Minha
metodologia não consistirá em construir uma teologia em cima de rumos históricos-sociais que por acaso a
igreja venha a tomar devido a
multiforme coloração do fenômeno social universal através da história,
pois se assim procedermos teremos uma
Bíblia para cada época da história da
humanidade, e seu conteúdo será determinado pela inconstante e
turbulenta
mutação do
fenômeno humano sobre a terra, além do mais não teremos nenhum instrumento aferidor da própria
teologia recém formulada porque até
mesmo tal instrumento estará superado em algum ponto da história.
Meu procedimento
metodológico será adotar confessionalmente as Sagradas Escrituras, a partir de sua
exegese, considerando que ela seja
imutável em seus princípios espirituais que governam a igreja de Cristo desde o início da expansão do evangelho aos
gentios e dos princípios que
governam uma
igreja característicamente judaico-gentílica.
Portanto nosso
paradigma será sempre a revelação de Deus em Sua Palavra.
O que
normalmente tem sido proposto, como resultado da repulsa por um certo clericalismo na maneira como a
teologia reformada tem apresentado a
doutrina da ministração dos sacramentos na igreja moderna é que tais sacramentos não deveriam ser exclusividade
de ministros ou presidentes
ecelsiásticos,
mas que este ato estivesse aberto aos crentes de maneira geral na vida da igreja. Isto, de certa
forma, evitaria qualquer forma de
clericalismo ou exclusivismos por parte daqueles que os ministram.
Passemos a uma
análise do que isto significaria biblicamente, logicamente, e historicamente para a vida da igreja hoje.
UMA OBJEÇÃO
INTERESSANTE
Um dos
argumentos levantado para a ampliação da ministração dos sacramentos, dando oportunidade à outras
pessoas que não são ministros
devidamente ordenados é o texto de Mt 18:18-20. Então, argumenta-se, que se Jesus ordenou aos seus discípulos, ou
seja, a todos os seus
seguidores que
haviam crido nele, conclui-se que esta ordem é
normalmente para os seguidores de Jesus e não especificamente para o "clero".
Respondendo a
este argumento, afirmo que há uma uma grande diferença entre os chamados "irmãos comuns"
da atual igreja em debate e os
discípulos que conviveram com Jesus. Aqueles discípulos não eram crentes comuns ou equivalentes a qualquer crente de
nossa época. Quando eles
foram chamados e
comissionados para a ministração do batismo, a partir daquele momento eles não eram mais
"irmãos comuns", e sim apóstolos,
evangelistas e oficiais divinamente comissionados por Jesus. Quem hoje é comissionado daquela maneira? Sabemos com
certeza que quando alguém se levanta
afirmando tal coisa, logo cai em descrédito com credenciais de
falso profeta.
Aqueles crentes
foram chamados e comissionados extraordináriamente, enquanto que hoje nós somos chamados
ordináriamente. O chamado
extraordinário não existe mais.
A continuidade
daqueles ministérios é feita hoje de maneira ordinária através de evidências externas confirmadas
pela igreja.
Isso indica que
se lá teve que haver um comissionamento por Cristo, por Deus, pelos apóstolos, e mais tarde pela
igreja, e isto de maneira
extraordinária, então hoje, a ministração dos sacramentos deve obedecer sempre a um comissionamento ordinário feito
pela igreja.
Não há um só
texto nas Escrituras que nos ensine que pessoas não comissionadas ministravam os sacramentos.
Vejamos alguns supostos exemplos:
SACRAMENTO DO
BATISMO
FILIPE - Diz-se
normalmente que Filipe não recebeu qualquer encargo especial para ministrar o
batismo do eunuco de Candace, no entanto o fez
como um leigo.
