Lutero considerou a
doutrina da escravidão da vontade como a pedra angular do evangelho e o
verdadeiro alicerce da fé cristã. Em "Nascido Escravo", um resumo da
sua obra suma, "A Escravidão da Vontade", temos uma refutação clara e
definitiva aos argumentos em favor do livre-arbítrio apresentados por Erasmo na
sua defesa da posição humanista da Igreja Católica Romana.
Na luz dos argumentos
bíblicos expostos por Lutero, um exame honesto do evangelho apresentado em
nossos dias mostra tragicamente que a posição da maioria dos evangélicos está
mais voltada para o humanismo de Erasmo do que para a posição bíblica do reformador.
LEIA UM POUCA MAIS
Introdução
O Pano de Fundo do Livro
e a Controvérsia com Erasmo
Martinho Lutero escreveu
"A Escravidão da Vontade" como reação aos ensinamentos de Desidério
Erasmo. Nascido em Rotterdam, na Holanda entre 1466 e 1469, Erasmo foi monge
agostiniano durante sete anos, antes de viajar para a Inglaterra, onde foi
motivado a aprofundar seu conhecimento do grego, chegando a produzir um texto
crítico do Novo Testamento Grego (1516). Erasmo rejeitava os métodos
fantasiosos de interpretação das Escrituras, bem como as muitas superstições
dos mestres da Igreja Católica Romana. Rebelou-se contra a preguiça e o vício,
comuns nos mosteiros, mas, apesar disso, não foi um crente no evangelho. Ele
era um humanista, pois acreditava que os homens podem conquistar a salvação, ao
invés de dependerem exclusivamente de Jesus Cristo — em sua morte e
ressurreição. Erasmo acertadamente preferia uma abordagem simples do ensinamento
cristão aos complicados e pormenorizados métodos dos teólogos profissionais.
Ele evitava as controvérsias, e, por longo tempo, não procurou tratar
publicamente sobre o conceito do "livre-arbítrio", no entanto, ao
fazê-lo, constituiu um desafio que Martinho Lutero não pôde ignorar. Martinho
Lutero nasceu na Saxônia (hoje parte da Alemanha) e era uns catorze anos mais
jovem do que Erasmo. Enquanto ainda era um monge passou por uma dramática
experiência com o evangelho da graça de Deus. A partir de então, compreendeu
que cada crença e experiência precisa ser testada através da autoridade das
Escrituras Sagradas. Ele entendeu que a salvação é recebida como uma graça
divina, "mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de
obras, para que ninguém se glorie" (Ef 2.8,9). A sua própria experiência
confirmou essa sua convicção.
Lutero era professor,
teólogo e também pastor. Os membros de sua igreja sabiam que ele sentia o que
pregava. Ele não era um erudito seco e indiferente. Ele sentia a pressão da
eternidade cada vez que pregava. Isso o compelia, algumas vezes, a fazer coisas
impopulares e, por vezes, perigosas. Era alguém disposto a defender a verdade
de Deus, ainda que fosse contra o mundo inteiro.
A princípio, Erasmo
parecia ser um dos aliados de Lutero, visto que ambos rejeitavam muitos dos
erros e falhas da Igreja de Roma. Todavia, Lutero desafiava cada vez com maior
intensidade o ensinamento romanista da salvação mediante as obras, insistindo
que "o justo viverá por fé" (Rm 1.17). Entrementes, Erasmo continuava
na Igreja de Roma, e, como era um erudito, cedeu à pressão de sua igreja para
defender o ensino do "livre-arbítrio". Desafiando a solicitação de
Lutero para que não fizesse tal coisa, Erasmo publicou sua "Discussão
Sobre o Livre-Arbítrio", em 1524, tendo escrito a Henrique VIII nestes
termos: "Os dados foram lançados. O livreto sobre o 'livre-arbítrio' acaba
de ver a luz do dia''. O livro agradou ao Papa e ao Sacro Imperador Romano, e
foi elogiado por Henrique VIII.
