26 de setembro de 2014

Missões na Bíblia

1ª edição: 1992
Reimpressão: 1999

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Printed in Brazil / Impresso no Brasil

Coordenação de produção • Robinson Malkomes
Revisões • Eber Cocareli
Capa • Melody Pieratt


Digitalizado por: MissionAR

CONTEÚDO



Prefácio dos editores
Agradecimentos
Introdução
1. A Base de Missões no Relato da Criação
2. A Responsabilidade Missionária de Israel
3. A Perspectiva de Missões no Ministério de Jesus
4. Missões no Ministério do Espírito por meio da Igreja
5. Paulo e Missões
6. A Volta de Jesus e a Urgência Missionária
Apêndice A
Apêndice B

PREFÁCIO DOS EDITORES
O teólogo holandês J. H. Bavinck afirmava que a base da grande comissão evangélica teria que ser Gênesis 1.1. O autor deste livro, renomado professor da cadeira de Missões do Centro Evangélico de Missões, em Viçosa-MG, vai além para demonstrar que não somente o primeiro versículo, mas toda a Bíblia, trata da questão missionária.
Com o crescimento, nos últimos anos, do interesse das igrejas brasileiras por missões, tornou-se funda­mental a busca de uma base bíblica abrangente para a tarefa missionária. A grande comissão — isolada — hoje não é mais suficiente para sustentar o intenso debate que tem sido travado sobre os diversos aspectos que envolvem a ação missionária transcultural.
Queremos desafiar o leitor a buscar conosco, nas páginas de toda a Escritura, o conhecimento amplo e seguro das bases divinas da missão. Nossa oração é para que o Deus, que no princípio criou os céus e a terra (Gn 1.1), pela graça do Senhor Jesus Cristo (Ap 22.21) en­contre no leitor a atitude de pronto engajamento na sublime tarefa de abreviar o fim da história.
Eber Cocareli










AGRADECIMENTOS


Quero agradecer especialmente ao Rev. Elben Magalhães Lenz César a demonstração de amizade e confiança em mim e a publicação, por meio da revista Ultimato (entre 1983 e 1986), dos capítulos contidos neste livro.
Também reconheço minha dívida de gratidão ao Centro Evangélico de Missões, à sua diretoria, a seu corpo docente e a seus alunos pelo privilégio de participar com eles de um sonho tão antigo quanto a promessa de Deus a Abraão no sentido de abençoar todas as nações do mundo, mediante a salvação oferecida em Jesus Cristo e anunciada por nós!














INTRODUÇÃO


Sentado em nossa sala, um jovem engenheiro agrônomo refletia a respeito de sua vida de estudante universitário cristão e zeloso pela evangelização: "Naquela época, eu viajava de ônibus entre a cidade e o compus e poucos foram os colegas que não ouviram do evangelho por meio de meu testemunho. Mas, hoje — sei lá — tenho amadurecido na fé e já não reajo com as pessoas como um recém-convertido..."
Fiquei pensando em quantos cristãos cometem o mesmo engano: relacionar a evangelização ardente e fiel apenas com os primeiros passos, com o entusiasmo do estágio inicial da vida cristã, deixando que ela se transforme, em seguida, num respeitoso silêncio, fruto de um "amadurecimento" na fé. Tal atitude reflete falta de conhecimento da perspectiva bíblica sobre a missão da igreja e sua tarefa evangelística.
Por alguma razão, que acredito ser diabólica, a questão missionária frequentemente não preocupa muito a igreja, se não na teologia, pelo menos na prática. Para alguns, a vocação missionária cabe mais aos ministros de menor preparo e experiência. Assim, a rica palavra missões torna-se nada mais que um degrau na ascensão da carreira profissional ou mesmo um meio pelo qual a igreja se livra dos ministros não tão bem sucedidos. Claro, isto acontece muito menos no pensamento e muito mais na prática. É um contraste com a igreja primitiva, que formou sua primeira equipe missionária com o influente e bem instruído Paulo e com o grande expositor da Palavra de Deus, Barnabé!
A matéria é tratada como se fosse apenas uma pequena parte do preparo bíblico e teológico. Certamente, a grande comissão (Mt 28.18-20) é citada, com certa frequência, com zelo e ardor. Todavia, poucas vezes ela é vista e exposta como o clímax e o ápice de uma longa série de teologia missionária que se irradia das páginas da Bíblia, desde Gênesis 1.1 até Apocalipse 22.21, ou seja, do primeiro ao último versículo da Palavra de Deus.
A Bíblia, então, é essencialmente um livro missionário, visto que sua inspiração deriva de um Deus missionário. O termo missionário vem do latim, que, por sua vez, traduz a palavra grega apóstolos, a qual significa o enviado. Jesus usou este termo para destacar o relacionamento entre Deus Pai, Deus Filho e seus discípulos, quando disse: "Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio" (Jo 20.21). O próprio caráter de nosso Senhor é missionário. Portanto, não é de surpreender que sua Palavra também manifeste esta característica. É à luz desta revelação de Deus que a igreja enfrenta o maior desafio do cristianismo — a tarefa missionária inacabada, cujo âmago é a evangelização.


1
A BASE DE MISSÕES NO
RELATO DA CRIAÇÃO


Um dos maiores teólogos de missões, o holandês J. H. Bavinck, observou que Gênesis l. l é, obviamente, a base necessária da grande comissão dada nos evangelhos. De fato, ele tinha razão. O versículo tão conhecido diz: "No princípio criou Deus os céus e a terra".
A CRIAÇÃO DO MUNDO
Destaca-se aí a amplitude da preocupação de Deus e, por conseguinte, o palco de missões. Nada menos que o mundo inteiro pertence à esfera do interesse de Deus. Antes de ser uma preocupação mais restrita, a preocupação é basicamente universal. Antes de ser o Deus de Israel, ele é o Deus do universo. Antes de ser o Deus da igreja, é o Senhor de tudo. (Mesmo o título usado no Antigo Testamento, Adonai, tem o sentido de "Senhor de tudo" ou "Senhor absoluto", em vez de Adonî, forma esta que significa "meu Senhor", representando, por exemplo, um deus particular de um indivíduo ou de uma nação.)
"Pois Deus amou o mundo de tal maneira..." (Jo 3.16). O escopo de Deus é o mundo criado. Nele, a mira de Deus está fixada. Ele tem um plano mestre para todas as coisas (l Co 15.28). Claro que o meio de alcançar este alvo é mais estreito: a igreja. Se o alvo da mira de Deus é o universo, certamente, a partir do NT, a espingarda carregada é a igreja, assim como foi Israel no AT. Embora a igreja continue sendo o centro do plano de Deus, não é, de maneira alguma, sua totalidade, seu limite e sua circunscrição.
A esfera da preocupação de Deus é universal. Por isso, disse Jesus: "... toda autoridade me foi dada no céu e na terra" (Mt 28.18). O mesmo Deus que tudo criou, sobre tudo possui toda autoridade (Cl 1.16-17) e de tudo receberá toda a glória e honra, "para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus é Senhor para a glória de Deus Pai (Fp 2.10-11. Aqui, Paulo traduz o termo hebraico Adonai, "Senhor de tudo", pelo equivalente grego kyrios e aplica-o à pessoa de Jesus, indicando que este Deus de toda criação, Jeová, é de fato o próprio Jesus de Nazaré!)
Portanto, quando Jesus disse a seus discípulos que fossem a todas as nações, a toda criatura e a toda parte do mundo, ele se baseava no fato de que o mundo todo pertence, por direito, a Deus, por ser sua criação.

A CRIAÇÃO DO SER HUMANO

O fato de que a preocupação de Deus é universal confirma-se no relato da criação do ser humano e no propósito de Deus designado para ele.


"Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou, e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, e sobre todo animal que rasteja pela terra" (Gn 1.27-28).


Confirmamos que o objeto do domínio dado à humanidade é o mundo inteiro. Tanto os céus quanto a terra mais uma vez são mencionados na passagem. Entretanto, a esta altura, já há outra dimensão relacionada às missões, isto é, o papel do homem. Sua tarefa será dominar e sujeitar o mundo que Deus criou. Assim, ele recebe uma certa realeza delegada por Deus. Esta capacidade aparentemente (segundo a passagem) define a imagem de Deus no ser humano, a capacidade (e ordem!) de dominar, sujeitar e ordenar. Assim como Deus domina, governa e reina como Rei, o homem, sendo seu embaixador e enviado, também deve reinar como um rei sobre a criação de Deus. Foi com o fim de promover o reino de Deus que ao homem se imputou a imagem de Deus. É por isso mesmo que, depois da queda, houve tanta desordem e abuso de domínio do ser humano afastado de Deus. Somente uma restauração, uma recriação e um renascimento dos homens e das mulheres, por meio da redenção conseguida na cruz do Calvário, podem recapacitar o homem a participar do reino de Deus e a anunciar a todas as nações a chegada deste glorioso reino.
Portanto, o relato bíblico da criação já estabelece o palco de missões com escopo e foco universais. Destaca também o papel do homem como um embaixador que promove o domínio do Rei-Criador por todo o mundo.