Primeiro, a
idéia de um encargo para ministrar batismo é algo da nossa época, não da era
apostólica. Os que batizavam lá eram comissionados diretamente por Deus, não
importando se eram apóstolos ou não. Aliás, as Escrituras não afirmam que só os
apóstolos batizavam, mas só os que eram
comissionados
extraordianriamente por Deus, ou eram indicados pelos apóstolos, aos quais foi
dado poder para comissionar também. Uma prova disto é que Barnabé também é
chamado de apóstolo juntamente com Paulo, e Lucas em seu registro, não tem
nenhum cuidado em explicar que tipo de apóstolo ele era. Filipe foi
comissionado por Deus ( Atos 8:26, 39): O anjo do Senhor o chamou e enviou,
logo a seguir o Espírito o arrebatou. Eis o seu comissionamento para tal. Não é
sábio reivindicar um comissionamento para qualquer crente moderno tendo por
base o comissionamento da era apostólica. São duas coisas muito diferentes.
Devemos acrescenar que Filipe também era diácono eleito da igreja
ANANIAS -
Ananias é outro discípulo comissionado direto pelo Senhor para curar e batizar
a Paulo. Ele não era um crente sem comissionamento no meio da multidão que
batizava, mas alguém escolhido e chamado por Deus para tal missão, (At
9:10-11,15).
A CASA DE
CORNÉLIO - É bem verdade que Pedro estava presente ali, bem como o texto nada
afirma que outras pessoas estivessem batizando alí.
ZÍPORA - Quando
circuncidou seu filho (Ex 4:25). Sobre ela devemos entender que isto é um
exemplo isolado e foi realizado por uma mulher de um temperamento violento e
num momento de ira, o que não deve ser imitado pelos crentes.
O SACRAMENTO DA
SANTA CEIA
O MODELO
PATRIARCAL DE ISRAEL - Argumenta-se que Israel celebrava a páscoa nos lares e
os ministrantes eram os pais das famílias, e quando Jesus ordenou que
continuassem com o sacramento certamente eles continuaram com a mesma prática.
Este argumento
sofre de uma falta de informação teológica muito séria. Israel, desde a
instituição da páscoa vivia debaixo de uma teocracia, e que foi nessa época que
Deus ordenou a celebração pascoal às famílias. Mas isso era um preceito somente
para Israel como o povo exclusivo da
revelação e sob
a teocracia todas as famílias de Israel foram comissionadas para a ministração
dos sacramentos do Velho Testamento( a circuncisão e o cordeiro pascoal).
Certamente o costume judaico não foi continuado pelos cristãos da igreja
apostólica pelos seguintes motivos:
1) Em Israel
predominava a religião da família. Todos sem exceção eram judeus nascidos,
ensinados e praticantes na religião revelada. No Novo Testamento esse conceito
de religião em família é praticamente esfacelado quando todas as nações são chamadas. Não são
famílias que se convertem
com a pregação
apostólica, mas sim indivíduos. Assim, dificilmente haveria uma instituição do
sacramento para ser celebrado em famílias porque somente alguns se convertiam
dentro das famílias gentílicas, o que até hoje podemos constatar em nossas
igrejas. I Coríntios trata de problemas na
igreja que
nascem exatamente desse alargamento da religião revelada somente aos judeus em
direção aos gentios: esposas crentes e maridos incrédulos, maridos crentes e
esposas incrédulas (I Co 7). É impossível falar-se de sacramento em famílias no
Novo Testamento ao estilo do Velho
Testamento. Certamente este modelo era incapaz de ser continuado a
partir de Pentecostes.
2) A Santa Ceia
tem aspectos característicos da Nova Aliança. A páscoa era somente para Israel e alguns peregrinos
estrangeiros que deveriam ser circuncidados para participarem daquele
sacramento. Certamente que a páscoa era o sacramento familiar, daquela família
com exclusividade, mas a
santa ceia é o
sacramento de todas as famílias juntas ao mesmo tempo. Não existe mais aquela
exclusividade de Isarel como o povo da promessa, o que era também explicitado
pela maneira como eram administrados os sacramentos. Tanto o batismo quanto a
santa ceia assinalam para um
alargamento da
religião de Israel. Certamente a páscoa não foi continuada e sim a ceia, com
celebração característica da nova aliança. Dizer quequalquer pessoa na igreja
podia ministrar a santa ceia com base na continuidade do modelo pascoal do
Velho Testamento é conjecturar teologicamente.