Este fato levou Lutero a
declarar que Erasmo era um adversário da fé evangélica. Deus controlou
soberanamente a intensa luta entre esses dois homens, para vantagem de seu
reino. O conflito produziu uma grandiosa declaração da doutrina evangélica que
tem enriquecido a Igreja de Cristo desde então, a saber, o livro de Lutero,
"A Escravidão da Vontade". Oferecemos aqui uma edição abreviada dessa
grande obra. Pudemos reter muito do estilo de Lutero, embora não tenhamos
seguido sua ordem de apresentação. Começamos por onde Lutero terminou,
sumariando a sua posição doutrinária sobre a escravidão da vontade humana.
Seguimos com outras seções, onde Lutero apresenta e, em seguida refuta os
argumentos de Erasmo.
O estilo de Lutero normalmente
nos impeliria a acrescentar certas palavras, toda vez que ele emprega a
expressão "livre-arbítrio". Por exemplo: o livre-arbítrio que você
supõe que existe. Entretanto, temos preferido refletir o sentido tencionado
por Lutero usando aspas — "livre-arbítrio". E, nos capítulos dois,
três e quatro, retivemos o discurso direto de Lutero, conservando, tanto quanto
possível, a atmosfera de sua obra.
Não incluímos cada
argumento utilizado por Lutero, porque, se o fizéssemos, isso ampliaria
indevidamente este sumário.
Capítulo Um
O Que Ensinam as Escrituras
Argumento 1: A culpa universal da humanidade prova
que o "livre-arbítrio" é falso
Argumento 2: O domínio universal do pecado prova
que o "livre-arbítrio" é falso
Argumento 3: O "livre-arbítrio" não
pode obter aceitação diante de Deus através da observância da lei moral e
cerimonial
Argumento 4: A lei tem o propósito de conduzir os
homens a Cristo, dando-lhes o conhecimento do pecado
Argumento 5: A doutrina da salvação pela fé em
Cristo prova que o "livre-arbítrio" é falso.
Argumento 6: Não há lugar para qualquer idéia de
mérito ou recompensa pelas boas obras
Argumento 7: O "livre-arbítrio" não tem
valor porque as obras nada têm a ver com a justiça do homem diante de Deus
Argumento 8: Um punhado de refutações
Argumento 9: Paulo é absolutamente claro ao
refutar o "livre-arbítrio"
Argumento 10: O estado do homem sem o Espírito de
Deus mostra que o "livre-arbítrio" nada pode fazer de natureza
espiritual
Argumento 11: Aqueles que chegam a conhecer a
Cristo não pensavam previamente sobre Cristo, nem O buscavam, nem se prepararam
para conhecê-Lo
Argumento 12: A salvação para o mundo pecaminoso é
pela graça de Cristo, exclusivamente mediante a fé
Argumento 13: O caso de Nicodemos, no terceiro
capítulo de João, opõe-se ao "livre-arbítrio".
Argumento 14: O "livre-arbítrio" não tem
utilidade, pois a salvação vem somente por meio de Cristo
Argumento 15: O homem é incapaz de crer no
evangelho, por isso todos os seus esforços não podem salvá-lo
Argumento 16: A incredulidade universal prova que o
"livre-arbítrio" é falso
Argumento 17: O poder da carne, mesmo em
verdadeiros crentes, mostra a falsidade do "livre-arbítrio' '
Argumento 18: Saber que a salvação não depende do
"livre-arbítrio" pode ser muito reconfortante
Argumento 19: A honra de Deus não pode ser
maculada.
As Escrituras são como
diversos exércitos que se opõem à idéia de que o homem tem um
"livre-arbítrio" para escolher e receber a salvação. Porém, basta-me
trazer à frente de batalha dois generais — Paulo e João, com algumas de suas
forças.
Argumento
1: A culpa universal da humanidade prova que o "livre-arbítrio" é
falso.
