21 de julho de 2014

Esperança para casamentos em crise

O telefone tocou em uma tarde de sexta-feira. Uma voz desesperada do outro lado da linha disse:
– Doutor, quando posso me encontrar com o senhor? Meu pastor sugeriu que conversássemos. O senhor tem um minuto agora?
Nos minutos seguintes ele compartilhou uma história turbulenta. Esse homem estava casado havia 14 anos e tinha três filhas, mas, nos últimos dez anos, ele e sua esposa tiveram relações íntimas apenas três vezes. Ele compreendia que ela, tendo sofrido abuso do pai e de alguns primos, tinha profundas cicatrizes emocionais. Entretanto, após 14 anos, ele se perguntava se deveria persistir nesse relacionamento.
Senti vontade de conhecer a versão da mulher e saber que papel esse homem desempenhou em um relacionamento praticamente sem sexo.
– Será que sua esposa poderia vir também? – perguntei.
– Ah, não. Ela recusa aconselhamento. Diz que isso é problema meu.
Ele continuou:
– Ela está no Canadá visitando a família. Não sei ao certo quando estará de volta, mas antes que ela retorne, acho que preciso decidir se procuro um advogado ou se adio mais um pouco essa decisão. O senhor acha que pode me ajudar?
Eu parei por um momento imaginando quantos pastores estariam ouvindo histórias parecidas nesse mesmo instante. Por que as pessoas não buscam ajuda antes que seja tarde demais? Por que esperam chegar ao ponto de considerarem um divórcio para procurarem um pastor ou um conselheiro?
Pensei nas três meninas. Pensei no álbum de fotos da família que nunca mais faria sentido de novo. Pensei nas duas novas famílias que seriam formadas, confusas e feridas com a destruição de seu antigo lar. Pensei na dor e amargura que a esposa sentiria. Pensei também na raiva que sinto de adultos que abusam de crianças sem se importar com os traumas que as acompanharão pelo resto da vida. Senti uma dor na boca do estômago ao recordar do quanto eu temia essas primeiras sessões com casais que apresentavam casos aparentemente perdidos.
No entanto, também me lembrei de outros casais que haviam lutado de forma egoísta e cruel para transformar seus cônjuges em pessoas que correspondessem às suas expectativas – arruinando seus relacionamentos – mas que depois se deram conta de que é impossível viver com outra pessoa sem receber e conceder graça, e acima de tudo, sem experimentar a graça de Deus. Tais casais foram capazes de mudar uma situação aparentemente irremediável. Buscaram e concederam perdão. Aprenderam a se comunicar, a ceder e a se importar novamente. Eles agora sorriem, se tocam, dão as mãos. Eles se encontram do outro lado do vale do desespero, não por um passe de mágica, mas como resultado de muito esforço e trabalho. Sei, por experiência, que casamentos extremamente problemáticos têm salvação.
– Seria melhor se você e sua esposa viessem juntos conversar comigo – disse. – Mas já que ela não está aqui, prefiro não esperar. É melhor que comecemos agora mesmo. Quando você pode vir ao meu escritório?
A ESPERANÇA E O DESESPERO
Há alguns anos, durante meu treinamento clínico no Hospital St. Elizabeth, em Washington, D.C., atendi um homem tímido, sensível e com uma enorme capacidade intelectual, mas que conhecia intimamente as cicatrizes das feridas emocionais. Ele falou de maneira calma, mas ao mesmo tempo profunda, sobre como é importante que pessoas marcadas por traumas psicológicos tenham a capacidade de distinguir a esperança do desespero nas diferentes situações da vida. Essa capacidade, de fato, é uma questão crítica nas intervenções matrimoniais.
Na verdade, esse é um problema crítico também quando se trata de tentar ser um bom cônjuge. No momento em que me dei conta de que era inútil esperar que minha esposa fosse aquela antiga paixão de minha adolescência, nosso casamento deu um grande passo adiante. Foi então que pude perceber a singularidade da mulher com quem me casei. Isso me encheu de esperança e alegria!
