AÇÃO SOCIAL E O EVANGELISMO
Leitura
bíblica
Lucas 17.11-19
Mateus 5.14-16
Gálatas 6.10
Introdução
Qual o relacionamento entre o Evangelismo e a Ação
Social?
É comum medir o sucesso de um projeto social
evangélico pelo número de pessoas que se converteram como resultado dessa ação
social. Membros de igrejas até reclamam do desperdício de recursos quando a
ação do ministério social não resulta nestas conversões.
Sem dúvida nenhuma, como vemos no ministério de Jesus,
boas obras em favor dos outros podem estimular as pessoas a louvarem a Deus, e
às vezes, como no caso do leproso samaritano, isso é evidenciada por um “voltar
para Jesus”, “uma conversão”. Cristo chama os seus discípulos a serem sal e luz
não somente para iluminar o mundo e salgar a sociedade, mas também para que “as
pessoas veem as boas obras e glorifiquem ao Pai que está nos céus”.
Porém, embora este resultado seja muito desejado, ele
não deve ser visto como a única meta da ação social da igreja. Nesta reflexão
exploraremos alguns perigos em conceituar a Ação Social como uma mera
ferramenta evangelística, e ao mesmo tempo descobriremos outros motivos
bíblicos muito importantes e interessantes para desenvolver ações sociais com
outras intenções, além a de levar as pessoas a Cristo.
Reflexão central
1. Perigos
O primeiro perigo em ver
a Ação Social como uma ferramenta evangelística é que essa é uma atitude que
pode parecer, e muitas vezes chega a ser, interesseira. Não é incomum ouvir a
reclamação de que tal igreja só ajuda os pobres para fisgá-los, que de fato os
crentes não estão pre-ocupados com as necessidades e sofrimentos do povo, mas
só em agregar mais gente para as sua igreja. Infelizmente, conversas em algumas
reuniões de planejamento de ministério social, das nossas igrejas, só serviriam
para reforçar esta impressão.
Ao contrário disso,
Jesus cuidava das pessoas até sabendo, na sua sabedoria divina, que não todos
os auxiliados, curados ou libertados o seguiriam. Na nossa leitura bíblica só
um dos leprosos teve a decência de agradecer, sem nem pensar em conversões!
Jesus alimentou e curou milhares de pessoas, mas ao longo do seu ministério
agregou apenas setenta e tantos seguidores fieis. Se a nossa motivação para
praticar Ação Social for só evangelística então sofreremos muita frustração,
mesmo se consigamos atingir o mesmo (baixo) índice de ‘sucesso’ que o nosso
Senhor!
O segundo perigo de um
programa de Ação Social que visa como alvo principal a conversão dos
não-crentes, é que a igreja passa a não preocupar-se com os problemas sociais
dos próprios irmãos. Quem não já ouviu a reclamação de que os recursos da
igreja estão sendo usados para beneficiar os ‘incrédulos’, enquanto irmãos
necessitados estão sendo esquecidos? Já presenciei este fato sendo usado como
um argumento contra ação social. Pois é, uma ação social que não contempla as
necessidades dos irmãos é fruto da visão de que Ação Social é uma ferramenta
evangelística, pois os irmãos já são salvos, então não precisam mais ser
fisgados.
2. Via positiva
Podemos observar, no entanto,
que esse não é o padrão bíblico. Paulo exorta os crentes em Gálatas: “enquanto
temos oportunidade, façamos bem a todos, mas principalmente aos domésticos da
fé.” (6.10) Observem que Paulo não escreveu, “somente aos domésticos da fé”,
então este versículo não pode ser utilizado para justificar uma ação social
apenas para cuidar dos ‘fieis’. Ao mesmo tempo, esse versículo torna impossível
uma ação social onde o evangelismo é a meta principal.
Esta questão fica mais
clara ainda nos eventos relatados em Atos 6.1-7: É verdade que os apóstolos,
particularmente, não queriam abandonar a pregação da palavra para cuidar da
distribuição de comida (v2). Porém é igualmente verdade que ao ouvir as
reclamações dos gregos (vv1-3) os apóstolos estavam reconhecendo que eles
tinham errado em negligenciar as viúvas. Mesmo se não for responsabilidade
específica deles, na visão dos apóstolos era INDISPENSÁVEL ter na igreja
pessoas CONSAGRADAS para cuidar dos irmãos necessitados (vv3-6). Na estrutura da igreja em Jerusalém, a ação
social não era secundária ao evangelismo, os dois ministérios eram necessários
e consagrados. É interessante ainda observar que o resultado da resolução deste
problema social foi que a Palavra de Deus continuava a crescer, e
multiplicava-se o número de discípulos (v7)! Isso demonstra que uma ação social
íntegra, não interesseira, na vida de uma igreja, pode atrair pessoas ao
Senhor.
3. O ser humano é feito
na imagem de Deus
Quando refletirmos sobre
o fato de o ser humano ser criado na imagem de Deus (mulheres e homens – Gen
1.27) percebemos que existem muitos motivos, independentes da questão do
evangelismo, para praticarmos ações e justiça sociais.
Primeiro, pensando sobre
o caráter do Deus na imagem do qual fomos criados, e a quem nós servirmos na
igreja, podemos observar em muitas passagens que o amor e justiça fazem parte
do caráter de Deus. Por exemplo: 1 João 4:8; Êxodo 22.21-27; 23.6-10; Levítico
19:9-16, 34; 25:1-55; Deuteronômio 10.12-20; 14.28-15.18; 24.14-18 [Nota ao pregador: selecione anteriormente
quais destas passagens lerá durante a pregação].
