11 de agosto de 2009

O cristão e a realidade do Brasil e do mundo


O livro bíblico de Habacuque significa "abraço" ou "abraçado". Quase nada é conhecido dele. O livro é curto. Alguns acham que o capítulo 3, que é um salmo de esperança em meio à violência, corrupção e opressão econômica prevalecente em Israel no capítulo 1, é obra de outro autor.

Contudo, o questionamento de Habacuque com a frase "até quando?", suas indagações da alma diante da apatia de Deus, suas queixas diante do silêncio de Deus, seu conteúdo e lições são de profundo significado para o cristão e profeta de hoje. A doutrina de justificação pela fé (2.4), deixou marcas em Paulo (Rm 1.17, Gl 3.1), no NT (Hb 10.38) e na doutrina do protestantismo com a Reforma de Martinho Lutero no século 16 "sola fidei".

O profeta no AT não era simplesmente um adivinhador de eventos futuros. Era alguém que proclamava a Palavra de Deus ao povo. Era um arauto ou mensageiro do Deus Iahweh, o Deus moral e ético, soberano Senhor da história e nações. O profeta era um porta-voz de Deus. O profetismo no paganismo estava voltado para o momento, uma postura tipo existencialista. Não possuía uma visão de mundo e da história.

No profetismo do AT, o futuro e predição podiam estar presentes mas, acima de tudo, apresentavam o plano e os valores eternos de Deus. A tarefa dos profetas no AT foi vital na purificação da vida espiritual e política do país. Eles proclamaram a vontade de Deus para a nação e enfatizaram a administração imparcial da justiça para todos (Dt 1.16-17, 10.17-18, Is 56.1-7). Ninguém foi excluído da preocupação de Deus.

O profeta não é um anunciador de tsunamis, mas alguém que traz para a realidade contemporânea a mensagem de um novo tempo centralizado no amor, misericórdia e justiça de Deus. Os pecados eram denunciados visando ao arrependimento, à igualdade de todos os cidadãos e o seu bem-estar era um conteúdo constante da mensagem. Assim deve ser o testemunho do cristão e da Igreja hoje.

Contexto histórico

Habacuque foi contemporâneo de Jeremias. Comentaristas colocam sua profecia e ministério por volta de 625 a 615 a.C. Situa-se sua obra logo após a queda de Nínive quando os babilônios ou caldeus emergiam no mundo. "O período mais provável é aquele que medeia entre 605 a.C, a data da vitória de Nabucodonosor sobre os egipcíos, em Carquemis, na Síria, e 597 a.C. quando os babilônios invadiram Judá" (Bíblia Vida Nova).

O mundo social, espiritual e histórico de Habacuque:

- Era um mundo unipolar: Babilônia era a nação mais poderosa do mundo de então. Seu poderio tecnológico e militar era algo sem paralelo. Diante desse poderio esmagador, a Babilônia era soberana no mundo de relações internacionais daquela época. Esmagou nações, esfacelou sociedades, destruiu culturas e, segundo Habacuque, era uma nação "pérfida, perversa e sedenta de sangue" (1.13). Segundo 2Reis 24, o nome do rei da Babilônia era Nabucodonosor. Os caldeus faziam parte do Império da Babilônia (Kaller, p. 75). A Babilônia era uma nação opressora, imperialista e uma superpotência sem ética. Não havia nação a altura para contrabalançar esta realidade e nem uma força multinacional de paz para fazer face ao expansionismo babilônico.

- Em Israel imperava a exploração econômica, a prosperidade dos maus e injustos, a corrupção, o suborno e morosidade da justiça. "Destruição, violência e desconsideração para com a lei de Deus floresciam desenfreadamente (1.2-4), a despeito dos ardentes apelos do profeta para a intervenção de Deus" (Vida Nova). Habacuque não conseguia entender a passividade de Deus diante da situação de calamidade moral e espiritual de sua época e a intensa impiedade de Judá (1.1- 4). Habacuque exerceu seu ministério no reinado de Jeoaquim (2Rs 24). Jeoaquim fez "o que era mau perante o Senhor", prosseguiu nos "pecados de Manassés" (2Rs 21.1-9) e "derramou sangue inocente". Habacuque ficou grandemente perturbado diante da injustiça da nação de Judá sob o reinado de Jeoaquim.