O GRANDE NÚMERO
DOS CONVERSOS - Este argumento consiste em dizer que o número de cristãos
depois de pentecostes era muito grande para se reunir nos lares e ter os
apóstolos sempre com eles. Portanto, certamente que os próprios crentes faziam
a celebração daquele sacramento.
A isto respondo
que durante aquela época os apóstolos não estavam ainda em missões
intinerantes. Eles estavam com o povo todo tempo ensinando-os, até que fossem
eleitos os diáconos para auxiliar em tarefas menores que o povo poderia estar
fazendo, mas até isso eles achavam que era da alçada dos apóstolos (At 6:1-7).
Não duvido que alguém, além dos apóstolos tenha ministrado a ceia naqueles
dias, mas certamente se o fez, foi sob comissão extraordinariamente direta de
Deus ou comissionados
pelos apóstolos.
Mas a verdade é que ninguém poderia ocupar uma função tão importante sem uma
comissão.
Se celebrar a
santa ceia e o batismo fosse algo como ser presidente da UPA ou UMP, ou ser
regente de um coral, ou qualquer outra função na igreja que qualquer pessoa
poderia desempenhar, então estes sacramentos não deveriam ter um lugar tão
especial e tão restrito à pessoas
comissionadas e com credenciais divinas de seus chamados. Dessa maneira
os sacramentos não deveriam ser ministrado apenas por gente tão bem escolhida.
Como posso imaginar que Filipe e Ananias eram crentes comuns se eles
participaram da história da salvação?
SERIA POSSÍVEL
MINISTRAR OS SACRAMENTOS SEM UMA SUPOSTA FORMA DE CLERICALISMO NA IGREJA
MODERNA?
Os sacramentos
sempre são tratados nas Escrituras como sendo algo minitrado apenas por pessoas
comissionadas. Não está claro nas páginas do Novo Testamento que eles eram
ministrados por qualquer um. A igreja hoje, se guia exatamente por este
princípio, entendendo que hoje permanece
aquele aspecto ordinário daqueles dons e comissões dados aos apóstolos e
cristãos do primeiro século (John Owen). Portanto, se eles lá eram
comissionados para tal função pela voz do Pai, do Filho e do Espírito, aqui nós
somos comissionados pela vocação da Palavra de Deusconfirmada e realizada
visívelmente pela igreja. Como geralmente se diz que as Escrituras em nenhum
lugar afirma que os sacramentos são privacidade dos pastores, deve-se salientar
também que em nenhum lugar elas dizem que pessoas sem serem comissionadas devam
ministrar-lhes.
No livro de Atos
percebemos que a igreja caminhou rumo a uma certa organização que exigia a
eleição de determinadas pessoas para
determinadas funções. Em todas as áreas de vida e governo da igreja as
pessoas não estavam num dispositivo tal que qualquer pessoa pudesse assumir o
lugar da outra dentro do organismo eclesiástico. A primeira prova disto é que
os dons são dados distintamente a cada um. A segunda prova é que a igreja do
Novo Testamento sempre foi conduzida por um
certo tipo de
"clericalismo" apostólico e profético, sem falar no sacerdote, levita
e profeta do Velho Testamento. Só eles eram apóstolos e profetas. O círculo estava fechado. Ninguém mais podia
entrar. Dons e funções eram exclusivos deles e de mais ninguém. A igreja sempre
conviveu com uma forma de controle de sua própria vida organizacional.