Acredito que nenhum
irmão presente necessita ser lembrado dos preceitos bíblicos para nós
refletirmos o caráter de Deus no nosso viver e conviver com os outros. Mas esta
questão vem da raiz da criação do ser humano: Podemos afirmar que, para ser
fiel à imagem de Deus na qual fomos criados, devemos refletir, entre outras coisas, o seu caráter de amor e justiça. Esta verdade é refletida em
Jeremias 22.13-16, 31.34 e 1 João 3.16-18, 4.8.
Por conseguinte, as
nossas vidas e igrejas devem demonstrar amor prático e pelejar pela justiça.
Segundo, se todo ser
humano é feito na imagem de Deus, então é inadmissível que não façamos algo
para que esta imagem não continue manchada por sofrimento e injustiça.
Quando Jesus curou uma mulher no sábado, ele deixou bem claro aos que
reprovaram as suas ações, que livrar um ser humano sofrido levava precedência
sobre o observar das leis religiosas sobre o sábado (Lucas 13.15-17). Nesse
caso, a lei que o próprio Deus estabeleceu sobre descansar é secundária à
necessidade de aliviar sofrimento humano.
A existência de sofrimento e injustiça na sociedade
humana é tão revoltante para Deus que O levou a pronunciar, através dos
profetas, a rejeição dos louvores do seu povo (Isaías 58, Amos 5.21-24).
Meditando profundamente nas palavras de Isaias 58
chego à conclusão que, enquanto existirem igrejas e crentes que não se engajam
na luta para a justiça de Deus nas relações sociais humanas, construindo
comunidades saudáveis, nós compartilharemos uma parcela da culpa pelas vidas
que morrem vítimas da fome, da corrupção, da violência, da ignorância, do
preconceito, da doença e do pecado social. Corremos o risco de Deus rejeitar os
nossos louvores, não importa a qualidade do grupo de louvor ou da coreografia.
4. Olhando pelo outro lado
Uma perspectiva diferente sobre o relacionamento entre
Evangelismo e Ação Social vem quando percebemos que evangelizar pode também ser
um ato de Ação Social. Isso é porque uma vida transformada em Cristo pelo
perdão dos pecados, e pela ação re-criativa
do Espírito Santo, pode ter um impacto social tremendo, só pela mudança
efetuada na pessoa e na sua comunidade. Vemos isso na vida de Zaqueu (Lucas
19.1-10). A sua conversão o levou a restituir o que tinha roubado (justiça) e a
doar metade dos seus bens aos pobres (amor). Quando tais pessoas levam a ética
do Reino de Deus para dentro da sua profissão e para a sua prática de
cidadania, o efeito na comunidade é multiplicado ainda mais.
Vemos o impacto social da transformação efetuado pelo
Espírito Santo na vida do convertido em Gálatas 5.13-25. Vemos esse potencial
de transformação social ao compararmos as características pessoais que Paulo
considera inapropriadas para aqueles que pertencem a Cristo, com o caráter que
ele considera o fruto de viver pelo Espírito Santo. O comentarista MacGorman
divide as “obras da carne” (19-21) em três categorias: Sexo, Culto e
Relacionamentos Sociais; observando que uma vida regida pelos desejos da carne
traz desgraça para a vida familiar, a vida espiritual e os relacionamentos
sociais. Muitos de nós, hoje, podemos testemunhar pessoalmente a esta trágica
verdade; testemunhas, e vítimas (ou às vezes culpados) como somos, da
destruição efetuada por bebedeiras, violência e outros males nas nossas
comunidades.
Por outro lado, as qualidades positivas que Paulo
denomina “Fruto do Espírito” (22-23) são tão benéficas para a sociedade, que
não existe lei contra elas. Por isso que vale a pena estar constantemente
alerto e preparado para o conflito entre os desejos da carne e do Espírito que
existe em nós (17). Assim poderemos viver o Fruto do Espírito em famílias e
comunidades de amor e justiça.
Conclusão
Através desta reflexão podemos chegar à conclusão que
não existe entre o evangelismo e a ação social uma questão de relativa
importância no trabalho da igreja ou na vida humana. Os dois respondem ao mandamento de amar e
procurar o bem do outro. São ministérios separados, interligados por fazerem
parte da missão da igreja dada por Deus.
Evangelismo diz respeito ao resgate do indivíduo do
pecado e da sua transformação. Ação social diz respeito ao resgate e
transformação da sociedade dos efeitos do pecado.
As duas ações são requeridas pelo Senhor Jesus dos
seus discípulos. Nisso, o discipulado (ministério que segue naturalmente um
evangelismo bem sucedido) deve incluir preparação dos seguidores de Jesus para
se engajarem nestes resgates e transformações sociais. Cada um de nós precisa
aprender a perguntar-se “Eu estou refletindo as características de Deus, de
justiça e amor, nas minas atitudes e ações?”
Ao mesmo tempo em que boas ações de compaixão e
justiça podem trazer pessoas ao Senhor, não fazer Ação Social pode ser
considerado um ato anti-evangelístico,
pois muitos são afastados do evangelho quando não percebem o amor de Cristo na
ação dos crentes. O perigo é que deixemos muitas pessoas morrer sem Cristo,
pois estas podem olhar para a igreja, procurando o amor de Deus que tanto
declaramos, e não encontrá-lo.
Necessitamos nas nossas igrejas tanto um evangelismo
quanto uma ação social bem desenvolvidos. Assim, não só almejamos tirar o
indivíduo do pecado, mas ainda mais, tirar o pecado (e os seus efeitos) do
indivíduo e da sociedade.
Mark E. Greenwood
Abril 2008
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