais
baixos, mas eles não têm nenhuma dúvida de que temos a capacidade
de distinguir entre produtos: de fato, muitas vezes até mesmo chegam
a lisonjear o consumidor que discrimina. Quando sai a primeira
notícia de um crime, geralmente ela vem com a frase “o motivo
ainda não foi descoberto”. Pressupõe-se, como se vê , que mesmo
a ação criminosa tem uma motivação, seja ela qual for. E quando
nossa conduta é mais emocional do que racional, ainda assim
insistimos em “racionalizá-la”. O próprio processo chamado
“racionalização” é significativo. Indica que o homem de tal
forma se constituiu num ser racional que quando não tem razões
para a sua conduta ele tem que inventar alguma para se satisfazer.
PENSANDO OS PENSAMENTOS DE DEUS
Passo
agora do argumento da criação para o da revelação. Os fatos
simples e gloriosos - que Deus é um Deus que se revela a si próprio,
e que Ele se revelou ao homem - demonstram a importância de nossas
mentes. Pois eu toda a revelação de Deus é racional, tanto a
revelação geral na natureza como sua revelação especial nas
Escrituras e em Cristo. Consideremos a natureza. “Os céus
proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas
mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a
outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se
ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua
voz, e as suas palavras até aos confins do mundo”. Ou seja, Deus
fala aos homens através do universo que criou, e proclama sua glória
divina, conquanto seja uma mensagem sem palavras. A mensagem é
muito clara, no entanto, e os que rejeitam sua verdade são culpados
diante de Deus. “Portanto o que de Deus se pode conhecer é
manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou.
Porque
os atributos invisíveis de Deus, o seu eterno poder e também a sua
própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do
mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas. Tais
homens são por isso indesculpáveis. Porquanto, tendo conhecimento
de Deus não o glorificaram como Deus...”
Estas
duas passagens referem-se à revelação que Deus faz de si mesmo
através da ordem criada. Embora seja uma proclamação sem palavras,
uma voz sem som, mesmo assim resulta que todo homem tem algum
“conhecimento de Deus”. Está pressuposto aí que o homem tem
capacidade para ler o que Deus escreveu no universo, e isso é
extremamente importante. Toda a pesquisa científica apóia-se nessa
pressuposição, na correspondência entre o caráter do que está
sendo investigado e a mente de quem investiga. Essa correspondência
é a racionalidade. O homem pode compreender os processos da
natureza. Eles não são misteriosos; deve-se ao Criador que, tanto
nela como neles, expressou a Sua mente. Em decorrência, de acordo
com as famosas palavras de Kepler, os homens “podem pensar segundo
os pensamentos de Deus”. Essa mesma importante correspondência é
ainda mais direta entre a Bíblia e quem a lê. Pois que nela e
através dela Deus tem falado, isto é, tem se comunicado por meio
de palavras. Se concordamos que na natureza a revelação de Deus é
visualizada, na Escritura é verbalizada, e em Cristo é tanto uma
coisa como a outra, pois Ele é “a Palavra que se fez carne”.
Ora, a comunicação com palavras pressupõe uma mente que as possa
entender e interpretar, pois as palavras não passam de símbolos sem
significado a menos que sejam decifradas por um ser inteligente.
Assim,
o segundo motivo cristão pelo qual a mente humana é importante é
que o cristianismo é uma religião revelada. Creio que quem melhor
expressou esse ponto foi James Or em seu livro “The
Cristian View of God and the World” A
Visão Cristã de Deus e do Mundo): Se há uma religião neste mundo
que dê relevância ao ensino, sem dúvida tal religião é a de
Jesus Cristo. Com freqüência já se tem destacado o fato de que a
doutrina tem uma mínima importância nas religiões não-cristãs;
nelas o destaque está na realização de um ritual. Mas é
precisamente nisto que o cristianismo se diferencia das demais
religiões: ele tem doutrina. Ele se apresenta aos homens com um
ensinamento definido, positivo, declara-se ser a verdade; nele o
conhecimento dá suporte à religião, conquanto seja um conhecimento
somente acessível sob condições morais... Uma religião divorciada
do pensamento diligente e elevado tem tido, através de toda a
história da igreja, a tendência de se tornar fraca, estéril e
nociva; por outro lado, o intelecto desprovido de seus direitos no
âmbito da religião, tem procurado sua satisfação fora, e
desenvolvido um materialismo sem Deus. É certo que alguns chegaram à
conclusão oposta. Já que o homem é finito e decaído, argumentam,
já que não pode descobrir Deus através de sua mente, tendo Deus
que se revelar por Si, então a mente não é importante. Mas não!
A doutrina cristã da revelação, ao invés de fazer da mente algo
desnecessário, na verdade a torna indispensável e a coloca no seu
devido lugar. Deus se revelou por intermédio de palavras às mentes
humanas. Sua revelação é uma revelação racional a criaturas
racionais. Nosso dever é receber sua mensagem, submetermo-nos a ela,
esforçamo-nos por compreendê-la e relacionarmo-la com o mundo em
que vivemos. O fato de que Deus precisa tomar a iniciativa para
revelar-se a nós mostra-nos que nossas mentes são finitas e
decaídas; por Ele preferir revelar-se às criancinhas, vemos que
temos de nos humilhar para recebermos sua Palavra; o mero fato de que
se revelou, por meio de palavras, mostra-nos que nossas mentes são
capacitadas para o entendimento. Uma das mais elevadas e mais nobres
funções da mente humana é ouvir a Palavra de Deus, e assim ler a
mente de Deus e pensar conforme seus pensamentos, tanto pela natureza
como pela Escritura. Atrevo-me a dizer que quando falhamos no uso de
nossas mentes e descemos ao nível dos animais, Deus se dirige a nós
, como o fez a Jó quando o encontrou enchafurdado em auto-piedade,
insensatez e lamentações amargas: “Cinge agora os teus lombos
como homem; eu te perguntarei e tu me responderás”.
MENTES RENOVADAS
Passamos
agora da doutrina da revelação à doutrina da redenção, redenção
realizada por Deus através da morte e ressurreição de Jesus
Cristo. Tendo Deus executado esta redenção através do seu Filho,
agora a anuncia por intermédio de seus servos. De fato, a
proclamação do evangelho - também feita por palavras dirigidas às
mentes humanas - é o principal meio provido por Deus para dar a
salvação aos pecadores.
Paulo
assim se expressa quanto a isso:
Visto
como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria
sabedoria, aprouve a Deus salvar aos que crêem, pela loucura da
pregação”.
Note-se
com cuidado o contraste que o apóstolo faz. Não é entre uma
apresentação racional e um não-racional , como se fosse o caso de
Deus Ter posto de lado por completo uma mensagem racional, em
virtude da sabedoria humana ser impotente para encontrar a Deus.
Não. O que Paulo contrasta com a sabedoria humana é a revelação
divina. Mas nossa pregação é uma revelação racional, o enigma de
Cristo crucificado e ressurreto. Pois conquanto as mentes dos homens
estejam em trevas e seus olhos estejam cegos, conquanto os
não-regenerados não possam por si próprios receber o compreender
coisas espirituais “porque elas se discernem espiritualmente”,
nem por isso o evangelho deixa de ser levado às suas mentes, porque
tal é o meio previsto por Deus para abrir-lhes os olhos,
iluminar-lhes as mentes e salvá-los. Terei mais a dizer sobe isso
ao tratar da evangelização.
Pois
bem, a redenção traz consigo a reconstituição da imagem divina no
homem, a qual fora distorcida na Queda. Nessa reconstituição
inclui-se a mente. Paulo pôde descrever os convertidos do paganismo
dizendo: “e vos revestistes do novo homem, que se refaz para o
pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou e também:
“aprendestes a Cristo... no sentido de que... vos renoveis no
espírito do vosso entendimento”. Ele pode ir ainda mais longe. Um
homem “espiritual”, no qual habita o Espírito Santo e que por
Ele é dirigido, tem novos poderes para o discernimento espiritual.
Dele pode-se mesmo dizer que tem “a mente de Cristo”.
Esta
convicção de que os cristãos têm novas mentes fez com que Paulo
apelasse confiantemente a seus líderes: falo como a criteriosos,
julgai vós mesmos o que digo”.
Ás
vezes me ponho a pensar sobre de que maneira o apóstolo reagiria se
hoje viesse visitar a cristandade ocidental. Acho que lamentaria a
falta de uma mente cristã nos dias de hoje, como o fez recentemente
Harry Blamires. Uma “mente cristã”, como a descreve o Sr.