2


A RESPONSABILIDADE
MISSIONÁRIA DE ISRAEL


No primeiro capítulo, destacamos dois aspectos de missões no relato bíblico da criação. Em primeiro lugar, observamos, através do relato da criação do mundo, que nada menos do que o universo inteiro objetiva a preocupação de Deus com o alvo da redenção, e, como consequência, o mundo é definido como o palco de missões. Em segundo lugar, observamos, através do relato da criação do homem, seu papel como em­baixador-missionário, isto é, como representante (rei, com r minúsculo) de Deus (Rei, com R maiúsculo) e seu enviado (este é o significado da palavra missionário) para anunciar o reino de Deus e até participar da ordenação e do domínio deste reinado em todo o mundo. Reparamos ainda que, depois da queda, esta imagem de Deus no homem corrompeu-se, restando a salvação de Cristo Jesus a fim de restaurar o homem ao estado pretendido por Deus desde o início.
Entretanto, pode-se pensar que, se Deus tem, desde o início, uma preocupação universal, por que o Antigo Testamento dá tanta ênfase somente a uma nação — Israel?
Vejamos os capítulos 3-12 de Gênesis. A partir de Adão, o relacionamento entre Deus e o homem piorou. Neste trecho das Escrituras lemos a respeito de queda e rebelião. Por fim, Deus diz: "Chega! Vou acabar com toda a raça humana e começar tudo de novo com uma só família". Deus efetivamente fez isto, destruindo a humanidade toda com exceção da família de Noé.
Ora, são fascinantes as palavras de Deus a Noé e seus filhos, depois do dilúvio: "Sede fecundos, multi­plicai-vos e enchei a terra" (Gn 9.1). O mandamento de Deus para Adão continua o mesmo para Noé e sua família. Eles deveriam ser os novos embaixadores-missionários de Deus por todo o mundo. Enfatizamos, de acordo com Gênesis, que esta aliança se fez entre Deus, Noé e seus filhos. Somente um dos filhos de Noé, Sem, seria o antecedente dos povos semitas, como Israel, por exemplo. Todos os filhos, porém, representavam toda a humanidade de novo.
Infelizmente a história continuou inalterada. Mais uma vez houve rebelião e tudo piorou e se agravou até a construção da torre de Babel:


"Ora em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma só maneira de falar. Sucedeu que, partindo eles do oriente, deram com uma planície na terra de Sinear; e habitaram ali. E disseram uns aos outros: Vinde, façamos tijolos, e queimemo-los bem. Os tijolos serviram-lhes de pedra, e o betume, de argamassa. Disseram: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade, e uma torre cujo topo chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra" (Gn 11.1-4).


A torre de Babel foi construída para ser um símbolo de unidade, um lugar onde as pessoas pudessem se reunir. Buscava-se segurança com essa união, tendo em vista os perigos desconhecidos da terra despovoada. Eles disseram: "Não queremos nos espalhar por toda a terra. Não vamos obedecer ao primeiro mandamento de Deus e espalhar seu domínio por todo o mundo".
Mas Deus os forçou a isto, confundindo-lhes as línguas, exigindo, assim, a separação entre povos e nações. Mais tarde, quando Deus teve um povo remido pelo sangue de Jesus, ele reverteu o processo de confundir as línguas para dar expansão à obra missionária da igreja (At 1.8). Ao mesmo tempo, continuou a permitir a dispersão forçada de seu povo, a fim de promover seu reino por todo o mundo (At 8.1, 4).
Até este ponto do relato de Gênesis, vemos como Deus quis usar a humanidade, a fim de promover a ordem e seu domínio. Observamos que o foco manteve-se universal. Gênesis 1-11 conta a história do mundo e de toda a humanidade.
A partir do capítulo 12, contudo, e até o final do Antigo Testamento, a ênfase recai na história não universal, mas particular do povo de Israel. Esta nação seria o instrumento de Deus para atingir seu alvo, que continuaria a ser o mundo todo.
Veremos agora que no período dos patriarcas, como no dos reis e dos profetas, embora muito se relate sobre um povo só, Israel, o propósito de Deus alcança todas as nações.


NO PERÍODO DOS PATRIARCAS


Quando Deus chamou Abraão, concentrou-se em um só homem, por meio de quem constituiria uma família e, depois, uma nação, cuja influência atingiria todos os povos do mundo: "Em ti serão benditas todas as famílias da terra" (Gn 12.3). Esta passagem chave influenciou todo o resto da Bíblia!
Abraão tornou-se um grande missionário. Deus o chamou, e ele respondeu com fé. Deixou sua vida anterior e iniciou sua peregrinação. Foi chamado pai da fé. Entretanto, sua fé serviu como meio para alcançar um fim, sendo este uma missão. A fé sozinha não tem conteúdo. Na vida de Abraão, a fé lhe foi exigida, porque em sua missão encontrou, muitas vezes, dificuldades que seriam vencidas apenas pela fé em Deus, que dá origem à missão.
Este chamado de Abraão repetiu-se para seus descendentes: "... a tua descendência possuirá a cidade dos seus inimigos, nela serão benditas todas as nações da terra" (Gn 22.17-18). Esta "descendência" refere-se a três entidades. Em primeiro lugar, ao povo de Israel. A missão de Abraão passou também a seus descendentes, pois o chamado à missão repetiu-se tanto para Isaque (Gn 26.2-4) quanto para Jacó (Gn 28.13-14) e José (Gn 49.22).
Em segundo lugar, a descendência refere-se a Jesus. Todas as bênçãos de Deus nos vêm por meio de Jesus Cristo (Ef 1.3), tanto que Abraão era apenas um tipo de Cristo, apontando para frente, junto com os profetas e reis, para o Messias, através de quem Deus cumpriu cabalmente as promessas feitas a seus tipos.
Em terceiro lugar, assim como o chamado passou para os descendentes de Abraão, também passou para os "descendentes" de Jesus, aqueles que renascem em Cristo, os verdadeiros e atuais descendentes de Abraão (Gl 3.29). Os cristãos são chamados para serem missionários-embaixadores.
Resumindo: desde o início, o chamado de Israel como nação foi feito a fim de alcançar todas as famílias, ou seja, todas as nações da terra. O propósito de Deus no levantamento de Israel era mostrar ao mundo, mediante sua história, o caminho da salvação, e assim levar todos os povos a gozar esta bênção. O foco no mundo uma vez mais se destacou. Esta ênfase nunca se perdeu no Antigo Testamento, embora, às vezes, tenha sido obscurecida. A história de Israel é uma história de missões.


NA HISTÓRIA DE ISRAEL


Na história de Israel, a atuação de Deus para com seu povo visava a um propósito maior — alcançar as nações. Por exemplo, após atravessar o Mar Vermelho e o Rio Jordão, Josué afirmou:


"Porque o Senhor vosso Deus fez secar as águas do Jordão diante de vós, até que passásseis, como o Senhor vosso Deus fez ao Mar Vermelho, ao qual secou perante nós, até que passamos. Para que todos os povos da terra conheçam que a mão do Senhor é forte: a fim de que temais ao Senhor vosso Deus todos os dias" (Js 4.23-24).


Os milagres de Deus não objetivavam algo para Israel, mas eram uma forma de conduzir as nações à salvação. (Observe-se que "temer", para o hebreu, significava a aliança que tinha quanto à sua fé, assim como, hoje em dia, o termo popularmente usado é "religião".)
Davi compreendeu este propósito maior de Deus, quando se confrontou com Golias:


"Davi, porém, disse ao filisteu: Tu vens contra mim com espada, e com lança, e com escudo; eu, porém, vou contra ti em nome do Senhor dos Exércitos, o Deus dos exércitos de Israel, a quem tens afrontado. Hoje mesmo o Senhor te entregará na minha mão; ferir-te-ei, tirar-te-ei a cabeça, e os cadáveres do arraial dos filisteus darei hoje mesmo às aves dos céus e às bestas-feras da terra; e toda a terra saberá que há Deus em Israel" (l Sm 17.45-46).


Esta consciência missionária de Davi chegou a marcar significativamente seus salmos:


"Aclamai a Deus, toda a terra... prostra-se toda a terra perante ti... os seus olhos vigiam as noções... bendizei, ó povos, o nosso Deus" (66.1, 4, 7, 8).
"E todos os reis se prostrem perante ele; todas as nações o sirvam... nele sejam abençoados todos os homens, e as nações lhe chamem bem-aventurado" (72.11, 17).
"Todas as nações que fizeste virão, prostrar-se-ão diante de ti, senhor, e glorificarão o teu nome" (86.9).
"Anunciai entre as nações a sua glória, entre todos os povos as suas maravilhas" (96.3).
"O Senhor fez notória a sua salvação; manifestou a sua justiça perante os olhos das nações... celebrai com júbilo ao Senhor, todos os confins da terra" (98.2, 4).
"Louvai ao Senhor vós todos os gentios, louvai-o todos os povos" (117.1).


Esta visão missionária também foi evidenciada pelo filho de Davi, Salomão, quando dedicou o templo a Deus, orando:


"... ouve tu nos céus, lugar da tua habitação, e faze tudo o que o estrangeiro te pedir, a fim de que todos os povos da terra conheçam o teu nome, para te temerem como o teu povo Israel, e para saberem que esta casa, que eu edifiquei, é chamada pelo teu nome" (l Rs 8.43; ver também Is 56.6-8).


NOS PROFETAS


Os profetas chamavam o povo de Israel para voltar a essa visão universal de Deus, pois Israel tendia a ter uma perspectiva nacional e exclusivista. Jeová seria o Deus da salvação de todos: "Olhai para mim, e sede salvos, vós, todos os termos da terra" (Is 45.22); "diante de mim se dobrará todo joelho" (Is 45.23). O profeta Sofonias reconhecia esta perspectiva: "Então darei lábios puros aos povos, para que todos invoquem o nome do Senhor, e o sirvam de comum acordo". Assim também Malaquias: "Mas desde o nascente do sol até o poente é grande entre as nações o meu nome..." (Ml 1.11). Aos estrangeiros é dado o título "povo de Deus" (Os 2.23). O anúncio do Messias que vem tem caráter universal, concretizando a promessa de Deus a Abraão de abençoar todas as nações e cumprindo a responsabilidade dada ao homem de dominar a terra.


"Ele anunciará paz às nações; o seu domínio se estenderá de mar a mar, e desde o Eufrates até as extremidades da terra" (Zc 9.10).


Assim, conforme o Antigo Testamento, desde a criação do mundo, alcançando a história de Israel e as profecias dos antigos profetas, Deus tem preparado seu povo para a grande missão de levar seu domínio a todo canto e a todos os povos da terra. Estejamos preparados dispostos!