Habacuque é "o profeta-filósofo" (Vida Nova). Estabelece um novo tipo de profecia porque é ele que se dirige a Deus com questionamentos e não a palavra do Senhor que foi a ele. Não há no livro a forma clássica "e disse Deus". O profeta questiona a apatia de Deus com um "até quando". Habacuque que estava intelectual e emocionalmente desgastado com a situação espiritual e social de seu país diz que Deus é apático e nada faz. Devido a inatividade de Deus, a maldade crescia, a justiça se pervertia, o ímpio cercava o justo e os maus prosperavam.

O primeiro ensino de Habacuque: o cristão precisa conhecer o país e saber interpretar a realidade à luz da cosmovisão bíblica.

Entendendo o "até quando" do profeta Habacuque começa com um questionamento, "até quando, Senhor?" (1.2). Questionamento entendido como blasfêmia. Não é uma oração de confissão, nem de dedicação, mas de cobrança. Contudo, não é uma oração de desaforo ou simplesmente de desabafo (2.1). Demonstra que ele quer conhecer Deus e sua maneira de agir no mundo porque ele ouve e espera a resposta do Senhor. Habacuque é sério nos questionamentos que apresenta. Por isso, o cristão e profeta contemporâneo podem aprender com ele lições e posturas para o ministério hoje.

O capítulo 1 indica que o questionamento desse "profeta-filósofo" era fruto de sua análise e interpretação da realidade. Habacuque analisou a realidade de crise em seu país e o mundo de sua época, segundo a cosmovisão bíblica. Ele conhecia algo de Deus e de seu plano para a história. Ele não conhece tudo de Deus, por isso indaga, pergunta e decide esperar e ouvir de Deus mesmo a resposta para os seus questionamentos (2.1). Para Habacuque, fé significa exercício intelectual envolvendo pesquisa teológica e, também, sociológica.

Nesse sentido, a questão era como conciliar a santidade e eternidade de Deus de um lado e, do outro, a realidade da violência, corrupção e opressão que imperava em Judá (1.2-4). A fé é apenas intimista, de benefício apenas individual sem implicações sociais, políticas e econômicas? Para Habacuque, não! A fé e a espiritualidade de Habacuque não eram hedonistas, narcisistas e desvinculadas da comunidade e realidade social. Habacuque em sua adoração a Deus ficou indignado e grandemente perturbado diante da situação do país. De um lado, conhecia Deus, seu amor e santidade e, por outro, o sofrimento de seu povo. O mal tinha assumido proporções anormais em Judá. Habacuque questiona Deus por sua ação e providência.

Habacuque serve de paradigma para o cristão contemporâneo. Habacuque conhecia as forças que atuavam e que produziam a realidade distorcida e violenta prevalecente em Judá. Essa realidade era contrária aos propósitos divinos da criação. Vê o sofrimento de seu povo, principalmente dos mais fracos e desprotegidos, questiona e intercede. Habacuque nos faz relembrar o que é ser profeta e o que é verdadeira espiritualidade. A verdadeira adoração tem implicações profundas a nível vertical, pessoal, individual, mas, também, a nível horizontal.

O "até quando" de Habacuque não é um desaforo. Era um questionamento de uma alma que procurava conhecer mais de Deus mas que também conhecia a realidade do país. Era o questionamento de uma alma inquieta, de um coração de compaixão, de uma fé que amava a Deus e a Sua causa. Era um questionamento fruto da comunhão com Deus que o impulsionava para o social, para o próximo e para o país. A fé de Habacuque não permitia a ele cuidar apenas de sua casa. Não era uma fé tipo fundo de quintal, "me abençoe, me proteja, faça-me prosperar no meu trabalho, abençoa minha família e minha igreja". Entendeu que a verdadeira espiritualidade tem uma dimensão vertical e horizontal.