Blamires, é “uma mente treinada, informada, equipada para
manusear os dados de uma controvérsia secular dentro de um quadro
de referência constituído por pressuposições cristãs”, por
exemplo, pressuposições quanto ao sobrenatural, quanto à
universalidade do mal, quanto à verdade, autoridade e valor da
pessoa humana. O pensador cristão, continua ele, desafia os
preconceitos correntes... perturba os complacentes... se antepõe aos
ativos pragmatistas... questiona as bases de tudo que lhe diz
respeito e... faz-se incômodo”. Mas, prossegue, hoje em dia parece
não existir pensadores cristãos com uma mente cristã. Pelo
contrário”:
“A
mente cristã tem-se deixado secularizar num grau de debilidade e de
forma tão despreocupada sem paralelos na história cristã. Não é
fácil achar as palavras certas para exprimir a completa perda de
moral intelectual na igreja do século vinte. Não se pode
caracterizar este fato sem recorrer a uma linguagem que parecerá
ser histérica e melodramática. Não existe mais uma mente cristã.
Ainda há, certamente, uma ética cristã, uma prática cristã e
uma espiritualidade cristã... Mas na condição de um ser que pensa,
o cristão moderno já sucumbiu à secularização”.
Trata-se
de uma triste negação de nossa redenção por Cristo, a respeito
de quem se diz que “se nos tornou da parte de Deus sabedoria”.
JULGADOS POR NOSSO CONHECIMENTO
A
Quarta doutrina cristã na qual está implícita a importância da
mente é a doutrina do juízo de Deus. Pois um ponto é bastante
claro no ensinamento bíblico quanto ao juízo: que Deus nos julgará
pelo nosso conhecimento e pela nossa atitude em resposta (ou pela
falta desta) à sua revelação.
Tomemos
como um exemplo do Velho Testamento o livro de Jeremias.
Jeremias
profetizou pela palavra do Senhor, com grande coragem e com uma
persistência inabalável que, a menos que o povo atendesse à voz de
Deus, a nação, a cidade e o templo seriam destruídos. Mas, em vez
de atenderem, fecharam os seus ouvidos, ficaram inflexíveis , e
endureceram a cerviz. Essas são algumas frases-chaves do livro.
Temos aí alguns exemplos.
Desde
o dia em que vossos pais saíram da terra do Egito, até hoje,
enviei-vos todos os meus servos, os profetas, todos os dias,
começando de madrugada, eu os enviei. Mas não me deste ouvidos nem
me atendestes; endurecestes a cerviz e fizeste pior do que vossos
pais.
...ordenei
a vossos pais no dia em que os tirei da terra do Egito..., dizendo:
Daí ouvidos à minha voz, e fazei tudo segundo o que vos mando;
assim vós me sereis a mim por povo, eu vos serei a vós por Deus...
Porque deveras advertia a vossos pais no dia em que os tirei da
terra do Egito, até o dia de hoje, testemunhando desde cedo cada
dia, dizendo: Daí ouvidos à minha voz. Mas não atenderam nem
inclinaram os seus ouvidos, antes andaram cada um segundo a dureza
do seu coração maligno.
Durante
vinte e três anos... tem vindo a mim a palavra do Senhor, e,
começando de madrugada, eu vo-la tenho anunciado; mas vós não
escutastes. Também, começando de madrugada, vos enviou o Senhor
todos os seus servos, os profetas, mas vós não escutastes, nem
inclinastes os vossos ouvidos para ouvir...
Viraram-me
as costas, e não o rosto; ainda que eu, começando de madrugada, os
ensinava, eles não deram ouvidos, para receberem a advertência.
Mesmo
depois de Jerusalém ter sido destruída por Nabucodozor e o
desventurado Jeremias, com relutância, Ter sido levado ao Egito,
continuou ele a advertir a seus compatriotas judeus quanto ao juízo
de Deus diante da perversidade do seu povo.
Todavia
começando eu de madrugada, lhes tenho enviado os meus servos , os
profetas, para lhes dizer: Não façais esta coisa abominável que
aborreço. Mas eles não obedeceram, nem inclinaram os ouvidos...
Este
princípio de juízo foi endossado pelo próprio Senhor Jesus:
“Quem
me rejeita e não recebe as minhas palavras tem quem o julgue; a
própria palavra que tenho proferido, essa o julgará no último
dia”.
E
a base do argumento do apóstolo Paulo nos primeiros capítulos de
sua cata aos Romanos é que todos os homens são culpados diante de
Deus precisamente porque todos possuem algum conhecimento - os judeus
por meio da lei de Deus escrita, e os gentios por meio da natureza e
da lei de Deus em seus corações - mas ninguém viveu de acordo com
esse conhecimento.
É
um pensamento solene o de que, com o nosso anti-intelectualismo,
tanto nos oponho como não nos incomodando com o ouvir a palavra de
Deus, poderemos estar preparando para nós o juízo do Deus
Todo-Poderoso.
Tentei
mostrar como a racionalidade humana tem uma importância fundamental
nas doutrinas básicas da criação, revelação, redenção e juízo.
Deus nos constituiu como seres que pensam; Ele nos tratou como tais,
comunicando-se conosco com palavras; ele nos renovou em Cristo e nos
deu a mente de Cristo; e nos considerará responsáveis pelo
conhecimento que temos.
Talvez
se comece a ver agora o mal que é essa disposição
anti-intelectualista, cultivada em alguns grupos cristãos. Não se
trata de uma verdadeira devoção, absolutamente; mas sim de uma
conformação a uma onda deste mundo, ou seja, trata-se de uma forma
de mundanismo.
Subestimar
a mente é soterrar doutrinas cristãs fundamentais. Deus nos criou
seres racionais; será justo negarmos a humanidade que Ele nos deu?
Deus conosco se comunicou; não procuraremos entender suas palavras?
Deus renovou nossa mente por intermédio de Cristo; não faremos uso
dela? Deus nos julgará por sua Palavra; não seremos prudentes,
construindo nossa casa sobre essa rocha?
Em
vista dessas doutrinas, não é de se surpreender a descoberta de
quantas ênfases a Escritura - tanto no Velho como no Novo Testamento
- coloca obtenção de conhecimento e sabedoria. No Antigo Testamento
Deus se queixava de que seu povo se comportava como “filhos
néscios, e não entendidos”, e declarava que “o meu povo está
sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento”. Toda a
literatura de sabedoria do Velho Testamento lhes fora dada para
enfatizar que apenas “os loucos aborrecem o conhecimento “ e que
somente o sábio é na verdade feliz, pois que tendo adquirido
sabedoria, possui algo “melhor do que o ouro” e mais precioso do
que pérolas”.
De
igual forma, no Novo Testamento uma boa parte das instruções dos
apóstolos foi dirigida no sentido de adquirirmos a sabedoria divina,
aplicando-a numa vida santa. “Reunindo toda vossa diligência”,
escreveu Pedro, “associai com a vossa fé a virtude; com a virtude
, o conhecimento...” “Expomos sabedoria entre os experimentados”,
escreveu Paulo, e prosseguiu censurando os coríntios pela
imaturidade que tinham. Eram ainda como bebês, disse, que
necessitavam de leite incapazes que eram de ingerir o alimento
sólido da sabedoria do alto.
Dessa
forma, o principal motivo das orações de Paulo com respeito às
jovens igrejas e seus membros era que crescessem em conhecimento e
que o Espírito Santo, o Espírito da verdade, exercesse o seu
ministério entre eles e com eles.
Para
os de Éfeso ele orou “que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o
Pai da glória, vos conceda espírito de sabedoria e de revelação
no pleno conhecimento dele, iluminando os olhos do vosso
entendimento, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento,
qual a riqueza da glória da sua herança nos santos, e qual a
suprema grandeza do seu poder para com os que cremos...
“Mais
adiante, nesta mesma carta, ele orou que “sejais fortalecidos com
poder, mediante seu Espírito no homem interior; e assim habite
Cristo nos vossos corações, pela fé, “Por que? Eis a razão:
“estando vós arraigados e alicerçados em amor, a fim de poderdes
compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento
, e a altura, e a profundidade , e conhecer o amor de Cristo que
excede todo entendimento , para que sejais tomados de toda plenitude
de Deus”.
Pelos
filipenses, orou: “que o vosso amor aumente mais e mais em pleno
conhecimento e toda a percepção, para aprovardes as coisas
excelentes e serdes sinceros e inculpáveis para o dia de Cristo,
cheios de frutos de justiça...
Pelos
colocensses, orou: “que transbordeis de pleno conhecimento da sua
vontade, em toda a sabedoria e entendimento espiritual; a fim de
viverdes de modo digno do Senhor , para o seu inteiro agrado,
frutificando em toda boa obra , e crescendo no pleno conhecimento de
Deus”.