3
A PERSPECTIVA DE MISSÕES NO MINISTÉRIO DE JESUS


Nos últimos capítulos, confirmamos que o mandato missionário baseia-se no Antigo Testamento, como um fio que entrelaça toda a história de Israel. O escopo de missões sempre foi e sempre será universal, já que procura anunciar e promover o reino de Deus por todo o mundo. Na própria história de Israel, a mão forte e poderosa de Deus se estendeu ao povo, não somente para seu benefício, mas também como testemunho às nações, a fim de levá-las a conhecerem o Senhor dos Exércitos.
No Novo Testamento, essa preocupação universal de Deus intensifica-se a partir do ministério de Jesus. O Evangelho Segundo Lucas, mais que todos os outros, enfatiza o significado universal da vinda de Jesus. Dos quatro evangelhos, apenas Mateus e Lucas traçam a ascendência de Jesus através de sua genealogia. Mateus começa a partir de Abraão a fim de destacar aos leitores judeus e aos gentios, inquisidores da fé judaica, que Jesus, sendo filho de Abraão, é o Rei prometido de Israel. Lucas, entretanto, começa a genealogia de Jesus a partir de Adão, destacando-o como filho do pai de toda a humanidade. Assim, Jesus identifica-se com o plano mestre e universal de Deus na história da criação, ou seja, ter domínio sobre todas as coisas e não somente sobre Israel. Em Lucas vemos Cristo como o missionário de Deus, enquanto em Mateus ele é visto mais como o Messias prometido de Israel.
Lucas enfatiza o significado do ministério de Jesus, tanto em termos geográficos quanto em termos sociais e culturais. Consideremos estes três aspectos de seu ministério.


ROMPENDO AS BARREIRAS GEOGRÁFICAS


Em Lucas 4, Jesus estava em Cafarnaum, onde centralizou seu ministério no início. Foi lá que ele começou a pregar, ensinar e curar com autoridade. Foi até a casa de Simão e curou sua sogra. Nas altas horas da noite, o povo lhe trazia os doentes, e ele os curava, devendo ter ficado um tanto sobrecarregado com este ministério, pois lemos: "Sendo dia, saiu e foi para um lugar deserto; as multidões o procuravam e foram até junto dele, e instavam para que não os deixasse" (Lc 4.42).
Aparentemente, o povo percebia que Jesus estava prestes a deixá-lo, e isto quando ele mal começara seu ministério lá! Imagine a reação das pessoas — angustiadas como se tivessem estado na fila do INPS durante a noite toda e, de repente, o médico de plantão tivesse saído de férias.
"Espere aí! Não diga que já vai! O Senhor apenas começou seu ministério aqui. Esta cidade está cheia de corrupção e pobreza, pecado e doença. O Senhor ainda não pode nos deixar!"
Qual foi a resposta de Jesus?
"É necessário que eu anuncie o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui enviado."
O evangelho deve se espalhar. Não pode ficar parado em lugar algum! Já que o evangelho é do reino, isto tem dimensões as mais amplas e universais possíveis. Fica, portanto, implícita sua divulgação por toda parte, atravessando todas as barreiras geográficas. Tem que estar sempre em movimento, até que todos recebam as boas novas. O ministério de Jesus demonstra uma preocupação missionária que cruza as fronteiras geográficas, convocando a todos em todos os lugares a assumirem a vida do reino.


ROMPENDO AS BARREIRAS SOCIAIS


A missão de Jesus, contudo, não se resumiu a cruzar barreiras geográficas. Jesus também rompeu barreiras sociais, pois ministrou a grupos sociais outrora negligenciados.
Por exemplo, observamos que três vezes Jesus foi à casa de um fariseu para jantar (Lc 7.36; 11.37; 14.1). Ele, portanto, não deixou de ministrar até mesmo à classe religiosa que mais se opunha a ele. Em outra ocasião, uma mulher pecadora ungiu os pés de Jesus com perfume (Lc 7.36-50). Jesus não se preocupava com o estigma social que poderia receber por causa de sua simpatia e disponibilidade para ministrar a todos igualmente, tanto àqueles que deveriam ser seus maiores inimigos quanto aos que poderiam causar o maior escândalo para seu ministério. Aliás, pelo menos segundo Lucas, havia, aparentemente, até uma ênfase — se não preferência — neste tipo de gente, embora Jesus também tenha atendido à alta classe de líderes religiosos. Ele ministrou ao desterrado, ao aflito e ao pecador.
Até os publicamos foram objetos de seu amor e atenção. Eles eram as pessoas mais odiadas pelo povo, consideradas exploradoras, em virtude dos altos impostos que cobravam, e traidoras, por ajudarem a enriquecer o Estado romano. Jesus, apesar deste forte preconceito social, foi jantar na casa de Levi (Lc 5.27-32). Mais ainda, ele se convidou à casa de Zaqueu, outro coletor de impostos (Lc 19.1-10). Dessa forma, Jesus demonstrou concretamente que sua missão implicava em cruzar todas as barreiras sociais, dando atenção especial para os grupos mais rejeitados da sociedade.
Por isso mesmo, Lucas revela enfaticamente o alcance que Jesus teve entre os pobres e oprimidos, desde o princípio de seu ministério: ele veio para evangelizar os pobres, libertar os cativos e oprimidos e restaurar a vista aos cegos (Lc 4.18). Nas bem-aventuranças pregadas na planície, o contraste proposital entre a pobreza e a riqueza exemplifica esta preocupação especial de Jesus com os pobres, famintos, desesperados e oprimidos. Exemplifica-se também nas ilustrações dos dois devedores (Lc 7.41-43; observe a quem Jesus mais ama), do amigo da meia-noite (Lc 11.5-8), do rico e seus celeiros (Lc 12.13-21, veja o último versículo), da moeda perdida (Lc 15.8-10), do administrador esperto (Lc 16.1-13; repare novamente o último versículo) e do juiz iníquo e a viúva (Lc 18.1-8).
Achamos necessário dar duas explicações a esta altura de nossa abordagem do ministério de Jesus. Em primeiro lugar, quando afirmamos sua preocupação com os pobres e oprimidos, não temos por base nem estamos propagando qualquer teologia contemporânea de libertação. Pretendemos apenas obter uma rigorosa, não obstante abreviada, base com interpretação bíblica coe­rente (julgue você mesmo!). Em segundo lugar, bem sabemos que muito se tem falado sobre uma opção preferencial pêlos pobres. Afirmo que a própria evidência bíblica leva a esta conclusão. Se não, Jesus poderia dizer: "O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para evangelizar os ricos..." ou, ainda mais, "bem-aven-turados os ricos...", e Paulo poderia descrever a com­posição da igreja coríntia como sendo de "não muitos analfabetos, nem muitos oprimidos, nem muitos de nas­cimento humilde" (l Co 1.26).
Portanto, para o intérprete espiritual, digo que há sim certa preferência bíblica pelo pobre e oprimido. Não é por acaso que nenhum dos textos citados descreve o pobre como alguém que não seja social e economica­mente pobre. Por outro lado, para o intérprete liberacionista em termos apenas sócio-políticos, digo que essa preocupação com o pobre não existe por causa da po­breza em si, mas sempre em relação à justiça e à glória de Deus. O pobre é preferencialmente bem-aventurado porque ele não tem de quem depender para defendê-lo, a não ser o próprio Deus, se deste, de fato, ele depende. Assim, o pobre bem-aventurado é uma pessoa política e economicamente pobre. Mas, é um pobre não só injustiçado pelos homens como também justo diante de Deus. Esta ideia do pobre injustiçado e também justo deriva da palavra áni, no Antigo Testamento, que se traduz tanto como "pobre" quanto como "humilde" e também "pie­doso" (Am 2.6 e Is 2.6-12). Portanto, a postura do pobre dificilmente é conhecida pelo rico, e a sua posição diante de Deus tem preferência pela maior propensão à de­pendência dele, a qual, assim, vai além de dimensões espirituais, emocionais e de relacionamentos, incluindo também as crises cotidianas, financeiras, profissionais e até políticas, crises estas que o rico enfrenta bem menos. Entretanto, quando o rico consegue assumir essa mesma postura (não é este o sentido da exortação ao jovem rico, em Lc 18.18-23?), pode também gozar a bênção de Deus (como no caso da bem-aventurança para o "humilde" ou "pobre de espírito", em Mt 5.3). Detivemo-nos nessa questão pela necessidade de esclarecimento bíblico e por ser tão pertinente no Brasil, cuja população, em grande parte, é pobre (e cada vez mais, proporcionalmente!).
Decerto ele ministrou também aos ricos, pois, pro­vavelmente, Zaqueu e José de Arimatéia tinham bons recursos financeiros. (Todavia, a forma de dirigirem suas riquezas tinha de mudar diante do compromisso com Jesus!) Assim, reparemos que, se Jesus fez uma opção preferencial pelos pobres, certamente esta opção não era exclusiva. O essencial era um compromisso com o Se­nhor, não deixando isto de ter manifestações concretas na vida de devoção e também nas relações humanas.
Outro grupo desprezado pela sociedade, que re­cebeu a atenção e a preocupação de Jesus, foi o das mulheres. Lucas faz menção desta dimensão do minis­tério de Cristo quarenta e três vezes, enquanto Marcos e Mateus juntos a fazem apenas quarenta e nove vezes. Além disso, Lucas dá ênfase especial ao fato de os primeiros missionários (quem testifica da ressurreição de Jesus) serem todas mulheres (23.55-24.12). Num mundo onde o papel da mulher não possuía prestígio nenhum, este fato é significativo e revelador. Além disso, só Lucas destaca as mulheres que acompanhavam e sustentavam nosso Senhor em sua missão (8.1-3).
A soma destas observações assinala convincente­mente que o ministério de Jesus rompeu barreiras sociais. Sua missão atingiu todos os grupos sociais, espe­cialmente os mais desprezados e oprimidos. Neste sen­tido, tendemos a esquecer o modelo de Jesus e nos acomodar à mobilidade ascendente que nossa fé pro­picia. Não que a ascendência seja negativa, mas apenas a acomodação e injustiças cometidas contra os outros (não é este o sentido da Parábola do Rico e Lázaro? Lc 16.19-31).




