22 de maio de 2010

Autonomia da igreja local - isso é bíblico?





Em diversas ocasiões tenho ouvido sérias considerações a respeito da autonomia da igreja local. Geralmente estas considerações ou enfocam o lado libertário da autonomia da igreja local ou enfocam o lado intervencionista da convenção e/ou associação.
No primeiro caso, o enfoque reside na liberdade que a igreja local tem de escolher o seu destino, a implementação de seus programas, de aceitar ou não os programas da convenção ou associação. Enfim, nada externo pode ingerir na vida da igreja local.
No segundo caso, o enfoque reside na necessidade que a igreja local tem de participar no programa da convenção ou associação. A queda de receita de diversas convenções tem sido um indicador desse fenômeno. Há quem defenda a ideia de que a convenção deve intervir na igreja local que não participa de seu programa ou quando há um desvio doutrinário. Outros concluem que, no máximo, a convenção pode excluir de seu rol a igreja em tal situação.
Essa tensão dialética vai prosseguir enquanto os seus interlocutores não considerarem um simples fato teológico - há doutrinas na Bíblia que só sobrevivem quando estão em equilíbrio com outras doutrinas. Por exemplo, a doutrina da justiça somada à doutrina do amor divino resultam na misericórdia de Deus dirigida ao pecador perdido. A doutrina da eleição é plenamente entendida quando associada em equilíbrio à doutrina do livre arbítrio.
A autonomia da igreja local é uma doutrina das Escrituras e um dos Princípios Distintivos dos Batistas. Não há como fugir disso. Contudo, a sua doutrina de equilíbrio é a da mutualidade, do espírito cooperativo ou cooperativismo. Igreja nenhuma é uma ilha. A igreja local não foi feita para viver isolada. No Novo Testamento temos inúmeros exemplos da manifestação desse espírito cooperativo da igreja local:
1- A cooperação como exemplo de solução de problemas comuns aos crentes através de reuniões especialmente convocadas para considerá-los pode ser estudada, por exemplo, à luz da reunião do Concílio de Jerusalém com o propósito de dar tratamento às controvérsias doutrinárias (Atos 15.2-12 e 15.19-22).
2- No Novo Testamento temos também programas cooperativos e administrados pelas igrejas, através de seus líderes, tais como: Início do trabalho missionário pela igreja de Antioquia da Síria, que, inspirada pelo Espírito Santo, separou e enviou Barnabé e Saulo (Atos 13.1-3), a questão da fome dos cristãos da Judéia e a decisão de fazer uma campanha envolvendo todo mundo cristão com o objetivo de levantar recursos para socorrer os irmãos em aflição (Atos 11.28-29, 2 Coríntios 16-24), a decisão de igrejas que resolveram participar do sustento de Paulo e de seus companheiros na obra missionária (Filipenses 4.15-16 e 2 Coríntios 11.8-9) e a grande reunião resultante do encontro de crentes de várias cidades em Trôade (Atos 20.4-7).
3- E ainda temos no Novo Testamento igrejas e servos de Deus manifestando cuidado pelas igrejas e decidindo ajudá-las. Temos como exemplo: A igreja de Jerusalém enviando Barnabé para acompanhar os fatos que estavam ocorrendo em Antioquia da Síria com o surgimento da primeira igreja cristã gentílica (Atos 11.22-26), a decisão de Paulo em voltar às igrejas organizadas em sua primeira viagem missionária para ver como elas estavam, fortalecê-las e constituir líderes (Atos 14.21-23) e o  cuidado de Paulo para com todas as igrejas (2 Coríntios 11.28).
A autonomia da igreja local de forma alguma dispensa a ação cooperativa em favor de outras igrejas locais. Não podemos negar nenhuma, nem outra doutrina. Neste mundo o espírito de época é o individualismo. O espírito de cooperação, o espírito de solidariedade é o mais elevado desafio que cada crente e igreja deve assumir. A nossa missão como igreja é tão grande e requer uma demanda enorme de energias que temos de unir esforços e ideais para, numa só voz, invadirmos este mundo com o Evangelho levando-o aos pés de Cristo, o Senhor ressurreto.
A convenção é a solução que as nossas igrejas Batistas têm para a realização de nossas aspirações comunitárias. Assim, a convenção deve ser considerada como uma cooperativa de igrejas que se unem para, juntas, estabelecerem objetivos e programas para o bem comum. Em outras palavras, a convenção e toda sua máquina gerencial e administrativa deve servir às igrejas locais participantes do espírito cooperativo. As instituições e entidades, ou qualquer outro nível da estrutura denominacional, não podem ser independentes ou autônomas, mas devem servir a igreja local sendo meio e não fim em si mesmo (vide artigo “Fins e meios”, publicado na edição de OJB de 16 de novembro de 1998). Sendo assim, a convenção não deve impor programas às igrejas locais, mas as igrejas locais, reunidas em assembleia, deverão determinar quais programas toda máquina denominacional deverá cumprir em benefício das próprias igrejas locais que, por sua vez, formam a convenção. Temos aqui o enfoque político-estratégico da natureza da convenção. Assim, ela deve possuir instrumentos políticos-administrativos como veículos para o cumprimento de sua finalidade e não transformar estes instrumentos na própria finalidade.