Todo casamento é construído através da esperança. As pessoas se casam porque acreditam que uma vida compartilhada terá propósito e será mais eficaz e satisfatória do que uma vida solitária. Elas se casam esperando que o relacionamento seja bem sucedido, independentemente do que amigos ou parentes possam dizer. Porém, quase todo casamento passa por um período de desilusão. Alguns autores chamam essa fase de “a queda”. O que se esperava que acontecesse, não acontece. Tristeza, dor e raiva substituem a esperança. A inocência é perdida e o desespero entra em cena.
Karen disse certa vez:
– Quando nos casamos, pensei ter assinado um contrato que me garantisse um companheiro, alguém interessado pelas mesmas coisas que eu, disposto a compartilhar o fardo das atividades do dia-a-dia assim como os momentos alegres. Em vez disso, casei com um menino, alguém que havia sido cuidado a vida toda pela mãe e que esperava que eu fizesse o mesmo. E que ainda espera que eu seja grata ao fazer isso!
Quando as pessoas contam histórias como a de Karen, muitas vezes compartilhamos de seus sentimentos. Como pastores e conselheiros, ouvimos muitas histórias sobre casamentos problemáticos e esperanças frustradas e somos tentados a participar de seu desespero. Valorizamos uma comunidade com casamentos fortes, mas, muitas vezes, pintamos um quadro pessimista sobre as pressões modernas contra o casamento. Viemos a acreditar que o casamento é uma escolha entre suportar uma pressão incrível ou desistir de vez e partir para o divórcio. Tal comportamento desesperado ignora o fato de que as pessoas podem mudar, podem crescer, de que milagres podem acontecer, e de que atitudes e percepções transformadas (mesmo que de apenas uma das partes) podem alterar de maneira significativa a relação de um casal.
Na verdade, a desilusão é um passo na direção certa. Ela ajuda a separar o desespero (“meu cônjuge nunca será o companheiro que sonhei”, como admitiu Karen) da esperança (“aqui está uma pessoa diferente do que imaginei e que terá que abandonar suas expectativas a meu respeito, assim como eu abandonarei as minhas em relação a ela”).
O trabalho do pastor ou do conselheiro matrimonial é de mostrar consideração com a agonia que o casal está passando, e, ao mesmo tempo, manter viva, através de nossas habilidades, crenças e orações, uma centelha de esperança para proteger aquela chama.
Nos últimos cinco anos, descobri algo em que por muito tempo quis acreditar – que casamentos em crise não precisam terminar! A restauração é possível.
John descreveu sua experiência da seguinte maneira:
– No início, nosso casamento estava bem. Funcionava bem. Mas, com o passar do tempo, foi se desgastando, e nossas necessidades mudaram. Foi igual com nossa casa – no começo nós a amávamos, mas chegou um tempo em que devíamos ou reformar, ou largá-la de mão.
John e sua mulher, Margareth, conseguiram restaurar seu casamento.
A RECUPERAÇÃO DA ESPERANÇA
O primeiro passo, essencial para a restauração de um relacionamento, é acreditar que a melhora é possível. Partindo dessa premissa, dois casais que se conheceram durante um aconselhamento em uma universidade americana – Sheldon e Lillian Louthan, e Floyd e Nelda Coleman – desenvolveram um programa para ajudar casamentos acometidos por sérios problemas. O programa, denominado Recuperação da Esperança, recomendado por muitos pastores, gira em torno de um seminário na manhã de sábado, seguido de sessões de aconselhamento. Mas acredito que os princípios tratados ali sejam aplicáveis também em outros contextos em que pastores estejam tentando ajudar casais em crise.