ROMPENDO AS BARREIRAS
CULTURAIS E RELIGIOSAS


Jesus alcançou até os samaritanos, aqueles meio-judeus desprezados e marginalizados pelos judeus. Mas não só os alcançou como também fez deles heróis quando contou a história do bom samaritano (Lc 10.29-37). Imagine o aborrecimento dos fariseus quando ouviram essa história! Interessante é que, dos dez leprosos que Jesus curou, o único que voltou para agradecer era samaritano (Lc 17.11-19).
Outro escândalo cultural e religioso que Jesus cau­sou foi seu tratamento para com o centurião romano. Os judeus colocavam os gentios fora da esfera do amor e atividade de Deus (a não ser que se tornassem judeus). Contudo, quando esse soldado romano, que mantinha a lei e a ordem na região, pediu que Jesus curasse seu servo, confiando apenas na palavra afirmativa de fazê-lo, Jesus afirmou: "... nem mesmo em Israel achei fé como esta" (Lc 7.9).


RESUMO


Jesus, sendo filho de Adão (que significa "homem"), cumpre a imagem de Deus no homem Adão, realizando o domínio de Deus e rompendo todas as barreiras que limitam esse domínio, geográficas, sociais e culturais. Desta forma, o plano divino e salvador continua, sendo Jesus nosso precursor, modelo, autoridade e poder. É um plano para o universo que temos de cumprir. O peso de nossa responsabilidade no cumprimento da missão de Deus aparece bem nítido, quando Jesus diz: "Vós sois testemunhas destas coisas" (Lc 24.48).
A mesma passagem define este evangelho como tendo no centro a morte e a ressurreição de Jesus. A fé baseia-se num evento concreto de nossa história. Não é o misticismo das religiões orientais nem a magia das religiões animistas nem a força mental das crenças do alto espiritismo. Nossa fé surge da atuação concreta de Deus em nossa história e resulta na transformação integral do homem em todos os seus relacionamentos.
O evangelho também exige o arrependimento como pré-requisito para a entrada no reino e anuncia o perdão como promessa e dom de seu ingresso.
Onde ele deve ser pregado? — "a todas as nações" (Lc 24.47). Assim como, no início de seu ministério, Je­sus não foi detido ou atrasado por barreiras geográficas, mas teve de ir às outras cidades, semelhantemente, no final desse ministério, ele exorta seus discípulos a irem a todas as nações. Esta exortação nos pertence hoje. A responsabilidade é nossa. Esperemos apenas até que do alto sejamos revestidos do poder (Lc 24.49).
Em síntese, Lucas fornece ampla base para a obra missionária, por meio do modelo do ministério de Jesus. Aliás, nestes estudos, temos destacado que as Escrituras todas fornecem o extenso alicerce que apoia e prepara, pela elucidação desta obra, a grande comissão. A obra missionária da igreja não é uma pirâmide feita de cabeça para baixo, com seu vértice num texto isolado do Novo Testamento, onde elaboramos uma grande estrutura conhecida como "missões". Ao contrário, a obra missionária é uma pirâmide de cabeça para cima, com sua base estendendo-se de Gênesis l até Apocalipse 22. Toda a Escritura forma, então, o alicerce para que o evangelho alcance o mundo todo. A grande comissão seria assim a maior explicação desta obra e poderia ser considerada o ápice da revelação divina quanto a ela, visando o lançamento da igreja nesta missão. Salientamos que a obra missionária não parte só de um texto bíblico, senão da Bíblia toda.
Além disso, observemos que a dimensão da grande comissão é tão extensa quanto a humanidade, isto é, abarca todas as áreas geográficas, classes sociais e culturas.
Finalmente, a responsabilidade está sobre nossos ombros. "Vós sois testemunhas destas coisas" é uma afirmação que inclui todos os cristãos. É nossa responsabilidade levar o evangelho a todas as nações. Se não o fizermos, deixaremos até de ser igreja, pois este envio para o mundo faz parte de sua essência.


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MISSÕES NO MINISTÉRIO DO ESPÍRITO POR MEIO DA IGREJA


No capítulo anterior discutimos o ministério de Jesus como modelo para missões. Fizemos isto através do Evangelho de Lucas. Neste estudo queremos continuar nosso exame de Lucas, mas utilizando seu segundo livro — Atos dos Apóstolos. Enquanto o primeiro focaliza o ministério de Jesus em nossa história, o segundo centraliza-se no ministério do Jesus ressurreto, atuando por meio do Espírito Santo na igreja. No final do primeiro volume, Jesus exortou seus discípulos a que esperassem pelo poder do alto, o poder do Espírito Santo. No início do segundo, eles o recebem, e a expansão missionária da igreja começa.
Não podemos subestimar a necessidade do poder do Espírito Santo na realização da grande comissão. Harry Boer, em seu livro Pentecost and Missions ("Pentecoste e Missões"), argumenta bíblica e irrefutavelmente que a vinda do Espírito Santo — a experiência do Pentecoste — dá vida e sentido à grande comissão, tanto que esta, sem o Pentecoste, não teria poder algum nem poderia ser cumprida. Sim, a vinda do Espírito possibilita a realização do mandamento. É uma experiência animadora ver homens e mulheres respon­derem a esse mandamento com oração e, revestidos do poder do alto, pregarem o evangelho porque tiveram um encontro inesquecível com o Senhor. Mesmo não en­tendendo perfeitamente a grande comissão, pregam com convicção e resultados, pois, quando o Espírito se apo­dera deles, há um impulso irresistível de testemunhar.
Acredito que exista força satânica por trás do medo do poder do Espírito Santo em muitas igrejas tradicionais hoje. É claro que, algumas vezes, o medo baseia-se nos abusos que vemos ao nosso redor. Entretanto, mais frequentemente, é medo daquilo que o Espírito fará e exigirá de nós. A este respeito, Richard Lovelace observa em seu livro Dynamics of Spiritual Life ("A Dinâmica da Vida Espiritual"):


"Há uma estranha incapacidade entre os cristãos modernos de levar a sério essa informação (sobre a realidade de Satanás) e até uma insegurança nos evangélicos (conservadores) em dar muita atenção a isto. Sugiro que esta relutância exista não porque o assunto seja trivial, mórbido ou perigoso, mas porque estas forças têm acesso às nossas mentes e são aptas para nos cegar em relação à sua presença e esconder o evangelho do mundo. O inferno é uma conspiração, e o primeiro pré-requisito de uma conspiração é que ela permaneça clandestina".


Por que Satanás criaria em nós esse medo da atuação do Espírito de Deus e a dúvida da presença e do poder do próprio inimigo? Porque assim ele pode cortar o nervo principal do cumprimento de missões (quando se recua do poder do Espírito) e, ao mesmo tempo, esconder seu próprio papel conspirador.




O ESPÍRITO SANTO COMO AUTOR E
REALIZADOR DE MISSÕES


A igreja, então, necessita do poder de Deus para cumprir sua missão, pois "nossa luta não é contra o sangue e a carne, e, sim, contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes" (Ef 6.12). Portanto, o pré-requisito para o cumprimento da tarefa missionária é o poder do Espírito Santo (At 1.8). Precisamos de um poder sobrenatural para lutar contra um inimigo sobrenatural. Com a vinda do Espírito, a igreja compreendeu as palavras de Jesus: "Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim, fará também as obras que eu faço, e outras maiores fará, porque eu vou para junto do Pai" (Jo 14.12). No discurso que contém esse versículo, o Espírito Santo é central (Jo 14.16), e os discípulos devem esperá-lo, tendo já recebido a grande comissão. O Espírito, portanto, é o autor de missões, pois a obra parte de sua capacitação.
Ele não é apenas o autor, mas também o realizador de missões. Com sua vinda sobre os primeiros discípulos houve o sinal sobrenatural de "línguas", que indicava claramente que o evangelho deveria ser pregado a todas as raças e nações. Podemos dizer que o Espírito garante o sucesso missionário no mundo.


O ESPÍRITO COMO PROMOTOR DE MISSÕES


O Espírito Santo está por trás de todos os acon­tecimentos em Atos. Ele é quem atuava quando:


  • a igreja se iniciou com 3.000 e depois 5.000 convertidos (2.41, 4.4);
  • Pedro e os outros discípulos testemunharam ousadamente frente à perseguição (3.11-26);
  • os primeiros seguidores venceram o egoísmo e deram liberalmente à obra do Senhor (4.32-37);
  • morreu o primeiro mártir, mostrando vitória gloriosa sobre a perseguição e vingança (6.8-7.60);
  • o evangelho da salvação alcançou o primeiro lar gentio (11.12);
  • a mensagem de perdão espalhou-se pela Etiópia e África (8.27-29);
  • as igrejas na Judéia, Galiléia e Samaria vieram a se estabelecer firmemente (9.31);
  • a maravilhosa igreja missionária de Antioquia começou a prosperar em preparação para seu envio de missionários (l 1.22-26);
  • o amor mútuo das primeiras comunidades cris­tãs manifestou-se através da coleta incentivada pela profecia de Ágabo (l1.28-29);
  • a igreja de Antioquia lançou seu programa missionário (13.2);
  • Paulo venceu seu primeiro inimigo, Elimas, em Chipre (13.9);
  • os apóstolos alegraram-se na perseguição em Antioquia da Pisídia (13.50-52);
  • os apóstolos reconheceram a obra entre os gentios e pronunciaram liberdade da lei para os cristãos gentios (15.28);
  • Paulo foi impedido de continuar na Ásia, sendo dirigido à Europa; um marco missionário significante (16.6-10);
  • os líderes foram escolhidos para tomar conta da igreja local em Éfeso (20.28).


Assim, o Espírito Santo acompanhava todos os passos decisivos na expansão missionária da igreja.