A cooperação no Reino de Deus é a forma de ação que dignifica e exalta os homens. Paulo afirma que somos cooperadores com Deus (1 Coríntios 3.9). Esta co-participação eleva a cooperação ao ponto mais alto da dignidade, pois dá ao homem o privilégio de trabalhar com o seu Criador e Senhor. A cooperação é a essência do sistema batista. Trabalhar junto deve ser o segredo da obra realizada. Tem sido o ponto para onde convergem as autonomias e independências, reforçando a interdependência e o compartilhar dos mesmos objetivos. A cooperação é obra de iguais, de companheiros, de livres, porque é resultado da soma de vontades que livremente decidem pela união de forças para a realização de propósitos comuns.
A convenção, como órgão que dá expressão à obra cooperativa dos batistas, busca sempre caminhos para fortalecer a visão sinótica de igrejas e crentes, o que possibilita o desenvolvimento das atenções e esforços da direção assinalada como o ponto de interesse comum.
A cooperação a ser buscada e a ser dada tende para a obtenção de resultados cada vez mais expressivos, permitindo o cumprimento dos propósitos e das tarefas indicadas, com a maior eficácia. Um importante lembrete nos é dado pelo doutor Paul C. Porter, quando afirmou:
Ninguém, dentro ou fora da igreja, poderá forçá-la a cooperar. A responsabilidade recai diretamente sobre a igreja. Se ela não cooperar, limitará a possibilidade da obra de cooperação em levar o Evangelho aos perdidos. O não cooperar é pecado contra o próximo, pois deixa-o nas trevas sem ouvir falar de Jesus, e é pecado contra si mesma, porque deixa de crescer na graça que tal oportunidade oferece, tornando-se mesquinha e egoísta (“Organização Batista”. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista,  1962. p. 69).
Sendo assim, a igreja local, uma vez participante da convenção, assume compromissos cooperativos com as outras igrejas locais que formam também a própria convenção. Esses compromissos cooperativos envolvem a sua participação nas assembleias para o exercício do direito de determinação dos programas cooperativos, envolve a sua participação financeira para que esses programas cooperativos sejam concretizados, envolve o sustento de obreiros em preparação para serem instrumentos no crescimento e estabelecimento do Reino de Deus, envolve acolher, receber e custear os serviços que as entidades da convenção prestam às igrejas locais no atendimento das determinações das próprias igrejas nas assembleias.
Em resumo, a Convenção Batista e sua estrutura são veículos do espírito cooperativo das igrejas locais. A igreja local não existe para a convenção.  É a convenção que existe para a igreja local. Contudo, a convenção não subsistirá sem a igreja local. É através dela que a igreja local poderá tornar realidade o seu espírito cooperativo.
Finalizando, não podemos aplicar à convenção e a toda sua estrutura princípios eclesiológicos que, por sua própria origem e natureza, só podem ser aplicados à igreja local. A convenção é um meio, a sua finalidade é o implemento, o fomento e a promoção da cooperatividade entre as igrejas batistas. Por isso ela possui mecanismos gerenciais e administrativos à serviço do cooperativismo eclesiástico. Os princípios que temos de aplicar a esta máquina, portanto, são de cunho técnico-administrativo e não eclesiológico, visto que os batistas não têm uma hierarquia eclesiástica.
A igreja local, de fato, é autônoma, mas também portadora de um espírito cooperativo em benefício de suas irmãs. A autonomia sozinha é como o Mar Morto que, de tanto receber águas dos rios sem transbordá-las para outros rios, se torna saturada e sem vida. Halford Luccok afirmou que não é cada indivíduo abrindo um poço no seu quintal que se terá a irrigação para uma cidade. Quanto menor for nossa visão da missão da igreja, menor será a visão do desafio que temos pela frente e menor será o desejo de cooperarmos uns com os outros. A convenção, portanto, concretiza a ampliação do ideal cooperativo que temos da igreja do Novo Testamento.  Dê sentido à autonomia de sua igreja, leve-a a uma vida cooperativa.
LOURENÇO STELIO REGA
Pastor, colaborador de OJB

Um comentário:

  1. Paz seja contigo

    A questão da autonomia de fato deve visar a uma liberdade que trabalhe em cooperação e busque unir-se uma igreja a outra mediante a doutrina bíblica e permita a utilização de metodos e sistemas bíblicos que atendam a realidade social e cultural da comunidade. Mas sempre zelando pela manutenção da Fé em consonância com as Escrituras.


    Permaneça na Graça e nela frutifique

    Seja bem vindo em meu blog e que possas ser edificado na Palavra

    atalaiadocastelo.blogspot.com

    Nicodemos

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aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que jorre para a vida eterna.
João 4:14

E quem tem sede, venha; e quem quiser, tome de graça da água da vida.
Apocalipse 22:17
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