A
repetição dos termos conhecimento, sabedoria, percepção e
entendimento é mesmo impressionante. Não resta dúvida que o
apóstolo considerava tais pontos a própria base da vida cristã.
A MENTE NA VIDA CRISTÃ
Estamos
agora em condições de considerar os motivos segundo os quais Deus
deseja que usemos nossas mentes. Não é o meu propósito aqui
argumentar pela aquisição de conhecimento “secular” ou de
“cultura”, mas sim tocar em seis esferas da vida cristã, cuja
realização seria impossível sem o uso adequado da mente.
Examinaremos o culto cristão, a fé cristã, a santidade cristã, a
direção cristã, a evangelização cristã e o ministério cristão,
nessa ordem.
O CULTO VERDADEIRO
Gosto
muito daquele caso que um ministro americano, o já falecido Dr.
Rufus M. Jones, costumava contar. Ele acreditava na importância do
intelecto na pregação. Porém um membro de sua congregação fez
objeção a essa ênfase e escreveu-lhe queixando-se:
“Quando
vou à igreja”, disse em sua crítica, “sinto-me como se tivesse
desenrolando a minha cabeça e a colocando por sob o assento , pois
numa reunião religiosa não tenho necessidade alguma de usar o que
se acha acima do meu colarinho!
“Prestar
culto dessa forma, sem fazer uso da mente, certamente é o que se
fazia na cidade pagã de Atenas, onde Paulo encontrou um altar
dedicado “ao deus desconhecido”. Mas essa forma de culto não
serve para os cristãos. O apóstolo não se sentira satisfeito em
deixar os atenienses em sua ignorância. Prosseguiu proclamando-lhes
a natureza e as obras do Deus que cultuavam na ignorância. Pois
sabia que somente o culto inteligente é aceitável por Deus, o
culto verdadeiro, o culto prestado por aqueles que conhecem a quem
adoram, e que o amam “de todo o entendimento”.
Os
salmos eram o grande hinário da igreja do Velho Testamento, e hoje
em dia ainda são cantados nos cultos cristãos. Neles temos, pois,
um meio de sabermos como deve ser o culto verdadeiro. A definição
básica de culto nos Salmos é “louvar o nome do Senhor”, ou
“tributar ao Senhor a glória devida ao eu nome”. E ao
inquirirmos o que significa o seu “nome”, verificaremos que é a
soma total de tudo o que ele é e fez.
Em
particular, ele é cultuado nos Salmos tanto como o Criador do mundo
como o Redentor de Israel, e os salmistas se comprazem em adorá-lo
dando uma lista enorme das obras de Deus, relativas à criação e à
redenção.
O
Salmo 104, por exemplo, expressa a incontável maravilha da sabedoria
e Deus em suas múltiplas obras no céu e na terra, na vida animal e
vegetal, entre as aves, os mamíferos e os “seres sem conta”
existentes em abundância nos mares e grandes oceanos.
O
Salmo 105, por outro lado, exalta um outro aspecto das “obras
maravilhosas” de Deus, a saber, o tratamento especial que dedicou
ao povo da sua aliança. Narra a história dos séculos, as
promessas e Deus a Abraão, Isaque e Jacó; sua providência para
com José do Egito, tirando-o da prisão para a honrosa posição de
grande senhor; seus atos poderosos feitos através de Moisés e
Arão, enviando as pragas e libertando o povo; sua provisão àquela
gente no deserto e o seu poder que fez com que herdassem a terra
prometida. O Salmo 106 repete em grande parte a mesma história, mas
enfoca desta vez a paciência de Deus com o seu povo, que vivia se
esquecendo de suas obras, desobedecendo suas promessas e se
rebelando contra seus mandamentos.
O
Salmo 107 louva a Deus pelo seu permanente amor, que vem de encontro
às necessidades de diferentes grupos de pessoas: de viajantes
perdidos no deserto, de prisioneiros desfalecendo em calabouços, de
enfermos à beira da morte, de navegantes apanhados numa grande
tempestade. Todos estes “na sua angústia clamaram ao Senhor e Ele
os livrou das suas tribulações”. Assim, “rendam graças ao
Senhor por sua bondade e por suas maravilhas para com os filhos dos
homens!
“Meu
último exemplo é o Salmo 136. Aqui o mesmo refrão litúrgico se
repete em cada versículo: “porque a sua misericórdia dura para
sempre”. E as chamadas para render graças ao Senhor por Sua
bondade começam com a Sua criação dos céus, da terra, do sol, da
lua e das estrelas, prosseguindo daí com a Sua redenção de Israel
do Egito, e com os reis amorreus, a fim de dar-lhes Sua terra em
herança.
Bastam
estes exemplos para mostrar que Israel não cultuava a Deus na forma
de uma divindade distante ou abstrata, mas como o Senhor da natureza
e das nações, como alguém que se revelara através de atos
concretos , criando e mantendo o seu mundo, redimindo e preservando
o seu povo. Israel tinha bons motivos para adorá-lo pela sua
bondade, por suas obras e por “todos os seus benefícios”.
A
estes poderosos feitos de Deus (o Deus criador e o Deus da aliança),
os cristãos acrescentam o ato de Deus mais poderoso do que todos os
demais: o nascimento, a vida, a morte e a glorificação de Jesus; o
seu Dom do Espírito Santo; e a sua nova criação, a Igreja.
Esta
é a história do Novo Testamento, e é por isso que tanto os textos
do Velho como do Novo Testamento, juntos, com uma exposição
bíblica, constituem hoje uma parte indispensável do culto cristão.
Somente
quando de novo ouvimos sobre o que Deus já fez encontramo-nos em
condições de retribuir-lhe com a nossa adoração e o nosso culto.
É também por este motivo que a leitura e a meditação da Bíblia
são uma parte muito importante na devoção pessoal do cristão.
Todo
culto cristão, seja ele público ou pessoal, deve ser uma resposta
inteligente à auto-revelação de Deus, por suas palavras, e suas
obras registradas nas Escrituras.
É
neste contexto que, de passagem, se pode fazer uma referência ao
“falar em outras línguas”. Qualquer que tenha sido a glossolalia
no Novo Testamento - se um Dom de línguas estanhas ou a expressão
de sons em êxtase - o certo é que as palavras eram ininteligíveis
a quem as proferia. Por isso mesmo foi que Paulo proibiu falar em
línguas em público, se não houvesse quem traduzisse ou
interpretasse; e desencorajou a sua realização ou devoção
pessoal, se a pessoa permanecesse sem entender o que dizia. Escreveu
ele: “Pelo que, o que fala em outra língua, ore para que a possa
interpretar. Porque, se eu orar em outra língua, o meu espírito ora
de fato, mas a minha mente fica infrutífera. Que farei, pois?
Orarei com o espírito, mas também orarei com a mente...
“Noutras
palavras, Paulo não podia admitir nenhuma oração, nenhum culto,
em que a mente permanecesse estéril ou inativa. Ele insistiu que em
todo culto verdadeiro a mente tem de ser completamente empenhada, de
modo a dar frutos. O prazer dos coríntios para com o culto
ininteligível era algo infantil. Quanto ao mal, disse-lhes para
serem como crianças e inocentes o quanto fosse possível, mas
acrescentou: “no modo de pensar, sejam adultos”.
O
culto cristão não será perfeito senão no céu, pois até então
conheceremos a Deus como Ele é, e daí somente então teremos
condições de adorá-lo de maneira própria.
FÉ: UMA CRENÇA ILÓGICA NO QUE NÃO SE PODE PROVAR?
Quisera
saber se há outra virtude cristã mais mal compreendida do que a
fé. Comecemos com dois aspectos negativos.
Primeiro,
fé não é credulidade. O americano H.L. , Menvhekn, crítico
anti-sobrenaturalista do cristianismo, certa vez afirmou que “a fé
pode ser definida concisamente como sendo uma crença ilógica na
ocorrência do improvável”. Mas Mecken errou: Fé não é
credulidade. Ser crédulo é ser ingênuo, completamente desprovido
de qualquer crítica, sem discernimento, até mesmo irracional, no
que crê. Porém é um grande erro supor que a fé e a razão são
incompatíveis. A fé e a visão são postas em oposição, uma à
outra, nas Escrituras, mas nunca a fé e a razão. Pelo contrário,
a fé verdadeira é essencialmente racional, porque se baseia no
caráter e nas promessas de Deus. O crente em Cristo é alguém cuja
mente medita e se firma nessas certezas.
Em
segundo lugar, fé não é otimismo. Nisso é que parece que Normam
Vicent Peale se confundiu. Muito do que ele escreveu é certo.