Os seminários do Recuperação da Esperança proporcionam uma oportunidade para os presentes de ouvirem as histórias de outros casais, como John e Margareth, que estavam prestes a se divorciar, mas foram capazes de restaurar seu casamento. Os casais dividem suas experiências em um ambiente confidencial e são encorajados a identificarem, por conta própria, o que fez perderem a esperança e o que poderia trazê-la de volta. Eles têm a oportunidade de se reunirem com um profissional para tratar das questões específicas que causaram mais tensão no relacionamento. Eles também são incentivados a adiar a ação de divórcio por um período de três a seis meses, a fim de que tenham tempo para trabalharem na relação. Os casais devem também indicar alguém que possa orar por eles e apoiá-los nos momentos de dificuldade.
OUVINDO HISTÓRIAS DE OUTROS CASAIS
Bob e Dawn participaram de um desses seminários, onde casais contam as histórias de seus casamentos – construídos na esperança, testados na desilusão e restaurados através da busca do entendimento mútuo e de um longo e significativo processo para tornar seus relacionamentos fortes e duradouros.
Mais tarde, quando se reuniram com o conselheiro, Dawn disse:
– Sabe, nós temos muitos problemas. Nossas famílias são caóticas. Todos os irmãos e irmãs de Bob são divorciados. Seu pai já foi casado três vezes e agora tem um relacionamento homossexual. Meu pai abusou de mim e minha mãe me odiava. Eu sei que temos sido muito cruéis um com o outro, mas hoje depois de ouvir tudo o que esses outros casais enfrentaram, acredito que posso fazer meu casamento funcionar também. Ainda não sei como fazer isso, mas acredito que encontraremos uma maneira. Eu gostaria de dizer quais são os problemas que acho que temos. Talvez você possa nos ajudar.
As respostas de Bob e Dawn não são incomuns. Ouvir alguém dizer o indizível – o fracasso pessoal no contrato de casamento, a morte dos sonhos, o desespero e a dor –, mas com uma mensagem de esperança, é um incentivo poderoso. Por diversas vezes vi casais descobrirem que podem acreditar nas possibilidades do futuro. É disso que se trata a esperança. É o ingrediente necessário para que as pessoas façam aquilo que precisa ser feito para alcançar a restauração.
OS BENEFÍCIOS DE UM CONSELHEIRO PROFISSIONAL
Em momentos de crise, as pessoas precisam de alguém com autoridade e competência para confiar, alguém que entenda de terapia conjugal. Essas pessoas provavelmente já tentaram resolver seus problemas por conta própria. Elas agora procuram por alguém com mais conhecimento e competência.
Nem todos os conselheiros, no entanto, são treinados em terapia conjugal. Eu mesmo percebo agora que, no passado, posso ter sido muito útil para pessoas em busca de aconselhamento, mas talvez inadvertidamente prejudicial para seu casamento. A menos que eu trabalhe com os casais no entendimento de que estou empenhado em desenvolver seu relacionamento, o casamento pode falhar mesmo que o aconselhamento seja bem sucedido.
Quando Kirk e Jane vieram em sua primeira sessão, eu os atendi separadamente. Ela tinha acabado de sair da faculdade de Direito e tentava se estabelecer profissionalmente, depois de ter investido bastante em sua formação. Ela queria uma oportunidade para chegar ao melhor lugar possível. E também estava tendo dificuldade de abandonar um caso secreto que estava tendo durante seu último ano de faculdade. Kirk, um contador, tinha uma abordagem muito mais conservadora: nunca quis que sua mulher tivesse ensino superior. Para ele, ela deveria se contentar com o trabalho de casa. Sua família, que veio da Europa, tinha expectativas bastante convencionais a respeito das mulheres. Kirk se ressentia do controle que seus pais exerciam nele, mas geralmente expressava mais a sua raiva na esposa, que viva a liberdade que ele gostaria de ter.
Passada a primeira hora, disse a eles que estava interessado em seu casamento e que, na maior parte do tempo, os veria como uma unidade. Sentia que se olhasse para cada um deles isoladamente, estaria contribuindo para a morte de seu casamento. Dois anos depois realizei, junto com seu pastor, uma cerimônia para reafirmar os votos do casal.
VIVENCIANDO UMA COMUNIDADE SOLIDÁRIA
Ao trabalhar com casais em crise, redescobri o poder de uma comunidade solidária, algo que deveria ter conhecido a vida inteira.