O ESPÍRITO COMO PODER PARA MISSÕES


Há uma diferença entre alguém ser cheio do Espírito Santo e o Espírito ser derramado sobre as pessoas. O primeiro caso refere-se mais à qualidade, ao caráter espiritual de alguém e ao poder para servir. O segundo refere-se mais à introdução decisiva de uma nova era ou do início de um novo movimento ou expansão.
O Espírito Santo foi derramado apenas quatro vezes em Atos. Cada uma das conquistas na expansão missionária foi acompanhada por sinais milagrosos. A primeira vez foi a vinda do Espírito no Pentecoste (2.1-13); a segunda, quando o evangelho alcançou a Samaria, a primeira cidade não judia (8.14-17); a terceira, quando Pedro pregou à primeira família gentia, a de Cornélio, em Cesaréia (10.44-45) e, finalmente, a quarta, quando Paulo conseguiu demonstrar a diferença entre o evangelho de Jesus e a pregação de João Batista (l9. l-6). Todas as vezes o próprio Espírito Santo marcou, milagrosamente, a introdução de uma nova fase na tarefa missionária a nós confiada.
O resultado destes despertamentos, onde o Espírito é derramado sobre as pessoas, é fruto permanente. Os 3.000 convertidos da pregação de Pedro perseveravam (2.42, veja 11.24)! A história confirma a permanência do fruto destas atuações excepcionais do Espírito. Por exemplo, durante os primeiros 96 anos de evangelização na Polinésia ocidental (a partir de 1811), houve mais de um milhão de conversões. Hoje, esta região possui uma percentagem de cristãos praticantes maior do que qualquer outra área comparável no mundo! Nos pri­meiros 80 anos de trabalho missionário na Birmânia, uma pessoa a cada três horas, em média, era batizada, e 10% delas tornaram-se obreiras ativas do Senhor. Quando o primeiro missionário cristão chegou às ilhas Fiji, assistiu ao enterro de 80 vítimas de uma festa canibal. Ele viveu, porém, para ver multidões de convertidos tomando a ceia do Senhor. Depois de 50 anos, em 1885, havia 1.300 igrejas. Os casos nem sempre são assim. Não seria justo, por exemplo, comparar o resultado nos países muçulmanos. Apenas enfatizamos que, quando o Espírito é derramado sobre as pessoas, há fruto permanente.


O ESPÍRITO SANTO COMO ESTRATEGISTA DE MISSÕES


Em Atos l.8 encontramos uma estratégia geral que, de fato, corresponde ao desdobramento da expansão missionária da igreja. Isto é, começa em Jerusalém, o lar dos primeiros discípulos; penetra a Judéia, lugar árido e difícil para a evangelização, embora geografïcamente próximo a Jerusalém; encontra o primeiro desafio cultural em Samaria, em preparação final para os confins da terra. Desta maneira, aprendemos que a expansão missionária e geográfica é cada vez mais abrangente, tendo uma penetração cada vez maior.
Em Atos, encontramos também uma estratégia ur­bana. As cidades chaves devem ser alcançadas. A ideia de missões urbanas, então, não é uma novidade. Felipe foi dirigido à Samaria, Pedro a Cesaréia e Paulo às cidades chaves do Oriente Próximo e Europa. Diante da marcante urbanização mundial (população urbana em 1900 = 14%; 40% em 1980 e 50% no ano 2000) e brasileira (31% em 1940; 68% em 1980, e a ONU prevê que até o ano 2025 entre 80% e 90% da população latino-americana será urbana!), a tarefa missionária não pode ser ingênua. Na década de 80, aproximadamente um bilhão de pessoas migraram para os centros metro­politanos do Terceiro Mundo. Cidades como Bogotá, São Paulo e a Cidade do México têm um aumento diário de 4.000 a 6.000 habitantes. No Brasil, a migração para os centros urbanos, especialmente os do litoral, é bem destacada desde o período colonial. Viana Moog, em seu livro Bandeirantes e Pioneiros, documenta como sempre houve uma tendência de retorno às grandes cidades do litoral por maior que fosse a penetração rural e para o oeste. Tudo isto tem grande importância para missões.
Outra estratégia envolve pessoas e classes chaves. Quando Paulo foi a Chipre, tratou com o procônsul do país. Em Atenas (outro centro metropolitano), tratou com os filósofos, e alguns se converteram, entre os quais um certo Dionísio (At 17.18, 34). Em Éfeso, trabalhou entre os estudiosos, na escola de Tirano, durante dois anos. Resultado? Todos os habitantes da Ásia ouviram a pa­lavra do Senhor, tanto judeus como gregos (At 19.10). Que relatório! Outro exemplo é o de Felipe, que, ao falar com o eunuco da Etiópia, dirigia-se a um líder do país, sendo este o primeiro passo do evangelho naquela nação.
Em Atos, notamos uma preocupação constante de fundar igrejas em áreas ainda não atingidas. Paulo até fez disso uma regra pessoal (Rm 15.20). Entretanto, atualmente, a metade da população mundial está na Ásia, onde, embora apenas 5% professem a fé cristã, somente 5% da força missionária mundial ministra. Vendo a situação por outro angulo, teremos 99% da força missionária mundial ministrando entre os 42% da população mundial, onde já existem igrejas cristãs que podem alcançar os não cristãos. O outro 1% da força missionária trabalha entre os 58% da população mundial, onde os não cristãos só podem ser alcançados por meio do ministério transcultural. Quanto precisamos hoje da conscientização paulina de ministrar onde Cristo ainda não foi pregado!
O Espírito Santo dirige as igrejas recém-fundadas para que sejam igrejas autóctones (At 20.28). O primeiro passo, e o mais crucial, para se alcançar uma boa medida de autoctonia é o treinamento de liderança capacitada tanto para a ofensiva quanto para a defesa da igreja frente aos desafios e ameaças do mundo (At 20.29-31). Muito se fala hoje de três objetivos práticos e concretos para se alcançar o alvo de autoctonia: auto-governo, auto-sustento e auto-propagação; isto é, nenhuma igreja local (muito menos a denominação) pode ficar satisfeita, enquanto depender de outra igreja para financiar seus obreiros e fazer sua evangelização. Por outro lado, isto não quer dizer que as igrejas não devam ajudar umas às outras, testemunhando juntas na comunidade. Ajudar e cooperar são coisas não só positivas como também evangelisticamente essenciais (Jo 17.20-21). Contudo, a dependência que ultrapassa esses três objetivos faz definhar a Igreja e prejudica a eficiência e integridade de seu testemunho na sociedade. Os três objetivos são importantes, mas podemos dizer que os dois primeiros, em geral, concorrem para o máximo empenho do terceiro, o alcance evangelístico e missionário de cada comu­nidade cristã. Temos destacado em todos esses estudos que esta é a essência da igreja. A igreja que não é missionária não é igreja em nenhum sentido bíblico; aliás, logo se torna, ela mesma, um campo missionário. Ao contrário, um bom exemplo seria a igreja de Tessalônica, à qual Paulo escreve:


"Porque de vós repercutiu a palavra do Senhor, não só na Macedônia e Acaia, mas por toda parte se divulgou a vossa fé para com Deus, a tal ponto de não termos necessidade de acrescentar coisa alguma..." (l Ts 1.8).


Portanto, as igrejas fundadas em cada lugar devem ter como alvo a independência, procurando o desenvol­vimento de sua própria liderança, de seu sustento e de seu programa de evangelização e obra missionária.
Uma qualificação, entretanto, é necessária quanto a autoctonia. Os três objetivos mencionados acima não garantem a conquista da autoctonia, embora sejam bons passos nessa direção. Conheço igrejas que se sustentam, se dirigem e evangelizam, mas que, mesmo assim, permanecem dependentes de suas igrejas-mães num sentido mais profundo. Seus conceitos e aplicações do evangelho dentro de seu ambiente são diretamente determinados pelas conceituações de sua igreja-mãe, mesmo quando esta, em grande medida, desconhece o contexto cultural e social da igreja fundada e é alheia a este. Não estou sugerindo que cada nova igreja tenha que começar da estaca zero para a elaboração de todas as suas doutrinas e ideias. Longe disso! Acredito que o Espírito Santo não morreu depois do Novo Testamento e que através da história lidera a igreja de Cristo na expressão de sua fé. Contudo, a aplicação do evangelho em situações culturais, sociais e históricas pode variar. Os problemas brasileiros não são sempre iguais aos norte-americanos ou europeus, tampouco os nigerianos ou indianos. As igrejas-mães podem — e devem — aju­dar-nos a entender aquilo que Deus falou em sua re­velação. Contudo, cabe muito mais às igrejas fundadas sua interpretação e aplicação em seus próprios con­textos. Quando as igrejas fundadas conseguem assumir seu sacerdócio dos santos e ouvir a voz de Deus, me­diante as Escrituras, para sua própria situação, estão ainda mais no caminho da autoctonia (e, por exemplo, podem ajudar as igrejas-mães a contextualizarem me­lhor o evangelho em suas próprias culturas também!).
Já mencionamos o papel da união dos cristãos no sucesso da obra missionária. Resta apenas ressaltá-la como uma estratégia essencial do Espírito Santo para o desempenho missionário eficaz. Creio que esta união seja um assunto um pouco negligenciado, se não desprezado em nosso meio, já que podemos reconhecer seu significado bíblico para missões sem praticá-la.
Reparemos que a união dos fiéis (At 4.24, 32; 2.44, 46) leva a intrepidez diante dos homens (At 4.29-31; 2.37-41) e temor diante de Deus (At 4.31; 2.43). Por conseguinte, Deus operava milagres por meio do Espírito Santo (At 4.22, 30; 2.43), a igreja evangelizava com resultado (4.29, 31, 33; 2.40, 41, 47) e atendia às ne­cessidades físicas das pessoas (At 4.32, 34, 35; 2.45). Que receita para a igreja missionária: união, intrepidez, temor, milagres, evangelização e ação social! E eu pergunto: quais destes itens não constituem um ponto fraco em nossas igrejas? Imagine a combinação de todos! Por onde começamos? Sugiro a união.
A união da igreja não é apenas algo bonito e romântico que ocorre automática e facilmente. É preciso esforçar-se para alcançá-la e preservá-la (Ef 4.3). Exige sacrifício e até certo sofrimento, mas como resultado a união fornece alimento para o combate pela fé evangélica (Fp 1.27-30). Implica não só numa união teórica ("nós somos irmãos, embora não concordemos..."), mas numa unanimidade de pensamento, amor e humildade (Fp 2.1-4). Só a alcançamos à medida que seguimos o exemplo de Jesus Cristo (Fp 2.5-11). Sem dúvida, a união do povo de Deus é uma das estratégias mais críticas na obra missionária que o Senhor nos deu e que o Espírito Santo viabilizou.
Poderíamos abordar outros aspectos estratégicos da atuação do Espírito Santo na expansão missionária da igreja. Talvez aqueles já mencionados incentivem o caro leitor a pesquisar outros, procurando a direção do Espírito nessa pesquisa. De nossa parte, queremos apenas acentuar que o desafio missionário exigia e exige nada menos que o poder do Espírito Santo. Nada do triunfalismo de planos e esquemas que dependam da perícia e técnica humanas que ultrapassam a direção do Espírito, mas somente a humildade e o temor com discernimento e ação, tomados como fruto da vida dependente do Espírito. Tenhamos cuidado com nossas ideias "brilhantes" e "seguras", pois, quando o esforço missionário permanece sob o controle do Espírito de Deus, ele é o autor, realizador, promotor, a fonte de poder e o estrategista de missões.
Urge um novo chamado a um despertamento para dependência total do Espírito Santo, sem medo da ma­neira como seremos entendidos e vistos. Urge a busca diligente da plenitude do Espírito de Deus em nossa vida pessoal, igrejas, agências e juntas missionárias. Então haverá um verdadeiro despertamento missionário!