Sua
convicção básica refere-se ao poder da mente humana. Ele cita
William James, que disse que “a maior descoberta desta geração é
saber que os homens podem mudar suas vidas alterando suas atitudes
mentais” e Ralph Waldo Emerson, “o homem é o que pensa durante
todo o dia”. Assim, o Dr. Peale desenvolve sua tese sobre o
pensamento positivo, o qual ele acaba por igualar (erradamente) com
a fé. O que é precisamente essa “fé pela qual advoga?” Seu
primeiro capítulo do livro O Poder do Pensamento Positivo tem o
significativo título de “Tenha Confiança em Si Mesmo”.
No
capítulo 7 (“Espere sempre o Melhor e Consiga-o”) ele faz uma
sugestão que garante que dará certo. Leia o Novo Testamento, diz
ele, destaque “uma dúzia de conceitos sobre a fé, os que mais
gostar”, e procure memorizá-los. Que esses conceitos de fé
permeiem sua mente consciente. “Repita-os muitas vezes”. Eles se
impregnarão em seu subconsciente e esse processo o transformará num
crente”. Até que isto parece ser algo promissor. Mas, espere um
pouco. Quando a Bíblia se refere ao “escudo da fé”, prossegue
ele, ela está ensinando uma “técnica de força espiritual”, a
saber, “fé, crença, pensamento positivo, fé na vida. Esta é a
essência da técnica que ela ensina”. O Dr. Peale prossegue
citando alguns versículos maravilhosos, tais como “se podes! Tudo
é possível ao que crê”; “se tiverdes fé ... nada vos será
impossível”, e “faça-se-vos conforme a vossa fé”. Mas,
então ele estraga tudo, ao explicar este último texto da seguinte
maneira: “de acordo com a fé que você tiver em si mesmo, em seu
emprego, em Deus, é o que terá e não mais do que isso”.
Estas
citações bastam para mostrar que o Dr. Peale aparentemente não
faz nenhuma distinção entre a fé em Deus e a fé em si mesmo. De
fato, o que ele demonstra é não se preocupar absolutamente com o
objeto da fé. Ele recomenda, como parte de seu sistema de acabar
com as preocupações, que a primeira coisa a fazer todas as manhãs,
ao acordarmos e antes de nos levantarmos, é dizer em voz alta “eu
creio!” três vezes; mas ele não nos diz em que devemos estar
afirmando que cremos com tanta confiança e insistência. As últimas
palavras de seu livro são simplesmente “tenha, pois, fé, e
viverá feliz”. Mas fé em que? Crer em quem? Para o Dr. Peale a fé
não passa de mais uma palavra para exprimir autoconfiança, ou um
exagerado e não fundamentado otimismo. Ouvi dizer que o Dr. Peale
mudou seu ponto-de-vista depois de Ter escrito este livro, mas o
livro acha-se ainda em circulação, e sendo lido. E nesse livro
parece estar bem claro que o seu pensamento positivo é, no fim das
contas, meramente um sinônimo para “fé naquilo que a gente quer
que seja verdade”.
O
mesmo se pode dizer com relação ao Sr. W. Clement Stone, o
filantropista e fundador de “Atitudes Mentais Positivas”. “De
simples homens comuns fazemos super-homens”, diz ele, pois
desenvolveu “a técnica de vendas para acabar com todas as
técnicas de vendas”. Porque “você pode até mesmo vender-se a
si próprio, recitando da mesma maneira como fazem os vendedores da
AMP todas as manhãs: “estou contente, tenho saúde, sou o máximo!
“Mas
a fé cristã é bem diferente do “pensamento positivo” de Peale
e das “atitudes mentais positivas” de Stone. Fé não é
otimismo.
Fé
é uma confiança racional, uma confiança que, em profunda reflexão
e certeza, conta o fato de que Deus é digno de todo crédito.
Por
exemplo, quando Davi e seus homens voltaram a Zicagle, antes dos
filisteus terem matado Saul na batalha , um terrível espetáculo os
aguardava. Na sua ausência os amalequitas tinham saqueado a sua
aldeia, incendiando as suas casas e levado cativas as suas mulheres
e crianças.
Davi
e seus homens choraram “até não terem mais forças para chorar”
e então, na sua amargura, o povo cogitou de apedrejar a Davi. Era
uma crise séria e Davi facilmente poderia Ter-se deixado cair no
desespero.
Mas,
em vez disso, lemos que “Davi se reanimou no Senhor seu Deus”.
Esta
era uma fé verdadeira. Ele não fechou seus olhos aos fatos. Nem
tentou criar sua própria autoconfiança, ou dizer a si mesmo que se
sentia realmente muito bem. Não. Ele se lembrou do Senhor seu Deus,
o Deus da criação, o Deus da aliança, o Deus que prometeu ser o
seu Deus e colocá-lo no trono de Israel. E à medida em que Davi se
recordava das promessas e da fidelidade de Deus, sua fé crescia e se
fortificava. Ele “se reanimou no Senhor seu Deus”.
Assim,
pois, a fé e o pensamento caminham juntos, e é impossível crer
sem pensar. CRER É TAMBÉM PENSAR!
O
Dr. Lloyd-Jones deu-nos um excelente exemplo neotestamentario desta
verdade no comentário que fez de Mateus 6:30 em seus Studies in the
Sermon on the Mount (Estudos sobre o Sermão da Montanha): “Ora, se
Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é
lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé”?
A
fé, de acordo com o ensinamento do nosso Senhor neste parágrafo, é
basicamente o ato de pensar, e todo o problema de quem tem uma fé
pequena é não pensar. A pessoa permite que as circunstâncias lhe
oprimam... temos de dedicar mais tempo ao estudo das lições de
nosso Senhor sobre a observação e dedução. A Bíblia está
repleta de lógica, e seja algo meramente místico. Nós não nos
sentamos simplesmente numa poltrona, permanecendo à espera de que
coisas maravilhosas nos aconteçam. Isso não é fé cristã. A fé
cristã é, em sua essência, o ato de pensar. Olhem para os
pássaros, pensem neles, e façam suas deduções.
Vejam
os campos, vejam os lírios silvestres, considerem essas coisas...
A
fé , se quiserem, pode ser definida assim: É insistir em pensar
quando tudo parece estar determinado a nos oprimir e a nos pôr por
terra, intelectualmente falando. O problema com as pessoas de
pequena fé é que elas , ao invés de controlarem seus próprios
pensamentos, os seus pensamentos é que são controlados por alguma
circunstância e, como se diz, elas passam a rodar em círculos.
Isso é a essência da preocupação...Isso não é pensamento; isso
é ausência completa de pensamento, é não pensar.
Antes
de deixar este assunto, que trata do que compete à mente na fé
cristã, gostaria tão somente de abordar as duas ordenanças do
Evangelho: o batismo e a ceia do Senhor. Pois ambas são símbolos
cheios de significado, destinados a trazer bênçãos aos cristãos,
despertando-lhes a fé nas verdades que simbolizam. Consideremos a
ceia do Senhor, por exemplo. Em seu aspecto mais simples, é uma
visível dramatização da morte do Salvador pelos pecadores. É uma
recordação racional daquele evento. Nossas mentes têm que
trabalhar em torno do seu significado e apropriar-se da certeza que
nos oferece. O próprio Cristo fala-nos através do pão e do vinho.
“Morri por vós”, diz ele, e ao recebermos sua palavra, ela deve
trazer a paz a nossos corações culposos.
Desta
forma, Thomas Cranmer escreveu que a ceia do Senhor “foi ordenada
com este propósito, que toda pessoa dela participando, no comer e
no beber, se lembre de que Cristo morreu a seu favor, e exercite sua
fé, confortando-se na lembrança dos benefícios que Cristo lhe
propiciou”.
A
segurança cristã é a “plena certeza da fé”. E se a certeza de
corre da fé, a fé decorre do conhecimento , do seguro conhecimento
de Cristo e do Evangelho. Como o expressou o bispo J.C. Ryle: “Uma
grande parte de nossas dúvidas e de nossos temores provém de
sombrias percepções do que seja a real natureza do Evangelho de
Cristo... a raiz de uma religião feliz é um claro , preciso e bem
definido conhecimento de Jesus Cristo”.
A BUSCA DA SANTIDADE
Muitos
dos segredos da santidade nos são revelados nas páginas da Bíblia.
De fato, um dos objetivos principais da Escritura é mostrar ao povo
de Deus como levar uma vida que lhe seja digna e que lhe agrade.
Porém um dos aspectos mais negligenciados na busca da santidade é
a parte que compete à mente, conquanto o próprio Jesus tenha posto
o assunto fora de qualquer dúvida quando prometeu: “conhecereis a
verdade, e a verdade vos libertará”. É mediante a sua verdade
que Cristo nos liberta da escravidão do pecado. De que forma? Onde
se encontra o poder libertador da verdade?