Uma das razões
porque os sacramentos são exclusividades dos ministros é devido ao abuso que
inevitavelmente nós chegaríamos. Se a igreja deve abrir para outras pessoas
ministrarem os sacramentos, certamente que ela não permitirá qualquer um fazer
isso quando bem entender. Logo fará uma escolha de alguém que seja capaz para
tal função, e mesmo que essa pessoa não seja capacitada para isto, ainda assim
a igreja proverá um meio de torná-la capaz para essa tarefa. Mas se ela escolhe
e treina, capacitando-a acima dos outros congregados, não estaria ela fazendo
já
assim uma
distinção clerical entre estes "distintos" e os demais "irmãos
comuns" e incapacitados? Depois da escolha e do treinamento, inevitavelmente, os "leigos"
deixaram de ser "leigos" para serem "clérigos", pois agora
constituem uma classe distinta e especial para um fim especial.
Não é assim
mesmo que já procedemos a tanto tempo dando-lhes os nomes de
"pastores" ou "ministros"? Não foram elas, pessoas
incapacitadas que foram escolhidas e treinadas dentre a multidão?
Uma prova do que
estamos dizendo é que na história da igreja, logo em seguida à era apostólica,
a igreja sempre conservou uma mentalidade de centralidade episcopal na
ministração dos sacramentos. Isto não significava que somente o bispo
celebrava, mas também alguém comissionado pelo
bispo. Vejamos
uma evidência bem perto da era apostólica:
INÁCIO DE
ANTIOQUIA ( c. 110)
"Ninguém
ouse fazer sem o bispo coisa alguma concernente à igreja. Como válida só se
tenha a eucaristia celebrada sob a presidência do bispo ou de um delegado
seu.(...) Sem a união do bispo não é lícito batizar nem celebrar a eucaristia;
só o que tiver sua aprovação será do agrado de Deus
e assim será
firme e seguro o que fizerdes." (Carta aos Esmirnenses)
Esta mesma idéia
é citada por Latourette, em sua História del Cristianismo citando TERTULIANO
(c. 220), quando o mesmo orienta a igreja sobre o batismo, afirmando que este sacramento
deveria ser ministrado por um diácono ou
leigo, mas que fossem indicados pelo bispo.
É correto
afirmar que a igreja, desde o início de sua história, sempre teve pessoas que não fossem apóstolos ou bispos,
ou pastores ministrando os sacramentos. O erro, porém, está em afirmar que
essas pessoas fossem qualquer um, sem distinção nem comissão. Está claro pelos
documentos da
igreja cristã
que os únicos que participavam da ministração dos sacramentos eram pessoas de
inteira confiança do bispo, as quais tinham sido escolhidas, treinadas e
comissionadas. De qualquer forma, até mesmo de maneira involuntária, essas
pessoas terminavam constituindo um certo
tipo de
"clero auxiliar" ou "clero substituto", pois jamais seriam
confundidos com qualquer um dentro da igreja para tão sublime função. Parece-me
que esse seria o procedimento mais correto da igreja ainda nos dias de hoje, a
não ser que mudemos completamente a teologia dos sacramentos.
Creio que a
única maneira de evitar-se um tipo de "clericalismo" na igreja em
relação à ministração dos sacramentos seria abrir para que todos, sem nenhuma
exceção, pudesse ocupar o lugar de qualquer outra pessoa dentro da igreja sem
nenhuma distinção. Isto certamente é impossível. Portanto o
ideal de tornar
a ministração dos sacramentos algo ao alcance de todos sem qualquer forma de
"clericalismo" na igreja de hoje, é pura utopia.
1. GRUDEM,
Wayne, SISTEMATIC THEOLOGY, Zondervan
2. BRAKEL,
Wilhelmus à, THE CHRISTIAN REASONABLE
SERVICE, Soli
Deo Gloria, v.III
3. HODGE, AA,
THE CONFESSION OF FAITH, The Banner of Truth
4. OWEN, John,
THE WORK OF THE SPIRIT, The Banner of Truth
5. GOMES, C.
Folch, ANTOLOGIA DOS SANTOS PADRES, Paulinas
6. LATOURETTE,
HISTÓRIA DEL CRISTIANISMO, Casa Bautista de
Publicaciones,
Rev.
Moisés C. Bezerril
professor de
Novo Testamento do
Seminário
Presbiteriano do Norte
Nenhum comentário:
Postar um comentário