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PAULO E MISSÕES


As igrejas da África, Ásia e América Latina estão passando por um despertamento em relação a seu desempenho na evangelização mundial. Depois de um século de tremendo impulso evangelístico promovido entre estes povos, ora pelos habitantes naturais do lugar, ora pela assistência de missionários estrangeiros, nos últimos anos estas igrejas estão reconhecendo que o propósito de Deus não é que elas apenas recebam missionários, mas que também os enviem. Por certo, as igrejas na América do Norte e na Europa aprenderão e se beneficiarão com novos modelos e ênfases missionárias que suas igrejas irmãs estão empregando em obe­diência à direção do Espírito Santo na missão de Deus.
Segundo Larry Patê (From Every People, 1989), até o ano 2.000, as agências missionárias do Terceiro Mundo deverão enviar 162.000 missionários. Comparados aos 136.000 que deverão ser enviados pelas agências missionárias protestantes do Primeiro Mundo (Europa, América do Norte, Austrália e Nova Zelândia), a influência deles já se tornou uma força muito significativa na evangelização mundial.
Já existem centros de treinamento missionário na Coréia, Índia, Costa Rica, Singapura, Peru e Brasil. Há inúmeras conferências missionárias regionais (só para mencionar alguns grupos: VINDE [Visão Nacional de Evangelização], Visão Mundial, SEPAL [Serviço de Evangelização para a América Latina], Instituto Haggai, Missão Antioquia, CEM [Centro Evangélico de Missões] e cada vez mais igrejas locais, incluindo a Primeira Igreja Batista em Santo André e a Igreja Batista do Morumbi, em São Paulo). Por isso, digo que estamos passando por um despertamento nesta área, o que é muito animador. Sigamos a direção de Deus!
Por outro lado, há muita confusão sobre missões, tanto no nível popular, quanto no acadêmico. Algumas questões, às vezes fundamentais, continuam de lado na hora do debate:


    • Ir ou ficar; qual é nosso critério?
    • O que é um missionário?
    • O que são missões?
    • Não há bastante a fazer no Brasil?
    • Até que ponto devemos ou não usar modelos "importados"?


Não penso que possamos resolver de uma vez estas questões que a igreja ao redor do mundo debate há séculos, mas discutí-las certamente faz parte da tarefa da igreja brasileira em sua busca de fidelidade e autenticidade à missão de Deus. Aqui, posso apenas traçar e sugerir algumas ideias. Em última análise, somente nos arraigando às Escrituras encontraremos respostas ou indicações que nos orientarão nesta obra tão importante.
Sugerimos Romanos 15.14-21 como uma passagem que nos dá tais perspectivas na vida e no ministério de Paulo. É bom lembrar que Paulo a escreveu quase no fim de sua carreira missionária e que a carta toda é uma análise das polêmicas missionárias que ele enfrentou. Nesta passagem, em poucas palavras, Paulo resume sua experiência missionária até aquela altura.


O AGENTE MISSIONÁRIO: O MELHOR, MAS
AO MESMO TEMPO, UM SERVO


Nesta passagem, o agente missionário é o apóstolo Paulo (ou, em última análise, o próprio Deus — v. 15). Embora, logicamente, Paulo mesmo não diga aqui que ele representa o melhor da liderança da igreja, sabemos disso pelo testemunho de Lucas. Paulo já tivera seu ministério aprovado como um dos mestres e profetas em uma igreja local altamente comprometida com missões — a igreja de Antioquia (At 13.1-3). Que contraste com alguns missionários de menor preparo e talento que, como consequência, em quase todos os sentidos, re­cebem apoio inferior ao apoio dado ao pastorado! O trabalho missionário exige o melhor da liderança de nossas igrejas.
Ao mesmo tempo, representando o melhor da liderança, o agente missionário entende seu papel não como superior, mas como servo. Paulo, em sua missão entre os gentios, considera-se ministro (leitourgos) ou servo (v. 16) que, à semelhança dos sacerdotes, apre­senta uma oferta no altar de Deus. Neste caso, a oferta é a obediência dos gentios a Deus (v. 18). A missão de Paulo é um culto prestado ao Senhor para sua aceitação e santificação. Não há lugar, na presença do Altíssimo, para atitudes de superioridade ou domínio missionário.
O melhor líder possui uma atitude de servo e entende seu serviço missionário como culto e sacrifício prestados a Deus.


O OBJETIVO MISSIONÁRIO: A OBEDIÊNCIA


Paulo descreve o objetivo de seu trabalho mis­sionário com a expressão "conduzir os gentios à obediência" (v. 18). Isto é muito mais do que uma decisão inicial de "aceitar a Cristo". Inclui o discipulado da igreja até o ponto de obediência por fé (16.26).
Alguns fazem separação entre "conversão" e "discipulado", sendo o primeiro elemento tarefa de "missões" e o segundo, da "edificação da igreja". Paulo não fazia tal distinção. Seu objetivo não era levar as pessoas a uma decisão inicial, mas conduzí-las à obediência. Não é este também o objetivo da grande comissão, em Mateus 28.18-20?


OS INSTRUMENTOS DO TRABALHO MISSIONÁRIO:
DECLARAÇÃO E DEMONSTRAÇÃO


Como Paulo realizou seu trabalho missionário? No final do v. 18, ele diz literalmente: "... por palavra e por obras". É evidente que Paulo não estabelecia prioridade entre a proclamação do evangelho e sua demonstração por obras. As duas coisas faziam parte integral e inseparável de sua maneira de testemunhar.


O OBJETO MISSIONÁRIO: AS NAÇÕES


Tanto "gentios" quanto "nações" traduzem uma única palavra grega, ethnos. A ideia de ethnos está muito mais próxima da ideia de povos ou grupos étnicos do que países. O objeto com o qual as missões lidam são as diversas etnias. Paulo teve ideia semelhante, e isto se percebe pelo fato de ele ter atuado dentro dos limites de um só governo, o Império Romano, enquanto fazia distinção entre os povos deste império.
Há quarenta anos, alguns líderes eclesiásticos achavam que quase já havíamos evangelizado o mundo, pois apenas quatro países ainda não tinham uma igreja cristã — Nepal, Tibete, Afeganistão e Bangladcsh. Mas aquela observação falhava por entender mal ethnos como país em vez de etnia.
Por isso se fala muito em missões transculturais, em vez de missões estrangeiras, pois as missões não lidam com nações como países, mas como etnias.


A ESTRATÉGIA MISSIONÁRIA: OS NÃO-ALCANÇADOS


Veja bem o lema de Paulo: não onde Cristo já fora anunciado (v. 20). Paulo dava prioridade para os povos que não haviam recebido o anúncio do evangelho. Sua estratégia de trabalho não era tanto geográfica quanto humana ou cultural, no sentido de etnias. Mesmo existindo igrejas fortes numa determinada região geográfica, Paulo "cumpria" o evangelho (tradução literal de "divulgar o evangelho" no v. 19), atingindo lugares onde existiam povos ainda não-alcançados.
Hoje, nosso lema não deveria ser "uma igreja em cada região", mas "uma igreja entre cada povo".


O DESEMPENHO MISSIONÁRIO:
TUDO DE NÓS, TUDO DE DEUS


Paulo enfatizava a necessidade de todo esforço e resolução para o desempenho de seu serviço. Era seu dever ou encargo (v. 16), seu serviço ou ministério (v. 16), sua ambição e edificação (v. 20), realizados por suas palavras e obras (v. 18). Contudo, este serviço não se resumia a mero esforço humano. O apóstolo afirmou que o poder do Espírito saturava cada etapa (v. 19) e que era Cristo o realizador da obra (v. 18).
Com tal perspectiva, não temos base para a afirmação falsamente "teológica" de que só Deus faz a obra nem para a afirmação falsamente "prática" de que apenas nossas estratégias e esforços realizarão a obra. De novo, o que Deus ajuntou, não o separe o homem! Veja a colocação de Paulo em outro lugar: "... para isso é que também eu me afadigo, esforçando-m e o mais possível, segundo a sua eficácia que opera eficientemente em mim" (Cl 1.29).


O APOIO MISSIONÁRIO: A IGREJA LOCAL


Ao escrever esta carta, Paulo está cultivando um relacionamento com a igreja de Roma (fundada por outrem) com o objetivo de torná-la sua segunda base missionária para a evangelização da região entre a capital do império e a Espanha (15.23-24).
A igreja de Antioquia já fora sua primeira base para a evangelização da região entre Jerusalém e o Ilírico (v. 19), e agora Paulo quer ligação semelhante com a igreja de Roma. É importante ressaltar este ponto, pois, hoje, há muitas organizações missionárias que não procuram uma ligação com as igrejas locais. Não quero dizer que a única organização missionária legítima seja a junta denominacional. Aliás, esta também, frequentemente, não possui uma boa ligação com as igrejas locais!
Tanto as circunstâncias históricas quanto os dados bíblicos não permitem, a meu ver, uma analogia entre a organização missionária flexível e móvel de Paulo com as juntas denominacionais ou com as agências missio­nárias independentes. Não podemos deduzir isto. Con­tudo, é possível concluir que Paulo via a importância de ligar seu ministério missionário à igreja local, mesmo quando esta não era fundada por ele. A obra missionária foi estabelecida por Deus, que vocaciona indivíduos no contexto do testemunho da igreja toda. Um trabalho desse tamanho necessita de apoio e direção da igreja.