Para
começarmos, precisamos Ter um quadro bem claro do tipo de pessoa que
Deus pretende que sejamos. Temos de conhecer a lei moral de Deus e os
mandamentos. Como o expressou John Owen: “o bem que a mente não é
capaz de descobrir, a vontade não pode escolher, nem as afeições
podem se apegar”... Portanto, “na Escritura o engano da mente
comumente se apresenta como o princípio de todo pecado”.
O
melhor exemplo disso pode-se encontrar na vida terrena do nosso
Salvador. Por três vezes o diabo aproximou-se dele e o tentou no
deserto da Judéia. Nas três vezes Ele reconheceu se má a sugestão
que lhe fizera Satanás e contrária à vontade de Deus. Três vezes
Ele se opôs à tentação com a palavra grega ptai:
“está escrito”. Jesus não deu margem a qualquer discussão ou
argumentação. A questão já estava decidida, logo de partida, em
sua mente. Pois a Escritura estabelecera o que é certo. Este claro
conhecimento bíblico da vontade de Deus é o segredo básico de uma
vida reta.
Não
basta sabermos o que deveríamos ser, entretanto. Temos de ir mais
além, resolvendo, em nossas mentes, a alcançá-la. A batalha é
quase sempre ganha na mente. É pela renovação de nossa mente que
nosso caráter e comportamento se transformam. Assim é que,
seguidamente, a Escritura nos exorta a uma disciplina mental nesse
sentido. “Tudo o que é verdadeiro”, diz ela, “tudo o que
respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é de boa fama, se
alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o
vosso pensamento”.
De
novo: “Se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as
coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus.
Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra;
porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente com Cristo,
em Deus.
De
novo ainda: “Os que se inclinam para a carne cogitam das coisas da
carne; mas os que se inclinam para o Espírito, das coisas do
Espírito. Porque o pendor da carne dá para a morte, mas o do
Espírito , para a vida e paz”.
O
autocontrole é, antes de tudo, o controle da mente. O que semeamos
em nossas mentes, colhemos em nossas ações. “Ler É Viver” foi
o lema de uma recente campanha publicitária. É um testemunho do
fato de que a vida não consiste apenas em trabalhar, comer, dormir.
A mente tem de ser também alimentada. E o tipo de comida que nossas
mentes receberem determinará que tipo de pessoa seremos. Mentes
sadias têm um apetite sadio. Temos de satisfazê-las com alimento
saudável, e não com drogas e venenos intelectuais perigosos.
Há,
entretanto, uma outra espécie de disciplina mental a que somos
convocados no Novo Testamento. Temos que considerar não somente o
que deveríamos ser, mas também o que, pela graça de Deus, já
somos.
Devemos
constantemente nos lembrar do que Deus já fez por nós, e dizer a
nós mesmos: “Deus uniu-me com Cristo em sua morte e ressurreição,
e assim acabou com a minha velha vida e me deu uma vida
completamente nova em Cristo. Adotou-me em sua família e me fez seu
filho. Pôs em mim seu Espírito Santo, fazendo de meu corpo seu
templo. Também tornou-se seu herdeiro e prometeu-me um destino
eterno, consigo, no céu. Isto é o que Ele fez para mim e em mim.
Isto é o que sou em Cristo”.
Paulo
não se cansa de nos incitar a que deixemos nossas mentes pensar
nessas coisas. “Quero que saibais”, ele escreve. “Porque não
quero, irmãos, que ignoreis...”E cerca de dez vezes em suas
cartas aos Romanos e Coríntios ele profere esta pergunta incrédula:
“Não sabeis...” “Não sabeis que todos os que fomos batizados
em Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte?” Não sabeis que
daquele a quem vos ofereceis como servos para obediência, desse
mesmo a quem obedeceis sois servos...? “Não sabeis que sois
santuários de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?”
“Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo?
A
intenção do apóstolo nesta enxurrada de perguntas não é apenas
fazer-nos sentir envergonhados por nossa ignorância. É antes fazer
com que nos dizem respeito, as quais de fato nos são bem
conhecidas; e que falemos entre nós sobre elas até o ponto em que
se apoderem de nossas mentes e moldem o nosso caráter. Não se
trata do otimismo de autoconfiança de Norman Vicent Peale, cujo
método procura conseguir que façamos de conta que somos algo que
não somos. O método de Paulo é nos lembrar do que realmente
somos, porque assim nos fez Deus em Cristo.
A DIREÇÃO DADA AO CRISTÃO
É
um fato incontestável que Deus quer dirigir o seu povo, e que Ele
disse é capaz. Isso é o que a Escritura nos ensina; em Suas
promessas (por exemplo, Prov. 3:6.”Ele endireitará as tuas
veredas”), em Seus mandamentos (por exemplo, mas procurai
compreender qual a vontade do Senhor”); e em suas orações (por
exemplo, Col. 4:12:...”que vos conserveis perfeitos e plenamente
convictos em toda a vontade de Deus”).
Mas
como descobrirmos a vontade de Deus? Há crentes que afirmam, com
certa facilidade, que “o Senhor me disse para fazer isto” ou “o
Senhor me chamou para fazer aquilo”, como se tivessem uma linha
direta com o céu e estivessem em permanente e direta comunicação
telefônica com Deus. Acho difícil acreditar em tais pessoas.
Outros há que pensam receber minuciosa direção de Deus fazendo as
mais imaginativas interpretações de passagens bíblicas, matando o
sentido natural, violando o contexto e não tendo uma base numa
exegese segura, nem no senso comum.
Se
queremos discernir a vontade de Deus para conosco, devemos começar
fazendo uma distinção importante: sua vontade “geral” e sua
vontade “particular”. A vontade “geral” de Deus assim pode
ser chamada por ser sua vontade para com todo o seu povo em geral,
em todas as épocas; ao passo que, a vontade “particular” de
Deus assim pode ser referida por ser sua vontade para com pessoas em
particular e em ocasiões específicas. A vontade geral de Deus para
conosco é que nos conformemos à imagem de seu Filho. A vontade
particular de Deus, por outro lado, refere-se a questões tais como
a escolha da profissão; a escolha do companheiro ou companheira na
vida; e como empregar nosso tempo, nosso dinheiro e nossas férias.
Uma
vez feita essa distinção, achamo-nos em condições de repetir e
responder aquela nossa pergunta sobre como descobrirmos a vontade de
Deus . Pois a vontade geral de Deus foi revelada nas Escrituras. Não
que seja sempre fácil discernir Sua vontade nas complexas situações
éticas modernas. Precisamos Ter princípios seguros para a
interpretação bíblica. Precisamos estudar, discutir e orar. Não
obstante, continua sendo verdade, no que se refere à vontade geral
de Deus, que a vontade para com o Seu povo encontra- se na Palavra de
Deus.
A
vontade particular de Deus, por outro lado, não se encontra “pronta”
na Escritura, pois a Bíblia não se contradiz, e é uma
característica da vontade particular de Deus que ela seja diferente
para diferentes membros da sua família. É claro que encontramos
nas Escrituras princípios gerais que nos orientam na tomada de
nossas decisões em particular. E não nego que muitos homens de
Deus, pelos séculos a fora, afirmaram Ter recebido das Escrituras
uma direção detalhada. Todavia, devo repetir que está não é a
forma de como deus costumeiramente procede.
Considere,
por exemplo, a questão do casamento. A Escritura lhe dará uma
direção em termos gerais. Ela lhe dirá que o casamento está nos
planos de Deus, e que uma vida de solteiro deve ser a exceção, não
a regra; que um dos objetivos principais do casamento é o
companheirismo, e essa é uma das qualidades a ser procurada na
pessoa com que se casar; que como cristão você tem a liberdade de
se casar somente com quem seja também crente em Jesus; e que o
casamento (o compromisso total e permanente de um homem com uma
mulher) é o contexto ordenado por Deus no qual a união e o amor
sexual devem ser desfrutados. Estas e outras verdades vitais acerca
da vontade geral de Deus para com o casamento, a Escritura lhe
mostrará. Mas a Bíblia não lhe dirá se é a Clara, a Mara , a
Sara ou a Nara aquela com quem você deverá se casar!
Como
então tomar uma decisão a respeito desta importantíssima questão?
Há somente uma resposta possível: usando a mente e o senso comum
que Deus lhe deu. Você certamente orará pedindo a direção de
Deus.
E
se você for sábio, pedirá o conselho de seus pais e de outras
pessoas mais velhas que o conhecem bem. Mas a decisão final é sua,
na confiança de que Deus o guiará no seu próprio raciocínio.