Em Romanos 1.18, Paulo
ensina que todos os homens, sem qualquer exceção, merecem ser castigados por
Deus. "A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão
dos homens que detêm a verdade pela injustiça." Se todos os homens possuem
"livre-arbítrio", ao mesmo tempo que todos, sem qualquer exceção,
estão debaixo da ira de Deus, segue-se daí que o "livre-arbítrio" os
está conduzindo a uma única direção — da "impiedade e da iniqüidade".
Portanto, em que o poder do "livre-arbítrio" os está ajudando a
fazer o que é certo? Se existe realmente o "livre-arbítrio", ele não
parece ser capaz de ajudar os homens a atingirem a salvação, porquanto os deixa
sob a ira de Deus.
Algumas pessoas, no
entanto, acusam-me de não seguir bem de perto a Paulo. Eles afirmam que as
palavras dele, "contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a
verdade pela injustiça" não significam que todos os seres humanos, sem
exceção, estão culpados aos olhos de Deus. Eles argumentam que o texto dá a
entender que algumas pessoas não "detêm a verdade pela
injustiça". Entretanto, Paulo estava usando uma construção de frase
tipicamente hebraica, que não deixa dúvida de que ele se referia à impiedade de
todos os homens.
Além do mais, notemos o
que Paulo escreveu imediatamente antes dessas palavras. No versículo 16, Paulo
declara que o evangelho é "o poder de Deus para a salvação de todo aquele
que crê". Isso significa que, não fosse o poder de Deus conferido através
do evangelho, ninguém teria forças, em si mesmo, para voltar-se para Deus.
Paulo prossegue, asseverando que isso tem aplicação tanto aos judeus quanto aos
gentios. Os judeus conheciam as leis divinas em seus mínimos detalhes, mas
isso não os poupou de estarem debaixo da ira de Deus. Os gentios desfrutavam de
admiráveis benefícios culturais, mas esses não os aproximaram em nada de Deus.
Havia judeus e gentios que muito se esforçavam por acertar a sua situação
diante de Deus, mas, apesar de todas as suas vantagens e de seu
"livre--arbítrio", eles fracassaram totalmente. Paulo não hesitou em
condenar a todos eles.
Observemos igualmente
que, no versículo 17, Paulo diz que "a justiça de Deus se revela".
Por conseguinte, Deus mostra a sua retidão aos homens. Deus, porém, não é um
tolo. Se os homens não precisassem da ajuda divina, Ele não desperdiçaria o seu
tempo prestando-lhes tal ajuda. A conversão de qualquer pessoa acontece quando
Deus vem até ela e vence-lhe a ignorância ao revelar-lhe a verdade do
evangelho. Sem isso, ninguém jamais poderia ser salvo. Ninguém, durante toda a
história humana, concebeu por si mesmo a realidade da ira de Deus, conforme ela
nos é ensinada nas Escrituras. Ninguém jamais sonhou em estabelecer a paz com
Deus por intermédio da vida e da obra de um Salvador singular, o Deus-Homem,
Jesus Cristo. De fato, o que ocorre é que os judeus rejeitaram a Cristo, apesar
de todo o ensino que lhes foi ministrado por seus profetas. Parece que a
justiça própria alcançada por alguns judeus ou gentios levou-os a deixarem de
buscar a justiça Divina através da fé, para fazerem as coisas à sua própria maneira.
Portanto, quanto mais o "livre-arbítrio" se esforça, tanto piores
tornam-se as coisas.