A RAZÃO MISSIONÁRIA:
QUE TODOS OUÇAM ANTES DO FIM


Paulo inicia e conclui esta passagem com citações do Antigo Testamento que prevêem a entrada futura de muitos povos no reino de Deus (w. 9-12, 21). Ele tem consciência de que estas referências estão sendo cumpridas em seu próprio ministério, mas, ao mesmo tempo, reconhece nossa necessidade de esperança na realização final (v. 13). Como Jesus mesmo afirmou, o evangelho deve ser anunciado até o fim (Mc 13.10; Mt 24.14). Esta é a razão missionária da igreja, a pregação do evangelho a todos, antes da chegada do juiz (2 Pe 3.9). A convicção de que Cristo voltaria e a necessidade subseqüente de anunciá-lo a quem ainda não ouvira eram motivações para Paulo, como devem ser hoje para nós, no desempenho da missão de Deus. Sejamos fiéis à sua missão.

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A VOLTA DE JESUS E
A URGÊNCIA MISSIONÁRIA


Grande parte dos ensinos de Jesus trata do reino de Deus. O assunto marcou o ministério de Jesus do início (Mc l. 15) ao fim (At l .3). As parábolas, sua maneira popular de ensinar, focalizam tanto o assunto que, frequentemente, são chamadas de "parábolas do reino". De fato, nos evangelhos há mais de 70 referências de Jesus ao reino.
Já vimos, logo no início deste estudo sobre missões, que a ideia tem muito a ver com a imagem de Deus no homem, isto é, sua capacidade de reinar, dominar e ordenar a criação de Deus. Isto tem a ver com missões: espalhar o domínio e a ordem de Deus por todo o mundo.
O ensino de Jesus sobre o reino também tem a ver com missões, pois foi justamente este assunto que ele abordou com os discípulos no período entre a ressurreição e a ascensão, preparando-os para o Pentecoste e a explosiva expansão missionária da Igreja. Durante quarenta dias nosso Senhor, já ressurreto, ministrou um "curso intensivo de missões" a seus discípulos. O tópico? O reino de Deus!
Por isso, o assunto é de muitíssima importância para missões. O reino de Deus possui dois aspectos temporais. Por um lado, já está presente, pois o próprio ministério de Jesus, em sua primeira vinda, o inaugurou (Lc 11.20; Mt 12.28). Por outro lado, seu cumprimento ainda não se deu, porque aguarda a volta de Jesus (Mt 13.40-41). Os dois lados são importantes. Neste capítulo, contudo, queremos destacar a volta de Jesus e o cumprimento de seu reino em relação a missões.


O ESCOPO DO REINO É UNIVERSAL


Jesus confirma a perspectiva missionária universal do Antigo Testamento. Ensina que, no último dia, muita gente virá do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e tomará lugar à mesa no reino de Deus (Lc 13.29). As bênçãos do reino de Deus são para todos os povos do mundo. É muito preciosa esta descrição do reino como uma festa. Mas, antes de sua realização, um convite deve ser enviado às nações, a fim de que os convidados venham à festa. Este é o trabalho de "missões". Aqueles que estavam longe se aproximam, os estranhos tornam-se filhos, e quem antes não tinha esperança, agora festeja no reino de Deus (Ef 2.11-13)!


OS QUE FESTEJAM HERDAM O REINO


Jesus ensina que os gentios estarão não apenas entre os que festejam, mas também herdarão o reino de Deus com os judeus crentes (Mt 21.43 e At 26.16-18). Assim como Jesus enviou a Paulo como missionário para colher os gentios para o reino de Deus, hoje também nos envia a fim de colher as nações para seu domínio.


O SINAL DE SUA VOLTA: MISSÃO CUMPRIDA


Quando os discípulos perguntaram qual seria o sinal (no singular) de sua volta e da consumação deste período intermediário (Mt 24.3), Jesus fez uma lista dos sinais (no plural) do período histórico que precederia sua volta (Mt 24.4-12) e depois respondeu à pergunta deles (de novo no singular) quanto a este sinal:
"E será pregado este evangelho do reino por todo o mundo, para testemunho a todas as nações. Então virá o fim" (Mt 24.14).
Isto deixa claro que o evangelho será pregado em todas as partes do mundo, até bem pouco antes de sua volta. Quem fará isso? Seus enviados, seus missionários (tanto "missionário", que vem do latim, quanto "apóstolo", que vem do grego, significam "o enviado").
Nós somos os precursores de sua vinda. Quando você e eu tivermos respondido em obediência, levando o evangelho até os confins da terra, então este mesmo Jesus voltará.
"Missões", portanto, entram em penúltimo lugar na história divina de salvação. Esperamos a gloriosa volta de Cristo e a consumação dos séculos - por último. Contudo, não de braços cruzados, pois o último elemento virá só depois do penúltimo — a pregação do reino por todo o mundo. Por isso, quando, em outro lugar, os discípulos perguntaram quando seria a restauração do reino, a resposta foi a mesma - missões (At 1.6-8). Não nos preocupemos com sinais (épocas, tempos ctc.) e, sim, com um sinal: a pregação do reino a todas as nações.
Assim como Deus planejou perfeitamente a primeira vinda de Jesus, ele também acompanha todos os passos que visam sua volta, que é a esperança da igreja. Tudo se dirige para este glorioso clímax da história. Os profetas predisseram-no; o próprio Senhor o confirmou; os apóstolos proclamaram-no, e todos os sinais apontam naquela direção. Resta, então, o cumprimento do sinal, tarefa que é nossa. Evangelização e "missões" são baseados na Bíblia e cheios de significado e sentido para a volta do Senhor.
Por que tanta importância para missões em relação à sua volta? Porque o alcance universal do amor de Deus será definitivamente demonstrado e a glória e o louvor a Deus serão reconhecidos por todos os povos da terra.
"Depois destas coisas vi, e eis grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro, vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos; e clamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deus que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação" (Ap 7.9-10).
"... e entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação, e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra" (Ap 5.9-10).
"O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos" (Ap 11.15b).
Observamos este alcance e preocupação universais nos primeiros capítulos deste estudo sobre missões. Assim como a Bíblia começa com um escopo universal, com Deus criando os céus e a terra, preparando o palco mais amplo possível de "missões", ela também termina com o mesmo tom, dando-nos nada menos do que a visão gloriosa do reino, lembrando-nos de que a salvação pela graça se destina a ser oferecida a todos, universalmente: "A graça do Senhor Jesus seja com todos" (Ap 22.21).

APÊNDICE A


O POVO IBERO-AMERICANO
NO PLANO DE DEUS
Talvez o leitor não saiba do grande destaque que a Península Ibérica (constituída por Espanha e Portugal) tem na Bíblia. Ela possui um papel de importância última no plano de Deus para a evangelização do mundo. Embora quase desconhecidas, estas observações são relevantes, especialmente frente ao Congresso Missio­nário Ibero-Americano realizado em novembro de 1987, em São Paulo (COMIBAM 87).
A PENÍNSULA IBÉRICA NO MUNDO DO
ANTIGO TESTAMENTO

Há várias referências, no mundo antigo, a um lugar chamado Társis ou Tártissus. Era uma cidade fenícia e mercantil conhecida desde o século XI a.C. Situava-se ao sul da Espanha, na foz do rio Guadalquivir, do lado atlântico do Estreito de Gibraltar. Em todo o Antigo Testamento, Társis é considerada "os confins da terra" ou extremis terris.
Por isso, Jonas, querendo fugir da presença de Deus, embarcou num navio que ia para Társis — o lugar mais distante de que se tinha notícia na época (Jn 1.3).
Este é, também, o sentido do Salmo 72. Aqui, o rei messiânico dominará "... desde o rio..." (o Eufrates, no extremo leste) "... até aos confins da terra" (72.8). A explicação vem dois versículos depois, na referência a Társis e às ilhas no extremo oeste (72.10). A ideia é semelhante à de Mateus 24.14, Apocalipse 5.8-10 e 7.9-10, onde se lê que, antes do fim, o evangelho do reino deverá ser pregado entre todos os povos da terra para que estes prestem culto ao Messias.
Assim se esclarece Isaías 66, que também relata a adoração prestada ao Senhor por parte de todos os povos, anterior ao estabelecimento de novos céus e nova terra e antes do fim (66.15-24). Segundo esta passagem, o Senhor enviará alguns "salvos" para falar dele até as mais remotas terras do mar, que jamais ouviram falar do Senhor nem viram sua glória (66.19). Ora, estas terras incluem Társis, Lude e Tubal, na Ásia Menor, Javã, na Grécia, e Pui, provavelmente na Líbia ou em Cirene. Povos destas nações irão a Jerusalém como oferta para o culto mundial que inaugurará o fim. Mas não são somente alvos missionários, pois alguns deles se tornarão sacerdotes e levitas, isto é, estes também trarão ofertas, a oferta da evangelização (66.20s.). Portanto, a Península Ibérica será alvo e instrumento missionário.

A PENÍNSULA IBÉRICA NA ESTRATÉGIA
EVANGELÍSTICA DE PAULO
Certamente, esse pano de fundo contribuiu para a visão missionária do apóstolo Paulo. Por isso ele queria tanto chegar à Península Ibérica (Rm 15.24). Três do­cumentos do primeiro e segundo séculos alegam que Paulo, de fato, chegou à Espanha, mas o Novo Tes­tamento não nos diz nada sobre isso. Em 1963, a cidade de Tarragona, antiga Társis, ergueu uma estátua do apóstolo comemorando sua ida até lá.
Como apóstolo dos gentios, e à luz de Isaías 66, Paulo queria chegar aos confins da terra — a Península Ibérica. Ele desejava levar para Jerusalém povos não só da região que já havia evangelizado (desde Jerusalém até o Ilírico, conforme Rm 15.19 — as nações, de Isaías 66) como também da Península Ibérica (Társis), antes do fim. E estes ibéricos, por sua vez, dariam testemunho lá, como instrumentos missionários.
Isto não quer dizer que Paulo entendia que a volta de Cristo dependia unicamente dele. Ele não se via como o único apóstolo entre os gentios (nem o último), mas como um apóstolo único, no sentido de ser precursor e exemplo para todos os demais. Assim, sua dupla estratégia evangelística (até os confins geográficos da terra e entre os povos não-evangelizados) seria precur­sora e exemplar para a obra de evangelização até hoje.