No Recuperação da Esperança, cada casal é auxiliado por outro casal, que pode orar por eles, ou talvez visitá-los, fazendo algo que represente o vínculo de uma comunidade solidária. Se possível, tentamos encontrar um casal da mesma igreja.
Dois anos depois de participarem do seminário, Don e Noreen contaram que o seu “casal solidário” acabou se tornando seus melhores amigos. Noreen disse:
– Nós mal conhecíamos Pam e Jim, mas quando eles aceitaram ser nosso casal solidário, vimos que eles sabiam que estávamos tendo problemas. Tínhamos muita vergonha que outro casal da igreja soubesse, mas com eles podíamos conversar. Não precisávamos fingir.
Muitas vezes, a preocupação congregacional é expressa de uma maneira que acaba por ser interpretada como fofoca. Mas, quando há cuidado, a poderosa cura do corpo de Cristo pode ajudar na restauração.
DESCOBRINDO A POSSIBILIDADE DA MUDANÇA
Lyle e Betty estavam em crise. Um dos problemas era o fato de Lyle ter sido criado com quatro irmãs e, por isso, nunca havia aprendido a lidar com as responsabilidades domésticas. Ele teve um caso, separou-se de Betty e divorciaram-se. Dois anos depois, Lyle foi visitar as crianças, que moravam com sua ex-mulher. A conversa que tiveram foi educada e reservada.
Betty foi cautelosa, mas orava por um milagre. A família passou um tempo junta, no início da noite, e Betty reparou em como as crianças estavam felizes de ver o pai, como pareciam reviver os velhos tempos. Mas ela também reparou em outra diferença importante: ele levou seu prato para a cozinha e limpou seu cinzeiro. Por fim, eles decidiram tentar novamente e se casaram de novo. Eles agora são um dos casais que compartilha sua história no seminário Recuperação da Esperança.
Perceber pequenas mudanças permite que as pessoas vejam o potencial que existe nas negociações feitas com boa fé. É isso que proporciona o solo fértil onde cresce a esperança.
A esperança no casamento vem à medida que as pessoas aprendem a perdoar e a serem perdoadas. Todos nós temos sonhos e expectativas que danificam a personalidade de nossos cônjuges. Ao estarmos dispostos a abrir mão dessas expectativas e de, humildemente, pedir perdão a Deus e a eles, abrimos uma possibilidade para que o amor cresça. Isso permite que a outra pessoa se torne aquilo que Deus a criou para ser, ao invés daquilo que nós desejamos que seja.
Mesmo quando o desespero entra em cena, podemos contar com o poder de Deus para restaurar e edificar. Lembro-me de ter lido uma vez sobre um homem que estava em uma colina acima do Hiroshima no dia da explosão atômica. Apesar de ter escapado da explosão, ele observou, com desespero, a nuvem que envolveu toda a vida existente à sua volta. Conforme as horas foram passando, ele permaneceu imóvel, sem ter para onde ir ou a quem recorrer. Por fim, a fumaça começou a se dissipar, mostrando o que havia restado de sua cidade, toda coberta de preto. Ele viu então viu, à distância, a grama verde que cobria os montes do outro lado da cidade. Ao contar a história, ele disse:
– Sabe, a cor da esperança é verde.
Como um conselheiro, sinto que minha responsabilidade principal é ajudar as pessoas a verem além de sua situação imediata e descobrirem que existe cor do outro lado. Os casais que compartilham suas histórias no seminário são, para mim, os guardiões do verde. Eles me ajudaram a acreditar em possibilidades que eu duvidava e ajudaram muitos outros casais a encontrar “força para o presente e esperança para o futuro”.
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Por: Robert J. Carlson
Conselheiro pastoral em Wichita, Kansas
Extraído: Revista Cristianismo Hoje

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aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que jorre para a vida eterna.
João 4:14

E quem tem sede, venha; e quem quiser, tome de graça da água da vida.
Apocalipse 22:17
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