Há
uma boa base bíblica, no Salmo 32:8-9, para o uso da mente dessa
forma. Estes dois versículos devem ser lidos em conjunto. Eles nos
dão um bom exemplo do equilíbrio que há na Bíblia. O versículo
8 contém uma promessa quanto à direção de Deus: “Instruir-te-ei
e te ensinarei o caminho que deves seguir; e sob as minhas vistas ,
te darei conselho”. É, com efeito, uma tríplice promessa:
“instruir-te-ei,” “ensinar-te-ei,” e “dar-te-ei conselho”.
Mas o versículo 9 acrescenta imediatamente: “Não sejais como o
cavalo ou a mula, sem entendimento, os quais com freios e cabrestos
são dominados; de outra sorte não te obedecem”. Em outras
palavras, embora deus prometa nos guiar, não devemos esperar que o
faça tal como guiamos cavalos e mulas. Deus não porá um freio nem
uma rédea em nós; pois não somos cavalos nem mulas: somos seres
humanos. Temos entendimento, o que mulas e cavalos não têm.
É,
pois, pelo uso de nosso próprio entendimento, iluminados pela
Escritura e pela oração, recebendo o conhecimento de amigos, que
Deus nos guiará para conhecermos sua vontade particular para nós.
É
urgente atentarmos a essa advertência da Escritura. Já vi muitos
jovens cristãos cometerem erros sérios e tolos por agirem sob algum
impulso irracional ou “por palpite”, em vez de se valerem
poderiam fazer suas as palavras de Bernard Baruch: “Todos os
fracassos que tive, todos os erros que cometi, todas as tolices que
já vi por aí, tanto na vida pública como na particular , foram a
conseqüência de uma ação não pensada.”.
A APRESENTAÇÃO DO EVANGELHO
Em
Romanos 10 Paulo argumenta convincentemente a favor da necessidade de
se pregar o Evangelho para que as pessoas se convertam.
Os
pecadores são salvos, diz ele, por invocarem o nome do Senhor Jesus.
Isso
é muito claro. Mas como invocarão àquele em quem não creram? E
como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão a
respeito deles se não há quem pregue? Ele concluiu o seu argumento
dizendo:
“Assim
, a fé vem pela pregação e a pregação, pela palavra de Cristo”.
No
seu argumento está implícito que nossa proclamação do Evangelho
tem de Ter um conteúdo sólido. É nossa responsabilidade apresentar
de forma completa a pessoa divina e humana de Jesus Cristo, e sua
obra de salvação , de modo que por meio desta “pregação de
Cristo” Deus desperte a fé no ouvinte. Tal pregação
evangelística está longe de sua trágica caricatura, tão comum
hoje em dia, a saber: um apelo emocional e anti-intelectual por
“decisões”, quando os ouvintes têm apenas uma confusa noção
sobre o que devam se decidir e por quê.
Convide-o
a considerar o lugar da mente da evangelização, dando-lhe duas
razões do Novo Testamento para uma proclamação do evangelho, que
faça uso da mente.
A
primeira é tirada do exemplo dos apóstolos. Paulo resumiu o seu
próprio ministério evangelístico com as simples palavras
“persuadimos aos homens”. Pois bem, a “persuasão” é um
exercício intelectual. “Persuadir” é dispor argumentos de
forma a prevalecer sobre as pessoas, fazendo-as mudar de idéia com
respeito a alguma coisa. E o que Paulo declara fazer é ilustrado
por Lucas nas páginas de Atos. Ele nos diz , por exemplo, que por
três semanas na sinagoga em Tessalônica Paulo “dissertou entre
eles , acerca das Escrituras, expondo e demonstrando Ter sido
necessário que o Cristo padecesse e ressurgisse dentre os mortos”
e dizendo “este é o Cristo, Jesus , que eu vos anuncio”. O
resultado, Lucas acrescenta, foi que “alguns deles foram
persuadidos”. Pois bem, todos os verbos que Lucas emprega aqui,
descrevendo o ministério evangelístico de Paulo - disserta , expor,
demonstrar, anunciar e persuadir - são , até certo ponto, verbos
“Intelectuais”. Indicam que Paulo ensinava um corpo de doutrina
e dissertava em direção a uma conclusão. Seu objetivo era
convencer para converter. E o fato de que depois de uma campanha,
muitas vezes dizemos “graças a Deus alguns se converteram”, é
um sinal de que fugimos um pouco do vocabulário neotestamentário.
Seria igualmente bíblico, se não mais, dizermos “graças a Deus
alguns foram persuadidos”. Pelo menos isso foi o que Lucas disse
depois da missão de Paulo em Tessalônica.
As
longas permanências de Paulo em algumas cidades, notadamente em
Éfeso, é explicável pela natureza persuasiva de sua pregação do
evangelho. Nos três primeiros meses que lá passou Paulo freqüentou
a sinagoga, onde “falava ousadamente, dissertando e persuadindo ,
com respeito ao reino de Deus”. Depois apartou-se da sinagoga
“passando a discorrer diariamente na escola de Tirano” local que
possivelmente teria sido um salão de conferência secular, alugado
por ele para esse fim. Alguns manuscritos acrescentam que suas
palestras iam da hora Quinta a décima, ou seja, das onze da manhã
às quatro da tarde. E “durou isto”, Lucas nos informa, “por
espaço de dois anos”. Admitindo que Paulo trabalhasse seis dias
por semana , as cinco horas diárias em que passava pregando
persuasivamente o evangelho totalizando cerca de 3.120 horas. Não é
de se surpreender, ainda, que, em conseqüência, Lucas diz: “todos
os habitantes da Ásia ouviram a palavra do Senhor”.
Quase
todo o mundo certamente teria que passar por lá, mais cedo ou mais
tarde, por causa de alguma compra, ou para consultar um médico, ou
um advogado ou um político, ou ainda para visitar um parente. E,
evidentemente, um dos atrativos da cidade era ir ouvir o pregador
cristão Paulo. Podia-se ouvi-lo a qualquer dia. Muita gente foi
vê-lo, e foi persuadida da verdade de sua mensagem, voltando
nascidos de novo às suas vilas de origem. Assim a palavra de Deus
espalhou-se por toda a província.
A
Segunda evidência que o Novo Testamento nos dá de que a
evangelização deve ser uma proclamação da boa nova fazendo uso do
raciocínio é que a conversão, não poucas vezes, é descrita em
termos da resposta de alguém não a Cristo propriamente, mas à
“verdade”. Tornar-se cristão é “crer na verdade”, “obedecer
à verdade”, “reconhecer a verdade”. Paulo chega até a
referir-se a seus leitores romanos dizendo “viestes a obedecer de
coração á forma de doutrina a que fostes entregues”. É
evidente, por essas expressões, que, ao pregarem a Cristo, os
evangelistas da igreja primitiva ensinavam um corpo de doutrina
acerca de Cristo.
Há ,
porém, objeções a esta minha tese quanto ao evangelismo.
Primeiramente,
pode-se perguntar , essa evangelização racional que advogo não
estará a serviço do orgulho intelectual das pessoas?
Certamente
isso é possível. Temos que nos precaver contra esse perigo.
Ao
mesmo tempo há uma diferença substancial entre adular a vaidade
intelectual de alguém (o que não devemos fazer) e respeitar sua
integridade intelectual (o que temos de fazer).
Em
segundo lugar, essa apresentação do evangelho com persuasão
intelectual não faz discriminação, impedindo que as pessoas de
baixo nível cultural recebam o evangelho? Não, não faz. Ou, pelo
menos, não deveria fazer. Assim como Paulo, somos compromissados ou
“somos devedores”, tanto a sábios como a ignorantes”. O
evangelho é para todos, independentemente do nível de escolaridade.
E o tipo de evangelização que defendo, que apresenta Jesus Cristo
em sua plenitude, é importante a toda classe de pessoa, sejam
crianças ou adultos, cultas ou incultas, indígenas do Amazonas ou
intelectuais da universidade. É que a apresentação por esta forma
de evangelização não é uma apresentação acadêmica (calcada em
termos filosóficos ou num vocabulário complicado), mas sim
racional. E as pessoas de baixo nível cultural respondem à razão
da mesma forma que as doutas. Suas, mentes talvez não tenham sido
exercidas a pensar de uma maneira determinada, e é certo que
deveríamos observar a diferença que Marshall McLuhan e seus
seguidores fazem, distinguindo o pensamento linear do não- linear.
De qualquer forma, aquelas pessoas ainda pensam. Todos ser humano
pensa, pois Deus criou o homem como um ser pensante. O ensinamento do
próprio Jesus, embora maravilhosamente simples, certamente fez com
que seus ouvintes pensassem. Ele lhes apresentou verdades importantes
acerca de Deus e do homem, sobre si mesmo e o Reino, sobre esta vida
e a próxima.