O POVO IBÉRICO NA EVANGELIZAÇÃO MUNDIAL
Os povos de origem luso-hispânica — quer sejam europeus, americanos, africanos ou asiáticos — ocupam um papel crucial nas últimas fases do alcance final dos povos ainda não-evangelizados. Não são apenas alvos missionários vindos das extremidades da terra para a adoração do Senhor, mas, como Paulo, irão até os confins da terra pregar aos povos não-evangelizados (Rm 15.20).
Mas aqui se faz necessária uma advertência. Muitos missionários norte-americanos tiveram, durante o últi­mo século (e alguns têm, infelizmente, até hoje!), um sentimento de destino divino, não só por trás de seu chamado missionário, mas também de sua cultura. O resultado trágico tem sido a transmissão do evangelho com uma atitude de superioridade e paternalismo. Qual o líder cristão ibero-americano que não encontrou isto?
No meio de tanta conversa boa sobre o grande potencial missionário dos povos ibéricos — suas ca­racterísticas de mobilidade, personalismo, profunda es­piritualidade, laços históricos etc., há uma perigosíssima tendência de negligenciar as falhas e pontos fracos dos missionários norte-americanos. Precisamos aprender com nosso próprio contexto missionário.
A vez dos povos ibéricos não surgiu agora. Desde o início, Deus tinha um papel crucial reservado para eles. Sigamos os admiráveis exemplos da história, enquanto permanecemos bem conscientes daqueles que não o são.

APÊNDICE B


UMA TAREFA ENORME:
LEVAR O EVANGELHO
A TODAS AS ETNIAS


Neste capítulo, examinaremos a situação atual do avanço missionário no mundo e como podemos enfrentá-la. Uma vez que nos sentimos chamados ou vocacionados, então o que fazer e como nos preparar? Não podemos responder a estas perguntas de modo pessoal. Isto exige a direção do Espírito, que vem sob medida para o seguidor de Jesus. Entretanto, parte do processo de perceber tal direção é a informação e conscientização da necessidade e da situação evangelística do mundo. É a isto que nos propomos.
Comecemos com nossa conceituação e linguagem sobre missões.


MISSÕES ESTRANGEIRAS OU TRANSCULTURA1S?


Durante muitas décadas, a igreja distinguiu metodicamente entre missões nacionais e missões estrangeiras. Era uma distinção geográfico-política, isto é, por país. Aliás, por trás de cada um destes conceitos havia uma estratégia missionária predominantemente geográfica. Assim sendo, as juntas missionárias estran­geiras procuravam distribuir seu trabalho entre alguns países, às vezes igualmente, apesar do tamanho da população e diversidade cultural de cada um. De forma semelhante, o alvo das juntas missionárias nacionais era distribuir geograficamente seu trabalho em cada região ou município do país, apesar da frequente diferenciação populacional ou saturação por outras denominações. Com grande entusiasmo e convicção citávamos Atos 1.8 como base de nossa estratégia geográfica: "... e sereis minhas testemunhas... até aos confins da terra". Fre­quentemente a impressão dada era a de que quanto mais longe fosse, mais nobre seria o trabalho missionário.
Então, se entendêssemos isto literalmente, para o brasileiro, os confins da terra corresponderiam à Micronésia, no Oceano Pacífico. É a região mais distante do Brasil. Entretanto, é também a região (proporcionalmen­te) mais cristã do mundo! A população professa é de 90%, enquanto os praticantes são mais de 65% da população total! Agora, pense no significado de Atos 1.8 para os micronésios. Entendido apenas geograficamente, ele indica que a região mais carente do evangelho para eles é o Brasil! Afinal de contas, qual região é mais carente diante de Deus? Tudo isto indica que, hoje, já não podemos mais entender "os confins da terra" como o alvo geográfico de missões. Os "confins da terra", geogra­ficamente, só faziam sentido para a igreja primitiva, quando o evangelho ainda estava, em termos geográficos, restrito a uma pequena parte do Oriente Médio. Aliás, mesmo para a igreja primitiva, a ideia não era de simplesmente ir cada vez mais longe, mas de ir longe porque lá os povos ainda não haviam recebido o evangelho. Hoje, precisamos alcançar os não-alcançados onde quer que estejam, seja geograficamente longe ou perto.



ALCANÇANDO OS NÃO-ALCANÇADOS

Nosso alvo missionário é alcançar aqueles que não receberam o evangelho de Cristo. Isto está implícito em Atos 1.8, apesar da interpretação apenas geográfica que frequentemente lhe é dada. O que Atos 1.8 deixa implícito, Romanos 15.19-21 deixa explícito:
"... completei a pregação do Evangelho de Cristo. E me empenhei por anunciar o Evangelho onde ainda não havia sido anunciado o nome de Cristo, pois não queria edificar sobre fundamento alheio. Fiz bem assim, como está escrito: Hão de vê-lo aqueles a quem não foi anunciado e os que não ouviram entenderão" (Bíblia Vozes).
Quando Paulo diz "completei a pregação...", ele está dizendo, literalmente, no texto original, "eu cumpri" ou "preenchi", como os versículos seguintes confirmam. Ele fez isto dentro de uma região geograficamente já alcançada por outros evangelistas — "desde Jerusalém circulando até ao Ilírico" (tradução minha). Paulo "preenchia" com o evangelho aquela região geográfica já alcançada, pregando aos povos que ainda não haviam recebido o evangelho.
Tudo isso indica que nossa estratégia missionária deve dar prioridade aos povos não-alcançados pelo evangelho. É uma estratégia que não é simplesmente geográfica, mas fundamentalmente cultural. Com "cultural" queremos dizer que os povos culturalmente definidos são nosso alvo, não regiões geográficas em si. A grande comissão manda fazer discípulos de todas as nações, etnias, segundo o texto original (Mt 28.19). A tradução "nações" é um tanto infeliz, porque dá a ideia de países politicamente definidos, em vez de grupos étnicos ou povos culturalmente definidos. O manda­mento é no sentido de discipular as etnias.
Este conceito está mais próximo da idéia bíblica e ilumina imensamente a tarefa missionária atual. No Brasil, há inúmeros grupos culturalmente distintos (veja o excelente filme da Visão Mundial sobre estes povos). Somente em São Paulo há um milhão de japoneses, 430.000 portugueses, 400.000 italianos, 200.000 chineses, 180.000 espanhóis e não poucos coreanos, ciganos, alemães, sírios e outros. No país há centenas de tribos indígenas.
Mas, vamos pensar em termos mundiais. Os missiólogos dizem que há aproximadamente 24.000 povos culturalmente definidos no mundo. Metade destes ainda não possui uma igreja cristã que possa continuar o trabalho de evangelização. Ora, se atualmente a evangelização destes povos não pode ser realizada por eles mesmos, isto exige alguém de outra cultura para evangelizá-los. Precisa-se, então, de missionários transculturais, pois cristãos têm que cruzar barreiras culturais para alcançá-los.
Por isso, alguns falam de missões monoculturais e transculturais, em vez de missões nacionais e estran­geiras. Cremos que a primeira distinção é mais precisa e relevante para a situação evangelística do mundo.


MISSÕES DO TERCEIRO MUNDO


Alguns pensam que, até o ano 2000, mais da metade dos missionários cristãos será do Terceiro Mun­do. Isto poderá representar um tremendo avanço na obra missionária. Por quê? Em primeiro lugar, a maioria dos 12.000 povos não-alcançados, que constituem 60% da população mundial, faz parte de cinco blocos principais da humanidade: muçulmanos (860 milhões em 4.000 etnias), hindus (550 milhões em 2.000 etnias), budistas (275 milhões em 1.000 etnias), chineses han (150 milhões em 1.000 etnias) e religiões tribais (140 milhões em 3.000 etnias). Em segundo lugar, a maioria destes povos vive em países que, por razões históricas e sócio-políticas, não são simpáticos aos europeus ou norte-americanos. Em terceiro lugar, muitos destes países (por exemplo, os países muçulmanos e comunistas) não permitem a entrada de "religiosos profissionais", caso, geralmente, do missionário tradicional. Em quarto lugar, já que, em sua maioria, estes países estão procurando rápido desenvolvimento tecnológico e econômico, favorecem a entrada de profissionais; às vezes, até o próprio governo os emprega.
Somando estes fatores, ficamos diante da necessidade aguda de missionários transculturais do Terceiro Mundo. E para alcançar os não-alcançados em países fechados aos missionários tradicionais, urge enviar, principalmente, profissionais com treinamento missionário. Na Arábia Saudita, por exemplo, há mais de 20.000 sul-coreanos empregados na construção civil por aquele governo muçulmano. E, pelo testemunho de cristãos sul-coreanos, lá também existem igrejas cristãs, apesar de muito sofrimento e perseguição.
Mas a situação evangelística mundial não é a única razão da necessidade de missionários do Terceiro Mundo, nem mesmo a principal. O propósito dos seis primeiros capítulos deste livro era ressaltar que a Bíblia deixa claro que é da própria essência da igreja o ser missionária. O surgimento dos missionários do Terceiro Mundo nada mais é que o testemunho e a evidência dessa verdade.
Quero terminar, fazendo um convite pessoal para que o prezado leitor procure servir ao Senhor sem nenhuma restrição de onde, como e quando serví-lo. Convido-o a considerar em oração a possibilidade de receber treinamento missionário transcultural adequa­do. O desafio foge de nossa compreensão. O preparo deve ser o melhor.


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aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que jorre para a vida eterna.
João 4:14

E quem tem sede, venha; e quem quiser, tome de graça da água da vida.
Apocalipse 22:17
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