Não existe um terceiro
grupo de pessoas, que se situe em algum ponto entre os crentes e os incrédulos
— um grupo de homens capazes de salvarem-se a si mesmos. Judeus e gentios
constituem a totalidade da humanidade, e todos eles estão debaixo da ira de
Deus. Ninguém tem a capacidade de voltar-se para Deus. Deus precisa tomar a
iniciativa e revelar-Se a eles. Se fosse possível ao "livre-arbítrio"
dos homens descobrir a verdade, certamente algum judeu, em algum lugar,
tê-lo-ia feito! Os mais elevados raciocínios dos gentios e os mais intensos
esforços dos melhores dentre os judeus (Rm 1.21; 2.23,28,29) não conseguiram
aproximá-los nem um pouco sequer da fé em Cristo. Eles eram pecadores
condenados juntamente com todo o resto dos homens. Ora, se todos os homens são
possuidores de "livre-arbítrio", e todos os homens são culpados e
estão condenados, então esse suposto "livre-arbítrio" é impotente
para conduzi-los à fé em Cristo. Por conseguinte, a vontade dos homens, afinal,
não é livre.
Argumento
2:0 domínio universal do pecado prova que o "livre-arbítrio" é falso.
Precisamos permitir que
Paulo explique o seu próprio ensinamento. Diz ele em Romanos 3.9: "Que se
conclui? Temos nós [os judeus] qualquer vantagem [sobre os gentios]? não, de
forma nenhuma; pois já temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos,
estão debaixo do pecado".
Não somente são todos os
homens, sem qualquer exceção, considerados culpados à vista de Deus, como também
são escravos desse mesmo pecado que os torna culpados. Isso inclui os judeus,
os quais pensavam que não eram servos do pecado porque possuíam a lei de Deus.
Mas, visto que nem judeus nem gentios têm-se mostrado capazes de desvencilharem-se
dessa servidão, torna-se evidente que no homem não há poder que o capacite a
praticar o bem.
Essa escravidão
universal ao pecado inclui até mesmo aqueles que parecem ser os melhores e mais
retos. Não importa o grau de bondade que um homem possa alcançar; isso não é a
mesma coisa que possuir o conhecimento de Deus. O mais admirável que há nos
homens é sua razão e sua vontade, todavia, é forçoso reconhecer que essa mais
nobre porção dos homens está corrompida. Diz Paulo, em Romanos 3.10-12:
"Não há justo, nem sequer um, não há quem entenda, não há quem busque a
Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem,
não há nem um sequer". O significado dessas palavras é perfeitamente
claro. Deus é conhecido através da razão e da vontade humanas. Porém, nenhum
ser humano, somente por sua natureza, conhece a Deus. Precisamos concluir, por
conseguinte, que a vontade humana está corrompida e que o homem é totalmente
incapaz, por si mesmo, de conhecer a Deus ou de agradá-Lo.
Talvez alguma pessoa
audaciosa atreva-se a dizer que somos capazes de fazer mais do que de fato
fazemos; porém, o que aqui nos interessa é o que somos capazes de fazer, e não
o que estamos ou não estamos fazendo. O trecho das Escrituras citado por Paulo,
em Romanos 3.10-12, não nos autoriza a fazer tal distinção. Deus condena tanto
a incapacidade pecaminosa dos homens quanto os seus atos corruptos. Se os
homens fossem capazes, ainda que o mínimo possível, de movimentarem-se na
direção de Deus, não haveria mais qualquer necessidade de Deus salvá-los. Deus
permitiria que os homens salvassem-se a si mesmos. Porém, nenhum deles está
apto nem ao menos a fazer a tentativa.
No trecho de Romanos
3.19, Paulo declara que toda boca se calará diante de Deus, porque ninguém
poderá argumentar contra o julgamento divino, visto que nada existe, em pessoa
alguma, digno de ser elogiado pelo Senhor — nem ao menos um arbítrio livre para
voltar-se espontaneamente para Ele. Se alguém disser: "Tenho uma
capacidade própria, ainda que pequena, de voltar-me para Deus", esse
alguém deve estar querendo dizer que pensa que nele há alguma coisa a qual Deus
possa elogiar e não condenar. Sua boca não está calada, mas tal idéia contradiz
as Escrituras.
Deus ordenou que toda boca
ficasse calada. Não é apenas certos grupos de pessoas...
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