E
com freqüência terminava suas parábolas com uma incomodativa
pergunta, forçando seus ouvintes a tomarem uma decisão com
respeito ao ponto em discussão.
Nosso
dever então é evitar distorcer ou diluir o evangelho, e, ao mesmo
tempo, apresentá-lo de forma bem clara, manejando bem a palavra da
verdade, de forma que as pessoas venham a aceitá-la, para não
acontecer conforme as palavras de Jesus: “a todos os que ouvem a
palavra do Reino e não a compreendem, vem o maligno e arrebata o
que lhes foi semeado no coração”. Creio que ás vezes são as
nossas explicações “por alto” que dão ao diabo precisamente
esta oportunidade, que nunca se lhe deveria dar.
Em
terceiro lugar, a pregação do evangelho com argumentação racional
não usurpa o trabalho do Espírito Santo, fazendo com que na
prática o dispensemos? Bem, é claro que sem o poder do Espírito
Santo a evangelização é impossível. Todavia, é um grande erro
pensar que é uma característica da autoconfiança ou da falta de fé
dar um conteúdo de doutrina às boas novas, e valer-se de
argumentos para demonstrar a verdade e a relevância do evangelho; e
que basta Ter mais fé no Espírito Santo para podermos omitir toda
doutrina e argumentação. Na verdade o contrário disso é que é
certo. É uma falsa antítese essa a de se contrapor ao Espírito
Santo a apresentação do evangelho que faça uso da razão.
O
que Paulo renunciara, disse ele aos coríntios, fora a sabedoria do
mundo (como matéria de sua mensagem) e a retórica dos gregos (como
método de apresentação). Em vez da sabedoria deste mundo, resolveu
pregar a Cristo, este crucificado; no lugar da retórica, optou por
confiar no poder do Espírito Santo. Mas Paulo ainda se valia da
doutrina e da argumentação.
Gresham
Machen expressou admiravelmente esta questão em seu livro The
Christian Faith in the Modern World (A Fé Cristã no Mundo Moderno):
“O misterioso trabalho do Espírito Santo tem mesmo que acontecer
no novo nascimento”, escreveu. “Do contrário, todos os nossos
argumentos são completamente inúteis. Mas não podemos concluir
que os argumentos sejam desnecessários, pelo simples fato de serem
insuficientes. O que o Espírito Santo faz no novo nascimento não é
transformar a pessoa num cristão sem dar atenção à evidência,
mas, pelo contrário, dissipar a névoa de seus olhos, de forma que
possa ver e responder à evidência.
Wolfhart
Pannenberg, o jovem professor de Teologia Sistemática de Munique,
escreveu algo similar em seu livro “Basic Questions in Theology”
(“Questões Teológicas Fundamentais”): “Uma mensagem não
convincente , como alternativa, não é capaz de alcançar o poder
de convencer simplesmente apelando ao Espírito Santo... A
argumentação e a operação do Espírito não são mutuamente
exclusivas. Ao confiar no Espírito, Paulo de forma alguma
dispensou-se de pensar e argumentar”.
Assim,
pois , em nossa proclamação do evangelho, temos que nos dirigir à
pessoa toda (mente, coração e vontade) com o evangelho todo (Cristo
encarnado, crucificado, ressurreto, soberano, sua Segunda vinda e
muito mais ainda). Deveremos argumentar com sua mente e apelar
fervorosamente a seu coração para que mova a sua vontade, estando
nossa confiança depositada no Espírito Santo do começo ao fim.
Não nos é dada a liberdade de apresentar Cristo parcialmente (como
homem mas não como Deus, sua vida e não sua morte, sua cruz mas
não sua ressurreição, como Salvador mas não como Senhor). Nem
ainda temos o direito de pedir uma resposta parcial (da mente mas
não do coração, do coração mas não da mente, ou da mente ou do
coração mas não da vontade). Não. Nosso objetivo é ganhar o
homem todo para o Cristo total, e para isso é necessário o
completo consentimento de sua mente, coração e vontade.
Oro
insistentemente que Deus levante hoje uma nova geração de
apologistas cristãos, pessoas que comuniquem a mensagem cristã,
tendo uma absoluta fidelidade ao evangelho bíblico, e uma
inabalável confiança no poder do Espírito , combinada com um
entendimento profundo e sensível às alternativas contemporâneas
do evangelho; pessoas que se relacionem com as demais com
vivacidade, ardor, autoridade e propriedade, pessoas que façam us9
de suas mentes para ganharem outras mentes para Cristo.
O MINISTÉRIO E SEUS DONS
Meu
sexto e último exemplo quanto ao lugar da mente é o ministério
cristão. Temos que usar nossa mente qualquer que seja o ministério,
mas especialmente no ministério ordenado ou pastoral da igreja.
Hoje
em dia há um renovado interesse no tema do ministério e nos
carismata (dons do Espírito) que qualifiquem e dão condições ao
povo de Deus para exercer o seu ministério. Todos os dons
espirituais (e são muitos) destinam-se a algum tipo de ministério.
São dados para serem exercidos “visando um fim proveitoso”,
tendo como propósito edificar a igreja, o corpo de Cristo, de forma
a crescer até a maturidade. Os dons que mais devem ser procurados e
apreciados, portanto, são os dons do ensino, já que é por meio
deles que a igreja é mais “edificada”.
Este
Dom do ensino é, sem dúvida , necessário aos presbíteros, que tem
cuidado pastoral para com a igreja local. Vamos abordar rapidamente
tanto a natureza de seu ministério como também as qualificações
que lhes são necessárias.
O
ministério “pastoral” é essencialmente um ministério de
“ensino”. Vou esclarecer isso. O ministro é um pastor,
designado por Cristo, o Sumo Pastor, para cuidar de parte do seu
rebanho, tendo em particular a responsabilidade de alimentar as
ovelhas (ou seja , ensiná-las).
Assim,
pois, o apóstolo Paulo podia dizer aos presbíteros-bispos da
igreja em Éfeso: “Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o
qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a
igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue’.
E
o apóstolo Pedro, que por três vezes fora pessoalmente comissionado
pelo Senhor ressurreto a cuidar ou alimentar suas ovelhas e
cordeirinhos, mais tarde escreveu a outros presbíteros dizendo:
“Pastoreai
o rebanho de Deus que há entre vós...”
“Deixando
de lado a metáfora do pastor, a maior responsabilidade dos
presbíteros locais é: “apresentar todo homem perfeito em Cristo”.
E,
para alcançar este objetivo, devem proclamar a Cristo em sua
plenitude, “advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em
toda a sabedoria”. É pelo conhecimento de Cristo, tal como o
apresentam as Escrituras e o proclama o ministério, que os cristãos
alcançam maturidade espiritual.
As
qualificações para o ministério são consistentes com sua
natureza. Todo candidato ao ministério pastoral ou ao presbiterato
deve possuir tanto a fé bíblica como o Dom de ensiná-la. Deve ser
ortodoxo. “Apegado à palavra fiel que é segundo a doutrina
(literalmente: segundo o didaquê, ou o ensino dos apóstolos), de
modo que tenha poder assim para exortar pelo reto ensino como para
convencer os que contradizem”. Deve ser ainda “apto para
ensinar”. Esta são duas qualificações que lhe são
indispensáveis. Deve ser fiel à didaquê e ser didaktikos, um
professor que sabe transmitir e que tem o reto ensino.
Isso
o obrigará a estudar , tanto em sua preparação ao ministério como
durante o seu exercício. É impressionante que aos que querem se
recomendar a si próprios como ministros de Deus, Paulo escreve,
devem fazê-lo não somente através de sua paciência nas
tribulações, nem somente através de sua pureza, privação,
bondade e amor, mas também através de seu saber.
Sou
muito grato ao Dr. Billy Graham por ouvi-lo dizer, numa preleção
em Londres dirigida a cerca de 600 ministros, em novembro de 1970,
que se tivesse que recomeçar o seu ministério de novo, estudaria
três vezes do que estudou. “Tenho pregado muito e estudado tão
pouco”, disse ele. No dia seguinte ele me contou uma afirmativa
feita pelo Dr. Donald Barnhouse: “Se me fossem dados apenas três
anos para servir ao Senhor, passaria dois desses três anos
estudando e me preparando”.
Eu
mesmo estou cada vez mais ansioso por ver Deus chamar, nos dias de
hoje, mais pessoas para este ministério do ensino; pessoas com
mentes atentas, convicções bíblicas e aptidão para ensinar;
colocando-as nas cidades grandes e importantes, e nas cidades
universitárias deste mundo; de forma que , à semelhança de Paulo
na escola de Tirano em Éfeso, nesses lugares exerçam um ministério
de ensino sistemático e persuasivo, expondo as velhas Escrituras e
aplicando-as ao mundo moderno; e que tal ministério fiel, debaixo
da boa mão de Deus, não somente conduza sua própria congregação
até o ponto da maturidade em Cristo, mas também espalhe sua bênção
por toda parte, através dos visitantes que por pouco tempo venham a
receber sua influência.