É exatamente esse o ensino do NT (1João/ Mateus 25). O cristão precisa compreender que o pecado tem uma dimensão espiritual e social, por isso, deve denunciar o pecado tanto individual como estrutural. Ambos são repugnantes para Deus.

Muito do evangelicalismo brasileiro é extremamente materialista, fruto de uma cosmovisão mais consumista e neo-liberal do que bíblica. É uma postura alienadora da verdadeira espiritualidade cristã. Há muito hedonismo eclesiástico em nosso meio, por isso, os cultos de oração/intercessão são pouco freqüentados e há pouco envolvimento missionário sacrificial. Aliás, intercessão pouco existe porque só intercede quem conhece Deus e ama profundamente o país e o mundo criado por Deus.

Muito da fé evangélica em nosso país é mais mundana do que bíblica. Por isso, louvor mesmo é cantar. É mais uma adoração templária e muito pouco de diáspora. A ênfase é mais individual. É um evangelicalismo mais místico e narcisista que não transforma a sociedade. É uma postura que não transforma a sociedade brasileira e suas estruturas desumanizantes e iníquas. É uma fé que não se insere no social. Não é uma fé segundo "a mente de Cristo".

É a mente do mundo. É mundanismo. É um evangelicalismo frouxo, que não reflete a Bíblia conforme sua interpretação/ hermenêutica histórica e totalmente desvinculado do nosso legado da Reforma Protestante que tanto impacto causou em muitas áreas nos séculos 17 e 18 na Europa.

Não há nada de errado em pedir bênçãos particulares e familiares. Contudo, só isso é uma tragédia. Não vamos ser participantes da história. Além de "me abençoe" e "cuida de mim" precisamos de um "até quando". Aprendamos com Habacuque. Extrapolou a sua pessoa, o seu bem-estar e a sua família. Não aceitou passivamente a proliferação da injustiça, dos sem-direito e do pobre sendo violentado até por aqueles que deviam protegê-lo, ou seja, os tribunais e os juízes.

Habacuque nos ensina que a fé bíblica e transformadora não deve ser atomizada, intimista e mística. Exaltar apenas um aspecto da fé e esquecer o todo do Reino é reducionismo e trágico para a nação. Nossa abordagem precisa ser holística. Lausanne trouxe-nos à lembrança o conceito de missão integral da Igreja e que o Reino de Deus precisa ser o paradigma central de nosso pensamento. Sem essa concepção não dá para entender o mundo como um todo. Diz-se que o verdadeiro cristão tem a Bíblia em uma das mãos e o jornal diário em outra.

Conclusão

Precisamos interpretar a realidade à luz da cosmovisão cristã para a fé não ser atomizada, intimista e mística. Cosmovisão é um conjunto de pressupostos a respeito da vida. Cada um tem um par de óculos pelo qual vê a realidade. Cosmovisão é a maneira como alguém vê a realidade. É no contexto da cosmovisão que a realidade será decodificada e avaliada. Nosso fio de prumo precisa ser o evangelho e a cosmovisão que a Bíblia apresenta. Nosso paradigma de interpretação da realidade tem de ser o Reino de Deus.

O cristão precisa entender nosso país e nosso mundo. Implica conhecer as forças que moldam nossas vidas e o pensamento desta geração. Precisa estudar, refletir e analisar conforme a cosmovisão bíblica. Deve viver segundo a perspectiva dessa cosmovisão para não se amoldar a este mundo e ter uma diferenciação interior que o ajudará a interpretar a realidade por esta ótica. Habacuque fez assim.

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aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que jorre para a vida eterna.
João 4:14

E quem tem sede, venha; e quem quiser, tome de graça da água da vida.
Apocalipse 22:17
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