APLICANDO O NOSSO CONHECIMENTO
No
começo deste livrinho mencionei o risco de se cair no extremo
oposto, ou seja, o perigo de uma reação exagerada, passando-se de
um estéril anti-intelectualismo a um super-intelectualismo
igualmente estéril. Evitaremos facilmente esse perigo se nos
lembrarmos de apenas uma coisa: Deus não pretende que o
conhecimento seja um fim em si mesmo, mas sim que seja um meio para
se alcançar algum fim.
Tentei
abordar rapidamente seis esferas da vida cristã nas quais a mente
desempenha um papel importante: o culto, a fé, a santidade, a
direção, a evangelização e o ministério cristão. Sendo tais
coisas impossíveis se não usarmos as nossas mentes e se não
adquirirmos algum conhecimento, é-nos mister admitir o corolário,
que a aquisição de conhecimento bíblico deve nos levar a essas
coisas e enriquecer nossa experiência quanto às mesmas.
O
conhecimento traz consigo a solene responsabilidade de aplicarmos
esse conhecimento que temos, ou seja, agirmos de forma que lhe seja
compatível. Vou esclarecer mais este ponto.
Em
primeiro lugar, o conhecimento deve conduzir à adoração. A
conseqüência de nosso verdadeiro conhecimento de Deus não será
nos empavonarmos, cheios de orgulho pela sabedoria que temos, mas sim
nos submetermos a Ele com plena admiração, exclamando: “Ó
profundidade da riqueza, tanto da sabedoria, como do conhecimento de
Deus. Quão insondáveis são os seus juízos e quão inescrutáveis
os seus caminhos!”
Sempre
que nosso conhecimento se torna árido ou acaba com o nosso
entusiasmo e nos deixa frios, alguma coisa de errado aconteceu. Pois
toda vez que Cristo nos expõe as Escrituras e dEle recebemos algum
ensinamento, nos deve arder o coração. Quanto mais conhecemos a
Deus, mais devemos amá-lo. Creio Ter sido o bispo Handley Moule
quem disse que deveríamos nos precaver tanto contra uma teologia
sem devoção como também contra uma devoção sem teologia.
Em
segundo lugar, o conhecimento deve conduzir à fé. Já vimos que a
fé se fundamenta no conhecimento, e é este que a torna racional.
“Em
ti, pois, confiam os que conhecem o teu nome”, escreveu o
salmista.
É
precisamente o nosso conhecimento da natureza e do caráter de Deus
que suscita a nossa fé. Mas se é que não podemos crer sem
conhecimento, também não devemos conhecer sem crer. Isto é: nossa
fé tem de se apoderar de toda a verdade que nos seja revelada por
Deus. Na verdade, a mensagem de Deus não traz benefício algum, a
menos que encontre fé nas pessoas que a ouvem. Por esse motivo é
que Paulo não somente ora, no sentido de que os olhos do nosso
coração sejam iluminados para sabermos qual é a suprema grandeza
do poder de Deus, demonstrada na ressurreição; mas também
acrescenta que este poder que Deus exerceu em Cristo é disponível
para nós que cremos. O primeiro passo necessário é sabermos em
nossas mentes qual é a magnitude do poder de Deus, mas isto deve
conduzir-nos a apropriarmos pela fé esse poder em nossas vidas.
Em
terceiro lugar, o conhecimento deve conduzir à santidade. Já
consideramos alguns meios pelos quais nossa conduta se transformaria
se tão somente soubéssemos com maior clareza o que deveríamos ser
e o que somos. Mas agora temos que ver como cada vez mais se torna
maior a nossa responsabilidade de pôr nosso conhecimento em prática,
à medida que ele se amplia. Poderia citar muitos exemplos bíblicos.
O Salmo 119 está repleto de aspirações por conhecer a lei de
Deus. Por que? Para obedecê-lo melhor: “Dá- me entendimento e
guardarei a tua lei; de todo o coração a cumprirei”. Disse
Jesus, o Senhor, aos doze: “Se sabeis estas coisas, bem-aventurados
sois se as praticardes”. Paulo escreveu: “O que também
aprendeste, e recebestes , e ouvistes em mim, isso praticai”. E
Tiago dava ênfase ao mesmo princípio ao rogar a seus leitores que
fossem “praticantes da palavra , e não somente ouvintes”
advertindo-os de que a fé sem obras é uma ortodoxia morta, que até
os demônios aceitam.
O
ministro puritano Thomas Manton, que outrora foi o capelão de Oliver
Cromwell, comparou o cristão desobediente a uma criança que sofre
de raquitismo. “O raquitismo torna as cabeças grandes e os pés
fracos. Não apenas devemos discutir quanto à palavra, e falar a
respeito dela, mas também guardá-la. Não sejamos nem só ouvidos,
nem só cabeça, nem só língua, mas os pés têm de se exercitar!”
Em
quarto lugar, o conhecimento deve conduzir ao amor. Quanto mais
sabemos, mais devemos compartilhar do que sabemos com os outros e
usar o nosso conhecimento em serviço a eles, seja na evangelização,
seja no ministério. Às vezes, porém, nosso amor poderá moderar o
nosso conhecimento. Pois o conhecimento em si pode ser ríspido;
é-lhe necessário Ter a sensibilidade que o amor lhe pode dar. Foi
isso o que Paulo quis dizer quando escreveu: “O saber ensoberbece,
mas o amor edifica”. O “senhor do saber” de quem ele fala é o
cristão instruído, sabedor de que há um só Deus, de que os
ídolos nada são, e que portanto não há razão teológica alguma
pela qual não deva comer uma comida que fora anteriormente
oferecida a ídolos. Entretanto, pode haver um motivo de ordem
prática para dela se abster. É que alguns cristãos não têm tal
conhecimento e, em conseqüência, suas consciências são “fracas”,
ou seja, não instruídas e excessivamente escrupulosas.
Anteriormente eles próprios haviam sido idólatras. E, mesmo depois
de sua conversão, acham que, em sã consciência, não podem comer
tais carnes. Estando com eles, então, Paulo argumenta: o cristão
“forte” ou instruído deve abster-se para não ofender a
consciência “fraca” de seus irmãos. Ele mesmo tem a liberdade
de consciência para comer. Porém o seu amor limita a liberdade que
o conhecimento lhe dá. Talvez seja contra tais circunstâncias que
Paulo chega a dizer, em alguns capítulos adiante:
“Ainda
que eu ... conheça todos os mistérios e toda a ciência ... se não
tiver amor, nada serei”.
Prestemos
atenção a essas advertências. O conhecimento é indispensável à
vida e ao serviço cristãos. Se não usamos a mente que Deus nos
deu, condenamo-nos à superficialidade espiritual, impedido-nos de
alcançar muitas das riquezas da graça de Deus. Ao mesmo tempo, o
conhecimento nos é dado para ser usado, para nos levar a cultuar
melhor a Deus, nos conduzir a uma fé maior, a uma santidade mais
profunda, a um melhor serviço. Não é de menos conhecimento que
precisamos, mas sim de mais conhecimento, desde que o apliquemos em
nossa vida.
A
pergunta de como tal conhecimento pode ser obtido, a melhor resposta
que posso dar é com palavras de um dos sermões de Charles Simeon:
“Para a obtenção e conhecimento divino, a orientação que temos
é a de combinar uma dependência do Espírito de Deus com nossas
próprias pesquisas. Que não nos atrevamos a separar então o que
Deus uniu”. Isso quer dizer que temos de orar e temos de estudar.
É como foi dito a Daniel: “Não temas, Daniel, porque desde o
primeiro dia, em que aplicaste o coração a compreender e a
humilhar-te perante o teu Deus, foram ouvidas as tuas orações...”De
fato, a disposição mental para compreender , a humilhação de si
mesmo perante Deus são sinais do ardente desejo de quem quer
alcançar a verdade divina. Tal desejo certamente será satisfeito.
Pois deus prometeu a quem O buscar com seriedade:
Filho
meu, se aceitares as minhas palavras, e esconderes contigo os meus
mandamentos, para fazeres atento à sabedoria o teu ouvido, e para
inclinares o teu coração ao entendimento; e se clamares por
inteligência, e por entendimento alçares a tua voz; se buscares a
sabedoria como a prata, e com a tesouros escondidos a procurares;
então entenderás o temor do Senhor, e acharás o conhecimento de
Deus. Porque o Senhor dá a sabedoria, da sua boca vem a
inteligência e o entendimento.
***
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